Crise Política no Brasil: a corrupção e o “vandalismo de gravata”

Crise Política no Brasil: a corrupção e o “vandalismo de gravata”

O que há para além da indignação? A raiva, seguramente. Ou talvez ela venha antes. Seja como for, eis a questão: qual é a paisagem que vislumbram aqueles que atravessaram o agitado tumulto desses nefastos sentimentos?

Sem dúvida é uma paisagem inóspita e desolada, um deserto capaz de dissuadir o peregrino mais empenhado e fazê-lo desviar o caminho, abrir-se pela tangente, lançar-se mato dentro e talvez construir uma cabana na montanha onde, isolado em terapêutico retiro, possa recuperar forças e tentar esquecer. Esquecer o seus semelhantes, a vida em comunidade, a alegria da celebração e das dores compartilhadas. Esquecer também a História (pois é homem culto) e, sobretudo, a própria ingenuidade (pois é também sujeito auto-consciente e auto-crítico) de ter chegado tão longe na esperança de uma cultura digna desse nome. Na sua erudita resignação, quiçá o ermitão da montanha viesse a esquecer de fato, e a comprazer-se na nova vida solitária e afastada.

A cabana, é claro, não seria um privilégio acessível ao grosso dos peregrinos. A maioria talvez se visse forçada a optar por uma opção “mais econômica”. Quiçá voltar às cavernas, retrair-se às grutas, como nas origens. Na sua simplicidade, e desprovidos do referencial histórico, talvez passado o estupor provocado pelos vapores tóxicos da raiva e da indignação, no final das contas, esse conjunto dos menos favorecidos também viesse a conformar-se com o novo habitat singelo, preferindo, como o Aquiles do mito, sofrer qualquer coisa a ter de voltar a viver do modo antigo.

E não podemos condenar tão facilmente os desertores: após o tempo da expiação, tanto o asceta da cabana quanto o humilde da caverna olhariam, longe do opaco reflexo da metrópole, e quem sabe por primeira vez na vida, a imensidão do céu noturno, que lhes confirmaria quão insignificantes são os assuntos humanos comparados com o Universo e, com isso, quão acertada foi a sua escolha.

Desistir, abandonar a polis, recolher-se nos assuntos privados na máxima medida do possível.  Para além da raiva e da indignação estão, quiçá, a indiferença, o exílio, a ataraxia – que não precisam de cabanas nem de grutas.

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Eis a situação: um importante porcentual dos que ocupam as posições de poder está infestado pela terrível peste da ambição desmesurada e, como sintoma grotesco desse mal, temos à nossa frente as intermináveis erupções de corrupção dos últimos tempos. Trata-se de uma doença antiga, é verdade, mas a sintomatologia se faz presente agora como nunca antes. Esquerda e direita se diluem em um caldeirão fervente. Ideais? Princípios? Custa muito distingui-los, e o que sai da infeliz combinação é um único odor, nauseabundo e repugnante, que inunda ruas e avenidas nos cantos mais distantes do país .

A lista dos suspeitos é muito mais extensa do que a de Fachim. De Aécio esqueçamo-nos; esqueçamo-nos também de Cunha: a evidência seguramente continue a se acumular naturalmente e a lhes tampar as saídas, por mais astutas e subterrâneas que as escavem. Lula merece um comentário aparte; limitemo-nos, por enquanto, ao mais recente:  o famoso “Fora Temer”.

Fora Temer, então. Mas digamo-lo sem gritos nem euforia, sem dogmatismos partidários (pois não há tempo para isso) e com muita, muita cautela.

Observemos também o seguinte: caso Temer não volte atrás na sua negativa a renunciar, o inquérito aberto contra ele pelo STF sexta-feira passada (19/05/2017) pode acabar em afastamento. Ou talvez a retirada chegue pelo lado da cassação da chapa Dilma-Temer, desde o STE. Ao que tudo indica, seja por um ou por outro caminho, é altamente improvável que Temer se mantenha em pé até o fim do mandato. Isto em consideração, parece duplamente conveniente que ele abdique o quanto antes.

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O que acontecerá quando Temer desistir, ou quando venha a ser afastado? Diz a Constituição (Artigo 81, §2): “Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial [e tal é o caso], a eleição para ambos os cargos – presidente e vice – será feita trinta dias depois pelo Congresso Nacional”.

Saindo Temer, há duas alternativas. Ou se realiza uma emenda constitucional para adiantar as eleições, ou o presidente da Câmera assume a interinamente e uma eleição indireta é convocada. Na eleição indireta, os parlamentares escolhem os novos representantes. O presidente assim eleito e a sua equipe se manteriam na função até completar o período de mandato dos antecessores afastados. Na sequência, se respeitaria a data estipulada pela Constituição e as seguintes eleições ocorreriam no tempo por ela estipulado, ou seja, em 2018. Até lá, os escolhidos continuariam a trabalhar nos processos em curso. Seria um “mandato tampão”, como vem sendo chamado, uma contenção para que as águas não continuem a desbordar e a colocar em risco todo o sistema.

Mas como confiar a semelhantes parlamentares, um após o outro caindo no buraco da mais petulante fraudulência, a eleição do novo chefe de Estado? Maia é mais um ponto de uma mesma é única reta. Do resto, muitos estão sendo ou virão a ser investigados, julgados, condenados. E a doença parece ser tão contagiosa que o receio genérico é quase inevitável.

Pode haver, no entanto, uma saída: que os corruptos sejam minoria. E isso, de fato, é pelo menos o que o dizem os “números”: apesar de tudo, os sujos ou sujados constituem pouco mais de um quarto do conjunto dos parlamentares. Eureka! Mas sem muita empolgação; em todo caso, pensemos que, se existirem, é nesses honestos que nos resta depositar nossa confiança.

Suponhamos então que a Constituição seja respeitada e esse cenário se realize: presidente “tampão” até 2018. Chegamos assim ao ponto neurálgico da questão.

Alguns protestarão que, se todo esse circo das indiretas tiver de ser montado, o tempo para aprovar as reformas em curso passará e o país sofrerá as mais terríveis consequências em um futuro nada distante. Ora: quais são as reformas que devem ocupar o centro da agenda? Quais as que, caso não ocorram imediatamente, trarão os piores resultados?

Por mais necessárias que sejam – e são muito necessárias, não há sombra de dúvida – a Reforma Trabalhista e da Previdência não parecem ser agora, lamentavelmente, a prioridade máxima. Há uma outra necessidade, muito mais imperiosa. Trata-se, obviamente, da Reforma Política.

De novo: como confiar nos parlamentares que lá estão para levar adiante essa transformação tão imperativa? Fato simples: a Reforma Política vai contra os interesses daqueles que supostamente devem implementá-la.

Na análise do jurista Modesto Carvalhosa, a Reforma Política deve ser implementada mediante a convocação de uma Assembleia Constituinte independente e autônoma. Tal Assembleia estaria composta por membros indicados unicamente para esse fim, a quem se imporia limitações como não poder se candidatar a cargo público por certo tempo após a ocasião, etc. A Assembleia se encarregaria de debater as mudanças a serem realizadas, entre as mais urgentes: fim do foro privilegiado e dos cargos de confiança, adequação do processo eleitoral,  fim da reeleição, do financiamento público de campanha e do Fundo Partidário, ajuste dos salários e benefícios dos parlamentares.

Durante esse processo todo, enquanto os parlamentares em exercício se dedicam uns a sua própria defesa, outros à tarefa legislativa sob a nossa mais atenta observação, e a Justiça faz malabares para não perecer, esmagada, pela tarefa cada dia mais enorme que tem em mãos, a Reforma Política prepararia o terreno para as eleições de 2018. Em 2019 teríamos, por fim, novos times em campo e condições de jogo atualizadas.

Ainda, é verdade, deveremos contar com a boa sorte. Do outro lado do filtro deverão surgir lideranças renovadas, capazes de aceitar as novas condições e manterem entre si um diálogo conjunto em prol do bem comum. Tão simples quanto isso: gente honesta (tanto quanto a humana natureza o permite, mais que seja) unificando esforços; gente empática e lúcida, que já foi à montanha, observou o céu noturno, tornou-se ciente da própria insignificância e ainda assim voltou à cidade acreditando afinal na causa humana. Tão simples, embora tão pouco provável; mas ainda que improvável, porém não impossível.

Quanto à alternativa de realizar uma emenda constitucional e chamar a eleições diretas de imediato, há sérios motivos para duvidar da eficácia da manobra. Em primeiro lugar existe o perigo anexo a todo adiar ou antecipar as datas eleitorais previstas na Constituição. Em segundo lugar, e sobre tudo, pela ausência por enquanto de figuras inteiras o suficiente para preencher o vazio. Precisamos de mais tempo. Precisamos, fundamentalmente, da Reforma Política.

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A raiva e a indignação não dão lugar à alienação e a apatia: nem a cabana nem a caverna,e  o povo brasileiro se mantém atento e ativo. A inteligência, vulnerável como é, porém lúcida e luminosa e o espírito, inevitavelmente propenso a procurar um mundo menos aberrante, são as forças que o impulsionam.

E também está a força bruta. Ontem o presidente Temer acionou as Forças Armadas para defender o Congresso; a previsão é de retirada em sete dias (31/05/2017). Foi a resposta ao pedido de proteção do Presidente da Câmera, quem por sua vez, nervoso frente às bombas que o Exército arremessava contra os manifestantes na Explanada e que alguém depositara na sua mesa, assegurou que tal previsão será cumprida, pois Temer é um confiável democrata. Rodrigo Maia tentava prosseguir com a pauta estabelecida como se nada estivesse acontecendo, insistindo em apurar decisões sobre reformas que não eram a política. Vandalismo? O pior vandalismo é o desses senhores astutos e engravatados, predadores sofisticados, artífices de uma fraude bilionária que vêm custando aos cofres públicos muito mais do que alguns vidros quebrados. É conveniente lembrar mais uma alternativa à intoxicação pela raiva e a indignação: a euforia. Mas, como no começo, não podemos julgar os desertores levianamente. Embora qualquer classe de violência deva ser completamente repudiada, sempre há que contar, lamentavelmente, com que a natureza humana é impulsiva e a raiva se alimenta facilmente de si mesma até explodir na fúria.

Como seja, o fato é que o Brasil não pode suportar mais dano ao seu Patrimônio – muito menos pode suportar a paralisação das suas atividades ou o desperdiço dos recursos que lhe restam. Temer e o seu séquito devem retirar-se: outra oportunidade para eles honrar sua palavra e demonstrarem um mínimo de consciência cidadã.

 

Reforma política já!

 

 

Veja mais aqui e aqui.

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4 thoughts on “Crise Política no Brasil: a corrupção e o “vandalismo de gravata”

  1. Texto muito lúcido e claro! A principal reforma deve ser política. Vamos deixar de lado, pelo menos por agora, as reformas trabalhista e da previdência. Embora importantes, não devera ser o trabalhador a pagar essa conta. A classe política é quem saqueou os cofres públicos! Muito interessante a análise sobre a alternativa do colégio eleitoral e assembleia constituinte. De fato, eleição direta agora não será solução. Pelo fim do foro privilegiado, cargos de confiança, financiamento público de campanha e do Fundo Partidário, ajuste dos salários e benefícios dos parlamentares.

  2. Concordo que temos que mudar a estrutura política do Brasil, pois com a constituição atual a corrupção ganha força por não ter a devida punição e em muitos casos essa punição não é nem aplicada. Uma reforma constitucional brasileira tem que acontecer, para o Brasil voltar a ser um país e não um covil de corruptos.

  3. O Brasil está precisando de uma reforma politica e precisaria de uma reforma nas leis, com a constituição atual os políticos roubam e não são punidos.

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