O setor de transporte e o papel da mobilidade na mudança do clima

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No campo ou na cidade, o deslocamento de pessoas e cargas é corriqueiro, mas a infraestrutura de transportes no Brasil também sofre os impactos das condições climáticas extremas. Enchentes, alagamentos, ventos fortes, variações de temperatura e ilhas de calor são efeitos cada vez mais presentes e severos, gerando perdas econômicas e de bem-estar da população.

Quando se trata de mobilidade, os maiores desafios estão nas cidades, onde está 84% da população brasileira (IBGE, 2010), seja em serviços coletivos ou individuais de transporte de passageiros ou de cargas. Quanto à logística de mercadorias, o predominante modelo rodoviarista brasileiro concentra mais da metade do transporte de carga no país (Ministério dos Transportes, 2011), já que investimentos em outros sistemas, como o ferroviário ou a cabotagem, não foram priorizados.

Os impactos climáticos afetam de diferentes formas o deslocamento das pessoas e a distribuição de insumos, incluindo aqueles essenciais, como alimentos, medicamentos e combustíveis, além de aumentar a probabilidade de acidentes com deslizamentos e buracos nas rodovias.

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Exposição ao risco e vulnerabilidade social

Aspectos socioeconômicos têm grande relevância em relação aos riscos climáticos, pois são variáveis que expõem a vulnerabilidade do sistema, dependendo do seu contexto. Na mesma medida, fatores biofísicos influenciam a ocorrência de chuvas intensas, alagamentos, secas e o escoamento hídrico. Assim, características de relevo, uso do solo, sistemas de drenagem, entre outros, devem ser igualmente considerados (BRASIL, 2016).

Já o perfil socioeconômico das pessoas impactadas também sofrem variações de acordo com a localidade da residência e a malha de mobilidade disponível, que influencia desde o uso de vias públicas e calçadas adequadas ao acesso equilibrado de serviços de transporte público, condições que interferem na qualidade e experiência da locomoção.

A população invisibilizada, em geral, alocada nas franjas periféricas, tendem a ser mais impactadas com transtornos causados por variações climáticas. Chuvas intensas que causam deslizamentos e alagamentos, poluição atmosférica que impacta a saúde física e mental, falta de infraestrutura verde e de oferta de serviços e modais de transporte obrigam esses cidadãos a percorrerem longas distâncias para acessar equipamentos públicos e serviços, além de esperarem muito mais tempo pelo transporte. Um exemplo são os atrasos recorrentes e problemas técnicos em algumas linhas de trem e metrô e a incômoda superlotação. Afora as  situações de greve em que ficam impedidas de acessar seus destinos, seja pela distância ou impossibilidade de custear outro tipo de modal.

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A capacidade adaptativa do setor de transportes requer rotas alternativas e diversificação dos modais para possibilitar uma maior qualidade dos sistemas de transporte público (alcance, capacidade, integração) e que se reflete na qualidade de vida nos centros urbanos, um tanto prejudicada no atual contexto de urbanidade e de planejamento espacial com a alta densidade populacional.

Adaptação climática frente ao caos urbano

Articular a atuação dos setores público e privado em todos os níveis de governo pode impulsionar a resiliência nesse campo a partir de medidas preventivas que possam minimizar  eventos climáticos mais drásticos. A tecnologia também tem um papel relevante nessa agenda, já que sistemas de alertas de condições meteorológicas, rotas de transporte alternativos, compartilhamento de viagens e tecnologias de comunicação e informação assertivas e inclusivas para os cidadãos podem melhorar o fluxo.

Da mesma forma, o planejamento no uso e ocupação do solo deve levar em conta a avaliação dos riscos climáticos e incentivar opções mais limpas e de baixo custo, como as de mobilidade ativa, que incluem o traslado não-motorizado, via bicicleta, caminhada, patins e patinetes e que, adicionalmente, contribuem para a saúde e não emitem gases de efeito estufa.

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Na verdade, o tema da mobilidade ativa é ainda mais complexo. Um caso emblemático é o do município de São Paulo que, mesmo o tema fazendo parte das diretrizes do Plano Diretor Estratégico da cidade, não tem uma oferta segura e ampla de opções de deslocamento não-motorizado. As calçadas, por exemplo, pela legislação, devem ter uma largura mínima de 2 metros, mas é notório que o número de calçadas estreitas, desniveladas e acidentadas predominam, e com mais recorrência nas periferias.

Curiosamente, São Paulo é a cidade com melhor qualidade de calçadas, segundo  levantamento da campanha Calçadas do Brasil, do projeto Mobilize. Ainda assim, bem abaixo do mínimo necessário para garantir acessibilidade, segurança e conforto, ou ainda, infraestrutura básica como espaços de descanso, abrigos contra chuva ou sol, e rampas de acessibilidade para cadeirantes ou carrinhos de bebê, o que desestimula a mobilidade ativa e reproduz as desigualdades sociais.

Fato é que quanto mais nos apropriarmos das ruas e calçadas, mais exercitaremos a nossa cidadania e o nosso direito à cidade. Outras expectativas incluem a redução das desigualdades e a maior sociabilidade em um contexto físico e humano tão árido.

Referências

Censo Demográfico. IBGE, 2010.

Plano Nacional de Logística e Transportes: Relatório Executivo. Ministério dos Transportes, 2011.

Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima: estratégias setoriais e temáticas. Ministério do Meio Ambiente. Brasil, 2016.


Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.

1 Comentário

  1. Interessante como o meio de transporte é fundamental para a sociedade no geral, vejo que muitas informações são imprecindiveis para os passageiros como o horário de ônibus, apesar de ser um informação basica falta em muitos lugares a informação precisa, por isso eu acesso um site que tem todos os horários de ônibus atualizados.

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