Excessos: informação, opinião, experiência

Vivemos em tempos em que a informação nos chega sem que precisemos correr muito atrás… E isto parece ótimo, literalmente no palmo de nossas mãos temos acesso ao mundo. Junto com isso, temos a sensação de estarmos sempre atrasados e defasados em relação às informações que recebemos…

Assim, escutamos cotidianamente: “não ficaste sabendo disto? Estás alienado!” ou então “Oi!? Não leste sobre esta última notícia? É só acessar, a informação está na tua frente!”. Pois bem, em tempos de fake news, notícias que chegam via redes sociais e, especialmente, comunicadores como messenger, direct messenger e whatsapp (dentre outros), a questão parece ser que passamos o dia inteiro lendo, nos informando e nos comunicando. Por outro lado, parece que temos cada vez menos tempo e menos condições de pensar sobre tudo o que estamos lendo, falando e nos informando.

Jorge Larrosa, pedagogo espanhol, tem um texto belíssimo acerca da experiência e do saber da experiência. Neste artigo, o autor argumenta como os sujeitos contemporâneos cada vez mais estão informados. E, não somente isso, precisam cada vez mais dar opiniões sobre as informações. Larrosa aponta o quanto este modo de lidarmos com a sociedade diminui nossa capacidade de termos uma experiência. E a experiência não é aquilo que acontece, mas

A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece (Larrosa, 2002, p.21).

E o que isto tem a ver com a informação? A questão, para Larrosa, é o quanto este excesso de informações e cobranças por posicionamentos aligeirados nos afastam da experiência. Nos afastam pelo tempo em que uma informação precisa para ser pensada, elaborada, “digerida”, por nós. Seja por meio de leituras (de jornais, artigos, blogs…), vídeos em plataformas ou podcasts, a informação precisa de um tempo dentro de nós para que consigamos avaliar isto, selecionar aquilo que não só nos interessa, mas também pode ser importante para este momento que vivemos. Assim, Larrosa (2002, p.22) aponta que

O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais o preocupa é não ter bastante informação; cada vez sabe mais, cada vez está melhor informado, porém, com essa obsessão pela informação e pelo saber (mas saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido de “estar informado”), o que consegue é que nada lhe aconteça.

Além da informação e seus excessos, a cobrança de “opinião” também seria um impeditivo da experiência. O sujeito moderno, diz Larrosa, é “um sujeito informado que, além disso, opina”. E a opinião anularia a experiência exatamente por decretar uma verdade para nós. Isto dificultaria a percepção de que há visões diferentes (e válidas) de mundo, de vida, de existência. Quem nunca escutou a finalização de ideias, contemporaneamente, com a frase: “mas é minha opinião”. E esta frase pronunciada como se isto eximisse de responsabilidades sobre o dito? A opinião parece fechar-se em ser contra ou a favor de alguma coisa, baseado em informações rápidas e sem uma elaboração mais demorada sobre questões importantes…

Ao destrinchar a palavra Experiência, Larrosa nos mostra algumas relações. Primeiro, o conceito de “provar” (no sentindo de experimentar, do latim experiri), mas também à noção de “perigo” (do radical periri) e “travessia” (se olharmos na raiz indo-européia per). Assim, o sujeito da experiência, segundo o autor

tem algo desse ser fascinante que se expõe atravessando um espaço indeterminado e perigoso, pondo-se nele à prova e buscando nele sua oportunidade, sua ocasião (2002, p.25).

E qual a relevância disso? Em tempos em que a informação é excessiva e temos um sentimento de atropelo diário pela quantidade de afazeres, em que tudo parece tão importante e não conseguimos filtrar urgências, parece-me ser fundamental pensarmos este conceito de sujeito da experiência. Ou seja, este sujeito que para, que significa o tempo e os acontecimentos… Faz pausas e elabora para si problemáticas cotidianas (notícias, eventos, conversas… seja lá o que for).

E isto pode parecer um clichê barato. A ideia é efetivamente se dedicar com atenção à tarefa que estamos executando naquele momento. Ou seja, dispensar o frenesi e a ansiedade do prazo da próxima atividade. E buscar um pouco mais de qualidade, no sentido de dedicar-se a uma tarefa de cada vez. Isto é: Ler o jornal sem interrupções, anotar ideias sem fugir o olhar para conversas paralelas no celular, tomar café sentindo o inteiro teor. Dialogar em sala de aula escutando de fato o que o outro tem a dizer, sem pensar em rebater sem elaborar o que foi dito.

Para finalizar, tudo isto sobre os excessos de informação, experiências e, especialmente, a necessidade de opinar, sempre me fazem pensar na definição sensacional de uma criança, sobre a palavra “Adulto” (Naranjo, 2013).

Adulto: Pessoa que em toda coisa que fala, fala primeiro de si (fala de Andrés Felipe Bedoya, de 8 anos)

Por quê? Ora! Sintomático que (nós) sujeitos modernos, informados e que têm opinião sempre falam “eu” no início das sentenças. Fecham, assim, possibilidades de interlocução do diálogo, das possibilidades de abrir-se para outras visões (do outro, do mundo, do cotidiano…). Adultos, excessos de si mesmos, sem espaço para que nada aconteça.

No post de hoje, escrevi sobre estas inquietações de professora de tempos de fake news, análises apressadas, acúmulo de trabalhos, projetos, reuniões. Tudo isto em meio a leituras e longos momentos – que parecem simples descanso – pensativa acerca de tudo o que nos rodeia e como pensar a educação e os momentos de sala de aula, sem que a estafa dos excessos se apodere. Este texto do Larrosa é, definitivamente, a própria definição de experiência (do que nos faz pensar a partir dele e das vontades de efetivamente viver momentos com a calma necessária). O livro Casa das Estrelas – o universo contado pelas crianças pode ser definido como outra experiência. A definição simples das crianças que nos fazem pensar em como temos vivido, nas violências cometidas, nas voracidades da rotina. É preciso respirar.

Para ler mais:

Larrosa, Jorge (2002) Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, n.19.

Naranjo, Javier (2013) Casa das Estrelas – o universo contado pelas crianças

Sobre Ana Arnt 55 Artigos
Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB) da UNICAMP e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM). Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e... ciência! ;-)

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