Desvendando o Potencial dos Órgãos-em-chip: Uma Nova Era na Engenharia Biomédica e na Engenharia de Tecidos

Imagine um futuro em que a medicina seja mais rápida, eficiente e personalizada, onde os tratamentos sejam desenvolvidos com base em modelos altamente precisos do corpo humano e onde a necessidade de experimentação animal seja reduzida.

Essa é a promessa dos órgãos-em-chip, uma tecnologia revolucionária que combina microfluídica, engenharia biomédica e engenharia de tecidos para recriar órgãos humanos em miniatura ou em chips. Esta inovação está abrindo novos horizontes na pesquisa médica e tem o potencial de transformar a maneira como entendemos e tratamos uma ampla gama de doenças.

Neste artigo, vamos explorar o mundo fascinante dos órgãos-em-chip, explicando seu funcionamento, suas aplicações e como eles estão moldando o futuro da engenharia biomédica e de tecidos.

O que são órgãos-em-chip?

Órgãos-em-chip são sistemas que contêm tecidos em miniatura cultivados dentro de chips microfluídicos, ou seja, são dispositivos microfluídicos que imitam a estrutura e a função dos órgãos humanos em uma escala reduzida. Esses chips são projetados para controlar os microambientes celulares e manter funções específicas do tecido, a fim de melhor imitar a fisiologia humana. A ideia principal por trás dessa tecnologia é fornecer uma plataforma in vitro mais precisa e representativa para estudar processos biológicos, desenvolver medicamentos e testar a segurança e a eficácia de novos tratamentos.

As aplicações dos órgãos-em-chip são diversas. Esses sistemas podem ser usados para tratamento de doenças, descoberta de medicamentos, testes de toxicidade e medicina personalizada. Assim, cientistas e pesquisadores podem usar dispositivos órgãos-em-chip para testar a eficácia de medicamentos em células e tecidos específicos de um paciente, o que pode levar a tratamentos mais personalizados para certas doenças. Além disso, esses sistemas podem ser usados para estudar como as doenças se desenvolvem e progridem em um ambiente controlado.

A tecnologia órgãos-em-chip é uma alternativa promissora aos modelos pré-clínicos convencionais para triagem de medicamentos. Isso ocorre porque os órgãos-em-chip são projetados para recapitular as características funcionais-chave dos órgãos humanos vivos, permitindo uma análise mais precisa e relevante do efeito dos medicamentos em tecidos humanos. Além disso, os órgãos-em-chip podem ser usados para estudar interações entre diferentes órgãos e sistemas do corpo humano, o que é difícil de ser realizado com modelos pré-clínicos convencionais.

Estrutura e componentes básicos dos órgãos-em-chip

Várias técnicas de engenharia básicas e avançadas são usadas na tecnologia órgãos-em-chip. Resumidamente, teríamos: microfabricação (técnica usada para criar estruturas em miniatura usando processos de fabricação em escala microscópica, por exemplo a litografia ou impressão 3D); microfluídica (técnica que permite o controle preciso do fluxo de líquidos em canais micrométricos, permitindo a criação de ambientes controlados para as células); e biossensores (que podem detectar e medir sinais biológicos, como atividade celular ou liberação de moléculas).

Essas técnicas são usadas para criar os modelos precisos de órgãos humanos em miniatura dentro de chips, permitindo o estudo da fisiologia humana com mais precisão do que os métodos tradicionais.

Poderíamos acrescentar mais dois conceitos que são importantes no desenvolvimento de um órgão-em-chip:

  1. Sensores e atuadores:

    Sensores e atuadores são componentes eletrônicos que monitoram e controlam o ambiente no dispositivo. Sensores podem detectar mudanças no ambiente, como variações de pressão, temperatura ou concentração de substâncias químicas, enquanto atuadores permitem a manipulação e o controle das condições dentro do dispositivo. Esses componentes são essenciais para garantir a precisão e a reprodutibilidade das condições experimentais nos órgãos-em-chip.
  2. Engenharia de tecidos: A engenharia de tecidos é a prática de combinar células, materiais de suporte e fatores bioativos para criar tecidos artificiais que possam substituir ou restaurar a função de tecidos ou órgãos danificados. Nos órgãos-em-chip, a engenharia de tecidos é utilizada para desenvolver modelos tridimensionais de células e tecidos humanos que imitam a estrutura e a função dos órgãos originais.

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A interseção entre a engenharia biomédica e a engenharia de tecidos

A engenharia biomédica e a engenharia de tecidos são disciplinas complementares que se unem para possibilitar o desenvolvimento de órgãos-em-chip. Enquanto a engenharia biomédica se concentra na aplicação de princípios e técnicas de engenharia para solucionar problemas na medicina e na biologia, a engenharia de tecidos busca criar ou restaurar a função de tecidos e órgãos humanos, combinando células, materiais e fatores bioativos.

Juntas, essas áreas do conhecimento oferecem uma abordagem integrada para criar dispositivos que replicam o funcionamento dos órgãos humanos em escala reduzida, abrindo portas para uma melhor compreensão das doenças e para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes e personalizados.

Como a engenharia biomédica e de tecidos se beneficiam dessa tecnologia?

A colaboração entre engenharia biomédica e engenharia de tecidos no desenvolvimento de órgãos-em-chip oferece benefícios mútuos para ambas as disciplinas. Por um lado, a engenharia biomédica ganha acesso a modelos de órgãos humanos mais realistas e fisiologicamente relevantes, o que permite uma pesquisa mais aprofundada sobre mecanismos celulares e moleculares, além de fornecer um ambiente controlado para testar dispositivos médicos e novas terapias.

Por outro lado, a engenharia de tecidos se beneficia das inovações e avanços em microfluídica e sensores, proporcionados pela engenharia biomédica, que ajudam a criar ambientes tridimensionais mais complexos e controlados para o estudo e a manipulação de tecidos humanos. Essa sinergia entre as duas áreas impulsiona a inovação e acelera o desenvolvimento de novas soluções na medicina regenerativa, na terapia celular e na descoberta de medicamentos.

Aplicações práticas dos órgãos-em-chip

Pesquisa e desenvolvimento de medicamentos

Uma das principais aplicações dos órgãos-em-chip é a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos. Esses dispositivos proporcionam um ambiente mais próximo das condições fisiológicas humanas, permitindo que cientistas e pesquisadores estudem a eficácia e os efeitos colaterais de novos compostos terapêuticos de maneira mais realista e precisa. Isso pode ajudar a reduzir o tempo e o custo do desenvolvimento de novos medicamentos, além de aumentar a taxa de sucesso na identificação de compostos promissores.

Testes de toxicidade e segurança

Os órgãos-em-chip também são úteis para avaliar a toxicidade e a segurança de novos compostos químicos e medicamentos. Esses dispositivos permitem que os pesquisadores observem os efeitos de substâncias potencialmente tóxicas em tecidos e células humanas, fornecendo informações valiosas sobre a segurança dos compostos antes de avançarem para testes em animais ou ensaios clínicos em humanos. Isso pode reduzir a necessidade de experimentação animal e melhorar a precisão dos resultados, minimizando riscos para os pacientes.

Estudos de doenças e mecanismos biológicos

Órgãos-em-chip são ferramentas valiosas para o estudo de doenças e mecanismos biológicos em um ambiente controlado e fisiologicamente relevante. Eles permitem que os pesquisadores investiguem como as células e os tecidos interagem em condições patológicas e como as doenças se desenvolvem e progridem em um nível celular e molecular. Isso pode levar a uma melhor compreensão das doenças e ao desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas.

Desafios e avanços futuros na tecnologia de órgãos-em-chip 

Nos últimos anos, houve avanços significativos em biomateriais, engenharia de células-tronco, microengenharia e tecnologias microfluídicas que têm contribuído para o desenvolvimento da tecnologia órgãos-em-chip.

Esses avanços incluem o uso de hidrogéis e outros materiais biocompatíveis para criar ambientes tridimensionais para as células crescerem, a engenharia de células-tronco para produzir diferentes tipos de células humanas em grande escala, a microengenharia para criar estruturas complexas em miniatura e a tecnologia microfluídica para controlar o fluxo de líquidos e nutrientes dentro dos chips. Essas tecnologias têm permitido a reconstituição da estrutura, função e fisiologia dos tecidos humanos em chips como uma alternativa aos modelos pré-clínicos convencionais para triagem de medicamentos.

Existem vários desafios e avanços futuros na tecnologia de órgãos-em-chip. Alguns dos desafios incluem a necessidade de melhorar a complexidade dos sistemas para imitar mais precisamente a fisiologia humana, bem como a necessidade de desenvolver métodos mais eficientes para integrar diferentes tipos de tecidos em um único dispositivo. Além disso, é importante garantir que os resultados obtidos com esses sistemas sejam reproduzíveis e possam ser traduzidos para aplicações clínicas.  

No entanto, há muitos avanços promissores na tecnologia órgãos-em-chip. Por exemplo, os pesquisadores estão trabalhando em dispositivos mais sofisticados que podem imitar múltiplos órgãos e sistemas do corpo humano. Também estão sendo desenvolvidas técnicas para incorporar sensores e outros dispositivos eletrônicos nos chips para monitorar continuamente o comportamento das células e tecidos.

Além disso, há um crescente interesse em usar inteligência artificial e aprendizado de máquina para analisar grandes quantidades de dados gerados por esses sistemas e prever como as drogas ou produtos químicos afetam o corpo humano.

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Conclusão

A tecnologia órgãos-em-chip representa um marco significativo na engenharia biomédica e na engenharia de tecidos, com implicações profundas para a pesquisa médica e o desenvolvimento de medicamentos. Esses dispositivos inovadores têm o potencial de transformar a maneira como estudamos e tratamos doenças, reduzindo a necessidade de experimentação animal e acelerando o processo de desenvolvimento de terapias mais eficazes e seguras.

À medida que a tecnologia evolui e supera os desafios atuais, é provável que vejamos um aumento na adoção e na aplicação de órgãos-em-chip em diversas áreas da biomedicina. Isso inclui a integração de múltiplos órgãos-em-chip em sistemas body-on-a-chip, o avanço na personalização da medicina e a expansão das aplicações em áreas como a engenharia de tecidos para transplantes e a modelagem de doenças raras ou complexas.

A colaboração multidisciplinar, a educação e a conscientização pública serão fundamentais para garantir que essa tecnologia alcance todo o seu potencial e impacte positivamente a sociedade. Ao apoiar e investir em pesquisa e desenvolvimento nessa área, podemos esperar avanços significativos no tratamento e na compreensão de diversas condições médicas, melhorando a qualidade de vida e a expectativa de vida de pacientes em todo o mundo.

Referências:

Introduction of Microfluidics (2005). Oxford University. Disponível aqui!

Microfluidics and Multi Organs on Chip. (2022). SpringerLink. Disponível aqui!

‌Applications of Microfluidic Systems in Biology and Medicine. (2019). SpringerLink. Disponível aqui!

 

Chak Ming Leung, Pim de Haan, Ronaldson-Bouchard, K., Kim, G.-A., Ko, J.-H., Hoon Suk Rho, Chen, Z., Habibovic, P., Noo Li Jeon, Takayama, S., Shuler, M.L., Gordana Vunjak-Novakovic, Frey, O., Verpoorte, E. and Toh, Y.-C. (2022). A guide to the organ-on-a-chip. Nature Reviews Methods Primers, 2(1).  https://doi.org/10.1038/s43586-022-00118-6.

‌Cho, S., Lee, S. and Song Ih Ahn (2023). Design and engineering of organ-on-a-chip. Biomedical Engineering Letters. https://doi.org/10.1007/s13534-022-00258-4.

‌Ko, J.-H., Noo Li Jeon, Lee, S., Burcu Gumuscu and Noo Li Jeon (2022). Engineering Organ-on-a-Chip to Accelerate Translational Research. Micromachines, 13(8), pp.1200–1200.  https://doi.org/10.3390/mi13081200.

Milica Radisic, Erika Yan Wang, Fook B.L. Lai, Cheung, K. and Milica Radisic (2023). Organs-on-a-chip: a union of tissue engineering and microfabrication. Trends in Biotechnology, 41(3), pp.410–424.  https://doi.org/10.1016/j.tibtech.2022.12.018 


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Sobre Harrson S. Santana

Doutor em Engenharia Química pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com enfoque em Microfluídica, Simulação Numérica e Biodiesel. É também especialista em Impressão 3D de microdispositivos. • Atuou como Prof. Dr. da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) na área da Termodinâmica Aplicada e Operações Unitárias`; Foi Professor colaborador da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) na área de Microrreatores; Professor Visitante na Universidade de São Paulo (USP) e no Instituto ESSS. • Atuou como Pesquisador na UNICAMP nas áreas de Microfluídica, Manufatura Aditiva, Simulações Numéricas e Processos Químicos. • Ministrou Cursos e Workshops acerca de diversos temas, tais como Modelagem e Simulação de Dispositivos Microfluídicos e Impressão 3D de Dispositivos Microfluídicos, a convite de diversas instituições como Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal do Espírito Santo. Também foi palestrante convidado de diversas conferências nos temas de Biotecnologia, Energia, Microfluídica entre outros. • Foi editor dos livros "Process Analysis, Design, and Intensification in Microfluidics and Chemical Engineering" e "A Closer Look at Biodiesel Production". • Atualmente atua como editor convidado dos periódicos “JoVE Journal” e “Frontiers in Chemical Engineering”. • Participou até o momento de 18 projetos de pesquisa, como coordenador e integrante gerando como resultados 33 artigos científicos em importantes periódicos internacionais, 6 patentes depositadas e 7 programas de computador com registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). • É criador do blog Microfluídica & Engenharia Química, onde apresenta conteúdos dessas duas áreas e como elas influenciam a nossa sociedade. Seu interesse científico se concentra em fenômenos de transporte, engenharia das reações química, simulações numéricas de dispositivos microfluídicos aplicados em processos químicos, físicos e biológicos, impressoras 3D e bioimpressão, além de sistemas robóticos.

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