Novo Ensino Médio: Desafios para o ensino superior

Universitários em sua formatura

O Novo Ensino Médio é um grande problema para o ensino básico público brasileiro, mas quais são seus impactos no vestibular e no Ensino Superior?

O Novo Ensino Médio (NEM) tem sido uma reorganização curricular e estrutural extremamente problemática. Desde a sua discussão e implementação, todas as etapas tem sido impostas de forma hierárquica, esquecendo da realidade escolar brasileira. Assim, temos visto cada vez mais um desinteresse dos estudantes em continuar cursando o Ensino Médio. Certamente, cabe questionar: Quais os impactos de toda essa situação para o desenvolvimento do Ensino Superior brasileiro? Como ficará o vestibular?

O Ensino Médio e as suas justificativas.

O novo ensino médio altera de forma gigantesca a forma que conhecemos o currículo escolar. A obrigatoriedade de unicamente oferecer Português e Matemática em todos os anos escolares, o aumento da carga horária – transformando assim o ensino médio em ensino integral – e a criação dos itinerários formativos, disciplinas eletivas e projeto de vida são completamente problemáticas. Por isso, cria-se ai uma reflexão: qual o objetivo desse nível escolar?

Se partirmos de um pressuposto que o ensino médio busca formar um cidadão crítico, participante socialmente, que compreende e toma ação no mundo, essa reestruturação prejudica esse objetivo. Fica claro que o NEM impossibilita o debate e aprofundamento nos conhecimentos científicos, sociais, históricos e artísticos da humanidade. Na própria LDB, com a alteração da base da lei, já existe uma redução direta na carga horária de todas essas disciplinas, aumentando nas eletivas e itinerários.  

Buscando uma outra trajetória, pensemos que o objetivo do ensino médio seja capacitar o estudante para o ingresso e o desenvolvimento individual no ensino superior. Para isso, é preciso primeiramente ingressar nas faculdades e universidades desse país. Considerando a disparidade de qualidade, as universidades públicas são as que concentram a qualidade no ensino e no desenvolvimento científico. Para ingressar em uma delas, é preciso passar por uma prova de seleção – vestibulares especializados ou o ENEM. 

Vestibular, Ensino Médio e oportunidade de acesso.

Hoje, os principais vestibulares e o ENEM usam a estrutura curricular antiga, em que considera que o estudante do ensino médio terá como carga horária base todas as disciplinas – e não só Português e Matemática. Consequentemente, aparece o questionamento: como será o ingresso nas universidades públicas com o NEM?

Atualmente, vivemos em estado de indefinições e incertezas. No início do atual governo, foi garantido que o ENEM seria atualizado para o novo currículo a partir de 2024. Porém, foi aberta uma consulta pública pelo governo federal buscando compreender como o NEM está sendo recebido nas escolas. Essa proposta deixou a maioria dos educadores e pesquisadores animados com a possível revogação, mas apreensivos sobre o futuro dos vestibulares. 

Os principais vestibulares do Estado de São Paulo também serão afetados pelo NEM. A COMVEST – responsável pelo vestibular da UNICAMP – emitiu uma nota informando que a prova de primeira fase não será estruturada através dos itinerários formativos. Inclusive, o vestibular tomou uma medida oposta, aumentando a demanda de questões de sociologia e filosofia, disciplinas completamente ignoradas pelo NEM. Já a FUVEST e a VUNESP – responsáveis pelos vestibulares da USP e UNESP, respectivamente – não soltaram notas oficiais sobre uma possível reestruturação, mantendo o mesmo modelo e a mesma cobrança de conteúdos escolares.

Recapitulemos: o NEM cria uma nova estrutura curricular para os estudantes, diminuindo a carga das disciplinas que serão cobradas no vestibular, priorizando outras questões. Os vestibulares, por outro lado, continuarão a cobrança desses conteúdos escolares. Pergunto-lhes: quem será afetado com essa formulação? Quem terá acesso ao ensino superior?

Quem vai ocupar as universidades públicas?

Parece-me óbvio e deprimente o caminho que o desenvolvimento científico e tecnológico irá tomar em nosso país. A universidade pública, espaço dedicado ao desenvolvimento científico, intelectual e tecnológico aumentará ainda mais a barreira, deixará a ponte ainda mais instável para aqueles que quiserem atravessá-la. Sem as bases educacionais necessárias, os estudantes periféricos e pobres estarão cada vez mais afastados dessa possibilidade formativa, o que não somente irá aumentar a desigualdade social e econômica, mas também deixará a ciência ainda mais elitizada e afastada da sociedade. 

Esse afastamento poderá catalisar problemas já notáveis socialmente, como o discurso das fake news, a ciência desinteressada em dialogar com o povo, e um discurso determinista biológico positivista por parte daqueles que produzem ciência. É de interesse geral que a universidade seja ocupada com o povo, na sua mais diversa e inclusiva forma. Infelizmente, o NEM tem o intuito oposto, de aumentar a segregação daqueles que podem ingressar nesses ambientes. 

Decerto, a própria produção científica será afetada, pois ela precisa de uma defesa sólida e bem estruturada em todos os estratos sociais, possibilitando que a produção do conhecimento e o desenvolvimento crítico e intelectual adentre em toda a sociedade. Decerto, Se a ciência é produzida apenas por uma parcela da sociedade, ela não terá essa defesa na sociedade, não terá a possibilidade de ser um agente transformador crítico.

O problema é bem mais profundo…

Essa discussão anterior não chega nem nas questões sobre a função e a necessidade de extinção dos vestibulares, para acabar de vez com essas barreiras de acesso ao ensino superior. Ainda assim, o NEM se propõe a reforçar ainda mais ela, criando cada vez mais dificuldades. Infelizmente, o que parece que acontecerá é que o Ensino Médio nas redes particulares continuarão atendendo as exigências dos vestibulares. Assim, na rede pública será apenas o atendimento da proposta neoliberal de individualização da produção e sucateamento das condições de trabalho, disfarçada de “empreendedorismo”.

Assim, é urgente que a comunidade escolar e acadêmica, juntamente com os movimentos sociais e a população como um todo critique e lutem por uma estrutura de ensino médio que garanta o acesso à universidade pública. 

Para saber mais…

Entendendo O Novo Ensino Médio: Sua Lógica E Promulgação

BRASIL (1996) Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB. 9394/1996 BRASIL.

BRASIL (2017) Novo Ensino Médio, Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. BRASIL.

Revista EXAME (2023) “O que muda no ENEM com o novo ensino médio?”; Maio, 2023.

BRASIL (2023) “Avaliação e Reestruturação da Política Nacional de Ensino Médio“; Abril, 2023.

Sobre Matheus Naville Gutierrez 12 Artigos
Mestre e doutorando em ensino de Ciências e Matemática pela UNICAMP e licenciado em Ciências Biológicas pela UNESP. Sempre dialogando sobre educação, tecnologia, ensino superior, cultura e algumas aleatoriedades que podem pintar por ai.

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