Quando a informação incomoda (ou Quando a verdade dói, parte II)

Segundo notícia publicada no jornal Estado de São Paulo on-line, nesta última quarta feira dia 9/12/09 Joseph Ratzinger, o papa Bento 16 criticou nesta quarta-feira, 9/12/2009, a forma como a imprensa retrata e amplifica os males que atingem as cidades, fazendo as pessoas se “acostumarem com as coisas mais horríveis” e “se tornarem mais insensíveis”, e “intoxicando” a todos, uma vez que o que é “negativo nunca se elimina”. O papa acrescentou que os meios de comunicação tendem a fazer “o cidadão se sentir sempre como um espectador, como se o mal só dissesse respeito aos demais e certas coisas jamais pudessem acontecer” com ele. O pontífice, de 82 anos, fez estas declarações diante do monumento à Imaculada Conceição, cujo dia é celebrado nesta quarta-feira.

Ao depositar um cesto de rosas flores diante da estátua coroada pela imagem de Nossa Senhora, Bento XVI disse que Maria ainda repete aos homens de nosso tempo: “Não tenham medo, já que Jesus venceu o mal”. “O quanto precisamos desta bela notícia! A cada dia, nos jornais, na televisão e no rádio, o mal é contado, repetido e amplificado, fazendo as pessoas se acostumarem com as coisas mais horríveis, nos tornando mais insensíveis e de, alguma maneira, nos intoxicando”, acrescentou. O papa também afirmou que “o negativo nunca é totalmente eliminado, e dia a dia vai se acumulando”. “O coração endurece e os pensamentos ficam obscuros”, destacou.

As declarações de Ratzinger fazem lembrar fatos ocorridos recentemente. O presidente socialista da Bolívia, Evo Morales, criticou na terça-feira dia 8/12/2009 a “liberdade de expressão exagerada” que, segundo ele, impera em seu país, e lamentou a falta de apoio da imprensa durante sua campanha eleitoral. “Eu sou uma vítima permanente da imprensa. Existe uma liberdade de expressão exagerada” na Bolívia, afirmou o dirigente a uma jornalista em Cochabamba.

Durante a campanha eleitoral, a maioria dos meios de comunicação, controlada por empresários de direita, se posicionou contra Morales, que no entanto conseguiu se reeleger para um segundo mandato de cinco anos. Para Morales, uma grande parte da imprensa de Cochabamba é influenciada por uma jornalista de direita, deputada e ligada ao ex-presidente conservador Jorge Quiroga, além de desafeta do dirigente socialista; mas preferiu não citar nomes. Evo Morales mantém desde 2006 uma relação complicada com a imprensa em seu país.

Em setembro, o grupo Clarín, maior holding de mídia da Argentina, foi alvo de uma operação da Associação Federal de Ingressos Públicos (AFIP, equivalente a Receita Federal) do governo de Cristina Kirchner. Entre 180 a 200 fiscais do órgão tiveram acesso ao edifício onde funcionam as redações dos jornais Clarín, Olé e La Razón. Foi uma “operação de intimidação”, após denúncia publicada na edição do que dava conta que, por decisão da ONNCA (Oficina Nacional de Controle de Comércio Agropecuário), foram pagos mais 10 milhões de pesos em subsídios a uma empresa que estava em condição irregular, sem licença para funcionar. De acordo com a reportagem, o próprio órgão concedeu a empresa uma “matrícula provisória” após os subsídios. Associações de jornalistas denunciaram ao longo dos últimos anos intensas pressões do governo argentino aos profissionais da mídia, grampos telefônicos e ameaças diversas. Os escritórios do jornal Clarín foram atacados com pichações de militantes governistas. Enquanto foi presidente, Néstor Kirchner nunca deu uma entrevista coletiva. Sua mulher, Cristina, só aceitou entrevistas exclusivas com meios de comunicação aliados do governo.

Cristina também não veicula publicidade oficial nos jornais críticos. Mas, os empresários amigos do governo conseguem farta publicidade do governo. Esse é o caso de Rudy Ulloa, magnata da mídia no sul do país que lançou a revista Atitude, que na capa ostenta controvertido slogan: “Uma revista que não é independente.”

Também neste ano, na Venezuela o presidente Hugo Chávez não renovou a concessão do canal de TV oposicionista RCTV. Houveram manifestos das duas partes da população, aqueles que apóiam a decisão do presidente, e daqueles que são contra, que acusam o líder venezuelano de atentar contra a liberdade de expressão. A emissora privada de TV Rádio Caracas Televisión (RCTV) era o canal mais antigo do país e saiu do ar após 53 anos de exibição no canal 2. Segundo o presidente Hugo Chávez, a emissora não teve seu contrato renovado por prejudicar o socialismo do século XXI. Ao mesmo tempo em que diretores e funcionários se despediam da sua audiência com o slogan “Um amigo é para sempre”, confrontos de manifestantes com a polícia eram registrados na capital.

Mas o que Ratzinger, Morales, Cristina Kirchner e Chávez têm em comum? Porque a imprensa e os meios de comunicação os incomodam tanto?

Por um lado, o direito de contestar. Por outro lado, uma imprensa que não esteja vinculada ao sistema de poder. Segundo Noam Chomsky, professor de lingüística do Massachussets Institute of Technology (MIT) em Boston, e um dos principais críticos do modelo de sociedade norte-americana, “existe todo tipo de dispositivo de filtração para desfazer-se de gente que pensa de forma independente e possa criar problemas“. Chomsky se refere, explicitamente, aos meios de comunicação que não se alinham com os órgãos de poder em seus respectivos países.

Libertas quae sera tamen.

Discussão - 6 comentários

  1. Caro(s) colega(s) do Química Viva,
    Como seria bom se a imprensa só divulgasse verdades. Ou melhor, como seria bom se a imprensa fosse imparcial. No entanto, aceitando a hipótese de uma teoria chamada marxismo, de que existe uma luta de classes, pode-se supor que a imprensa nunca será imparcial pois ela defende os interesses de uma única classe, a que pertencem os donos de jornal, os burgueses ou capitalistas ou qualquer outro nome.
    Eu posso usar o subtítulo de sua postagem para entender que a verdade dói para a burguesia inclusive, que faz de tudo para distorcê-la de acordo com a versão de mundo dela, a burguesia. Estarei sendo verdadeiro ou estarei distorcendo os fatos nessa afirmação?
    Um abraço!
    PS: já escrevi várias vezes sobre esse assunto em meu blog, e a minha conclusão, como morador de periferia, é que os jornais e a imprensa NÃO representam nem a voz do povo nem da verdade e muito menos da democracia - eu, por exemplo, jamais conseguiria ter a minha opinião publicada em jornais...

  2. Joâo Carlos disse:

    Descontadas as brasas puxadas para a própria sardinha, até que Ratzinger não está inventando nada. Mencken já dizia, bem antes dele, que a imprensa vive de criar bichos-papões para assustar o leitor. Você jamais vai ver uma manchete que diga, por exemplo: "Hoje, no Rio de Janeiro, mais de 7 milhões de pessoas sairam de casa e voltaram sem que nada lhes acontecesse", mas os 100 assaltos são notícia...
    Mas seria injustiça atribuir à imprensa o mau gosto: afinal, ela precisa atrair a atenção dos leitores (esses, sim, tem um péssimo gosto). E, certamente, não é desculpa para arrolhar a imprensa.
    Dos males, a liberdade total de imprensa é o menor.

  3. Phanta disse:

    Pra mim o que o clarím, a veja, a globo e a imprensa de direita da bolivia e da venezuela tem em comum é terem apoiado as ditaduras em seus respectivos países
    Me dá nojo ler o que essa gente publica, sério...

  4. Roberto disse:

    Caros Stephen e Phanta,
    Concordo plenamente que a imprensa, a mídia, os meios de comunicação, enfim, não são, nunca, imparciais. Todos se utilizam das informações como lhes convém. Inclusive os meios de comunicação "alternativos". Todavia, nada justifica a censura. O que é necessário é que nós, como cidadãos, tenhamos o direito de ter acesso às informações da maneira mais livre possível, e possamos utilizá-las como quisermos (desde que não prejudiquemos outros). E também é importante que possamos desenvolver nosso espírito crítico, de maneira aberta e saudável, para que o debate seja favorecido de maneira justa.
    A partir disso, que cada um de nós possa construir suas próprias opiniões.
    Obrigado pelas participações.
    cordialmente,
    Roberto

  5. Sibele disse:

    O nó górdio é justamente como "ter acesso às informações da maneira mais livre possível".
    Se os meios de comunicação de massa são dominados por quem tem dinheiro e poder (inclusive determinando decisões de órgãos que deveriam, a priori, coibir o cerceamento de informação, como a recente decisão do STF em relação ao jornal O Estado de São Paulo, beneficiando certa família maranhense) o que teremos será só parcialidade, omissão, distorção e deturpação. E o tão repetido "ao povo o que o povo gosta"...

  6. Hide disse:

    Defendendo a Cristina
    Depois de tantas opiniões brilhantes gostaria de acrescentar o seguinte:
    1) A relação com a imprensa é uma relação de confiança,
    você confiaria no seu inimigo para que fale de você ?
    2) Pagar publicidade no jornal que é seu inimigo ???
    3) A fiscalização no Clarin pode não ter nada a ver com a Casa Rosada.
    4) O resto é coisa de fanáticos malucos, nem merecia estar aquí.

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