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Comunicação para Divulgadores Científicos

De qual internet falamos quando planejamos a Divulgação Científica?

Charge de Ricardo Manhães mostrando uma casa feita de madeira em cima do morro com uma fala sobre o acesso à internet excluir pessoas

Você, divulgador de ciência, já se perguntou de qual Internet falamos quando planejamos a Divulgação Científica? Pois é!

É comum que a nossa equipe do Blogs Unicamp seja convidada para falar sobre como planejamos o nosso dia a dia de trabalho. O interesse, normalmente, advém daqueles que buscam dicas sobre como começar, planejar e conseguir visibilidade em seus canais de DC.

Nesta última quarta-feira fui atender a mais um desses pedidos, mas diferentemente do usual, essa foi a primeira vez que me pediram para falar sobre divulgação científica e internet. Parece simples e comum falar sobre este assunto, afinal a maioria da divulgação científica brasileira recente foca seus esforços nas plataformas digitais.

Contudo, não é igualmente simples e comum que a DC pense sobre as desigualdades da internet em um país continental como o Brasil. E esse questionamento é só a “ponta do iceberg” no planejamento da divulgação científica.

Neste texto falaremos um pouco sobre isso:

O que é Divulgação Científica? E o que ela significa hoje!

Não dá para começar qualquer planejamento de divulgação científica se o próprio conceito não estiver bem claro para a equipe que vai executar as atividades. E definir este assunto, não é uma tarefa simples.

Afinal, divulgação científica é toda uma área do conhecimento e vai muito além de uma única citação ou um único autor que discutiu o tema, existe muita pesquisa rolando todo dia e é importante estar atento ao que é produzido de pesquisa na área.

Deixo aqui como sugestão o Coaxo Caixeiro – um boletim da Divulgação Científica do Roberto Takata que tem me ajudado a ficar atualizada sobre o assunto.

Slide de fundo cinza e quadros em tons de vermelho com conceitos sobre divulgação científica
Slide sobre o conceito de Divulgação Científica apresentado em eventos

Todas as citações do slide podem ser conferidas no final desta postagem.

Assim, durante meu mestrado, me dediquei a observar o conceito e como ele foi sendo repensado e discutido ao longo do tempo. Afinal é de se esperar que a DC discutida por Bueno em 1984 tenha sofrido influência da disseminação da internet e das novas formas de comunicação que surgiram posteriormente.

Pensar, portanto, na divulgação científica hoje, é também sobre pensar nessa evolução e incluir a influência das novas tecnologias, sem esquecer obviamente a realidade local na qual planejamos trabalhar.

E é aí que retomamos a ideia inicial dessa postagem:

Você sabe com quem está falando quando faz divulgação científica?

A proposta da discussão de hoje dá um passo além da ideia de definição de público, pressupondo que essa tarefa já tenha sido minimamente feita, e pensemos no acesso desse público (já definido) à plataforma digital que escolhemos investir quanto canal de divulgação científica.

Se você ainda não definiu seu público, deixei alguns textos que podem te ajudar nessa tarefa no fim dessa postagem.

Então vamos aos dados:

Segundo os dados do PNAD TIC – Internet Brasil 2021 a

“Internet chega a 90,0% dos domicílios do país em 2021, com alta de 6 pontos percentuais (p.p.) frente a 2019, quando 84,0% dos domicílios tinham acesso à grande rede.”

Importante ressaltar aqui que escolhi os dados de 2021 justamente por se tratar deste momento mundial em que estávamos forçadamente mais presentes digitalmente.

Quando pensamos, como divulgadores de ciência, que o Brasil já consegue disponibilizar o acesso à internet a quase toda a sua população, parece óbvio que a escolha da plataforma digital seja mais uma questão de gosto e habilidade pessoal do divulgador científico do que a preferência do público.

Afinal “todo mundo tem acesso à internet”, não é?

Não, não é!

Observe os infográficos sobre o uso da Internet no Brasil e responda às perguntas abaixo:

Infográfico com os dados sobre o acesso à internet no Brasil
Fonte: PNAD
  • O seu vídeo de 40 minutos no YouTube é a melhor opção para um público que vive na região rural do Norte?
  • Seu material produzido no computador se adapta bem ao celular?
  • O seu canal previu a possibilidade de acesso ao conteúdo para pessoas que estejam fora das áreas urbanas e do sudeste?
  • Qual a melhor forma de divulgar ciências para pessoas com mais de 50 anos?
  • Quais métricas uso para identificar os acessos de menores de 20 anos?
  • Como falo sobre ciências com essa população de mais de 60 anos e que não está na internet?
  • E para as pessoas que não se identificam binariamente (homem e mulher)?

É importante dizer que os dados do INCT – CPCT foram apurados em 2019 e publicados em 2021, assim achei por bem trazer também os dados do DataReportal:

  • Quantos divulgadores científicos você conhece que investiu seu tempo no Facebook durante o ano de 2021?
  • Quantas redes sociais sumiram de 2019 a 2021?
  • Será que a checagem de desinformação através da verificação de fontes originais e links de fora das redes sociais foi possível para as 47,1% de pessoas que possuem seu plano de celular pré-pago?
  • O meu conteúdo nas redes sociais possui as condições de ser ranqueado pelo Google e de proporcionar a busca por informação antiga de forma fácil e acessível?

E a resposta para todas essas perguntas…

É obvio que ao escolhermos qualquer plataforma teremos vantagens e desvantagens, insisto que não existe uma fórmula do sucesso, nem plataforma perfeita e muito menos um passe de mágica que permite que absolutamente todas as pessoas tenham acesso ao conteúdo de divulgação científica, por mais relevante, bem feito, interessante e importante que ele seja.

O exercício proposto nesta postagem pretendia refletir sobre a diversidade populacional brasileira quanto ao acesso à internet e, por consequência a informação, além de demonstrar, como cientista que sou, mediante a dados, que as métricas não podem ser consideradas apenas de uma única fonte, principalmente se não temos como checar a veracidade dela.

Portanto, não dá mais continuar pressupondo que:

  • Todos têm acesso à internet com a mesma qualidade e velocidade;
  • Que um determinado público acessa somente uma rede social;
  • Que determinada rede social não merece a atenção da DC;
  • Que é possível falar com a sociedade em sua totalidade;
  • Que existe uma maneira mágica, rápida e sem investimento de tempo e dinheiro que garanta a visibilidade de um canal de DC;
  • Que você vai virar um super influencer de uma hora para a outra.

Os dados estão disponíveis e de acesso aberto, e mesmo que você já tenha iniciado seu trabalho e já tenha se estabelecido em uma determinada plataforma, vale a pena parar e conversar com o seu público para entender como ele acessa o conteúdo e a partir disso, reestruturar o projeto.

Dessa forma será possível economizar horas de trabalho, aumentar a visibilidade e investir melhor o pouco recurso que a divulgação científica brasileira possui.

Esse é o terceiro texto de uma série sobre o assunto:

Outras referências

Conceito de Divulgação Científica:

  • BUENO, W. da C. 1984. 365f. Jornalismo Científico no Brasil: os compromissos de uma prática dependente. Tese de Doutorado. ECA/USP, São Paulo, 1984.
  • MORA, A. M. S. A divulgação da ciência como literatura. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003.
  • DIAS, Camila Delmondes et al. Divulgando a arqueologia: comunicando o conhecimento para a sociedade. Ciência e Cultura, v. 65, n. 2, p. 48-52, 2013.
  • CALDAS, Graça; ZANVETTOR, Kátia. O estado da arte da pesquisa em divulgação científica no Brasil: apontamentos iniciais. Ação Midiática–Estudos em Comunicação, Sociedade e Cultura., v. 1, n. 7, 2014.
  • SILVA, Ricardo., GARCIA, André; AMARAL, Sérgio. Desenvolvimento de um modelo potencializador para a utilização de blogs como meio de educação não formal e divulgação científica. XIII Congresso Internacional de Tecnologia na Educação, São Paulo, 2015.
  • BESSA, Eduardo. O que é divulgação científica? In: ARNT, Ana de Medeiros; FRANÇA, Cecília; BESSA, Eduardo. Divulgação científica e redação para professores. [S. l.]: Tangará da Serra: Ideias, 2015.
  • ANDREETTO DE MUZIO, Paulo. A importância da divulgação científica para a proteção das áreas naturais. [S. l.], 1 jul. 2019. Disponível em: https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/educacaoambiental/2019/07/01/a-importancia-da-divulgacao-cientifica-para-a-protecao-das-areas-naturais/. Acesso em: 13 jul. 2019.
  • CARNEIRO, Erica Mariosa Moreira et al. (2019). Blogs da Ciência da Unicamp: uma análise da divulgação científica como ferramenta pedagógica de ciências. V jornadas de enseñanza e investigación educativa em el campo de las ciencias exatas y naturales. (O ano da imagem está errado, no lugar de 2020 deveria ser 2019)

Sobre Público alvo e Persona:

2 comentários
  1. Graça Caldas

    Oi, Érica,
    Amei sua abordagem e questionamento sobre plataformas, público-alvo, e acesso ou falta de. Acredito muito na Educação Científica nas escolas, nas rodas de conversa, nas rádios, emissoras de TV, em teatro, cinema e tantas outras formas de comunicação nas quebradas.
    Em um país tão desigual como o Brasil, no qual o analfabetismo ainda é grande e o analfabetismo funcional uma realidade, precisamos ser cada vez mais ser criativos pra reduzir e /ou acabar com o negacionismo científico.Assim, a comunicação oral é uma necessidade. Mas, para além das bolhas, precisamos demonstrar em que e como o conhecimento científico pode ajudar no dia-a-dia das pessoas….Divulgar conhecimento, ciência, tecnologia numa perspectiva crítica é um ato político, de resistência.
    Parabéns por mais esta reflexão com muita informação.
    Graça Caldas

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