As contribuições da minha mãe para a ciência

As exigências eram poucas. Eu só queria silêncio. Impossibilidade de conexão à internet. Estado meditativo para resgatar as minhas memórias. Memórias da minha mãe.

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Minha mãe no Cerrado. Arquivo Pessoal.

Por isso estou aqui agora, em uma sala silenciosa no prédio de uma biblioteca pública. O dia começou bonito e agora a chuva ameaça cair.

Resolvi iniciar o projeto de escrever um capítulo sobre as contribuições da minha mãe para a ciência – que irá compor um livro com a biografia de outros cientistas – resgatando as minhas próprias memórias.

Eu poderia começar acessando o seu currículo e perguntando ao meu pai e familiares detalhes da trajetória acadêmica da mulher que me gestou. Ou mesmo conversar com vários de seus ex-alunos que hoje estão em posições importantes na academia, governo e iniciativa privada, tanto no Brasil quanto no exterior. Folhear seus livros, acessar a cópia de segurança de seus arquivos, navegar novamente pelo site da Rede de Sementes do Cerrado seria outra opção. Claro, eu não poderia deixar de falar com Heloísa Miranda, grande amiga da minha mãe que durante anos repetiu o mesmo programa: almoço seguido de cinema todos os sábados.

Chichá, uma das plantas do Cerrado que minha mãe mais admirava.

Chichá, planta do Cerrado. Arquivo Pessoal.

Não. Vou parar tudo e puxar aquele fio de lembranças que constantemente brilha e ferroa. Ainda sonho que a morte da minha mãe foi um pesadelo, desfruto da sua alegre presença por momentos e acordo. A tristeza vem com força novamente. Sim, é verdade, ela morreu.

Norte-americana de nascimento, depois de alguns anos vivendo no Brasil, minha mãe optou pela cidadania brasileira. Ela era absolutamente apaixonada pelo Brasil. O Cerrado era objeto de estudo e encantamento, e também torcer pelos times de vôlei e futebol era prova de sua opção pelo país. Aliás, as torcidas arrancavam dela gritos característicos (difícil descrever, mas é algo assim: “uHU, uHU”, abrindo e fechando a mão posta na frente da boca enquanto os gritos saíam). Comíamos “dip” (creme de leite, sopa de cebola e limão) com batata frita enquanto assistíamos aos jogos.

Espaço dedicada à minha mãe no Jardim Botânico de Brasília. Arquivo Pessoal

Espaço dedicada à minha mãe no Jardim Botânico de Brasília. Arquivo Pessoal

 

Tomávamos aquela merecida e gelada cerveja após um dia no campo, com sol na cabeça, coletando sementes de árvores do Cerrado. Na nossa casa sempre havia sementes e plantas espalhadas e algum experimento acontecendo, como o do uso controlado de nutrientes nos ipês do nosso jardim (sim, eles cresceram muito mais rápido do que os que não receberam o tratamento).

Lembro também do projeto de “escanear” folhas de plantas do Cerrado, na época de maneira bastante rudimentar. O objetivo era medir a área foliar e relacioná-la a demais parâmetros fisiológicos: o que planta com folha pequena tem de diferente de planta com folha grande?

Ah, e quantas vezes já sonhei com couve-flor e suas “bolinhas” brancas (inflorescências). Quando morávamos em Campinas, entre os anos de 1985 e 1987, por conta do trabalho dos meus pais na Bioplanta, uma das atividades que fazíamos era cultura de tecidos de couve-flor. Em cada tubo de ensaio com a gelatina nutrititiva no fundo colocávamos uma “bolinha” de couve-flor.

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Cultivo in vitro de planta do Cerrado (canela de ema). Arquivo Pessoal.

Resgatar sua trajetória acadêmica será a abordagem principal da escrita, mas haverá espaço para uma construção mais literária do texto, seguindo sugestão do meu amigo Jacques Fux, que indicou a leitura do lindíssimo “Vermelho Amargo”, do Bartolomeu Campos de Queirós. Fico pensando na faca afiada cortando o tomate vermelho.

Isso mesmo. O texto não será apenas sobre artigos científicos, linhas de pesquisa, áreas de atuação, titulações. Será também sobre aquela camada macia da pamonha assada que minha mãe tanto apreciava (e comia com boca cheia). E também sobre o choque que aquela jovem moça recém-chegada dos EUA teve, na década de 1970, ao se deparar com carnes dependuradas em um açougue qualquer no interior de Minas Gerais. Durante os vários e deliciosos momentos que passamos juntas na fazenda, torrando farinha de mandioca em tachos enormes, ela sempre amarrava um lenço na cabeça. Ela amava doce de manga “de vez”.

E muito mais.

Quando contei sobre este projeto para a minha pequena Manoela (6 anos), de escrever sobre a Vovó Linda, quem ela mal conheceu, a pequena escutou atentamente e me pediu que reservasse um espaço, pois ela gostaria de fazer um desenho para ilustrar o livro. Manu, o seu espaço está reservado.

A lista de entrevistados está enorme. Agora é o momento de falar com as pessoas.

“Simbora”!

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