Pesquisadores brasileiros em Boston
No último sábado (24), minha casa se encheu de gente interessante. Não é só por serem brasileiros que os chamo de interessantes (dá-lhe saudades!), mas também por realizarem pesquisas formidáveis em universidades de ponta. Após várias horas de apresentações e discussões, posso dizer que me enchi de orgulho.
Podem chamar de ufanismo, não me importo.
A ideia de reunir pesquisadores brasileiros residentes em Boston partiu de Marcelo Mori e de José Raimundo Correa. Eu e meu querido amigo Leo Iwai concretizamos e organizamos o evento informal que começou cedo e seguiu noite adentro. Cada pesquisador tinha cinco minutos para falar, e o desafio imposto era explicar sua linha de pesquisa para uma plateia diversificada: químicos, engenheiros, biólogos, biomédicos, dentistas, fisioterapeutas, entre outros.
Dos envolvidos com biologia e saúde, ouvimos sobre imunologia (diabetes, injúria por reperfusão renal, receptores lipídicos), microRNA (envelhecimento e restrição calórica), doença de Chagas, células tronco em Drosophila, fatores de crescimento para enxerto ósseo dentário, lesão medular, BMPs (Bone morphogenetic proteins). Tem também endocrinologista estudando plaquetas e uma biomédica do InCor que ainda está a definir seu projeto em doenças cardiovasculares.
Dos engenheiros que têm um pé nos negócios, aprendemos sobre pesquisa operacional aplicada a energia e também ao mercado de paineis solares. Outro engenheiro busca tornar o trabalho dos controladores aéreos mais fácil. O aprimoramento de paineis solares portáteis é também um dos projetos em andamento de um dos engenheiros brasileiros trabalhando em Boston.
Aprendemos sobre um protótipo em desenvolvimento que pode revolucionar a oftalmologia e o receituário oftalmológico. Very disruptive! Discutimos o tema urgente e atual da combustão de bagaço de cana. Morando no exterior, todo brasileiro acaba em algum momento sendo questionado sobre o etanol… Ah, tivemos também representantes do mundo corporativo e uma professora das escolas públicas de Cambridge.
MIT, Harvard e Northeastern foram as universidades representadas desta vez. Esperamos ampliar nossa rede de brasileiros em Boston, buscando por pesquisadores em outras instituições e em outras áreas do conhecimento.
É o networking tupiniquim em ação!
Bill Gates convoca mentes brilhantes a salvar o mundo Abri a caixa do correio e, entre contas e mil
Bill Gates convoca mentes brilhantes a salvar o mundo
Abri a caixa do correio e, entre contas e mil papeis indesejados, lá estava ele, Bill Gates, na capa da edição de maio da revista Wired. Coincidência! Soubera, poucos minutos antes, que eu poderia vê-lo no dia seguinte, ao vivo, no MIT.
Quarta-feira (21) foi o dia em que fiquei no mesmo ambiente que o multibilionário, co-fundador da Microsoft, filantropo, e que agora se dedica às atividades da Fundação Bill & Melinda Gates (ahah, quantos adjetivos!).
Devo confessar que gostei do burburinho, da agitação e dos mil flashes nos primeiros cinco minutos após a entrada de Gates no auditório. No entanto, já sabendo que o tema de sua palestra seria filantropia (Giving Back: Finding the Best Way to Make a Difference), não esqueci dos criticismos a ele (monopólio, concorrências desleais, dúvidas se o dinheiro da fundação é só para fazer o bem mesmo…). Enfim, não quero aqui discutir estas questões, e sim relatar o que ele disse durante os 25 minutos da palestra, parte de um tour que ele fez em cinco universidades norte-americanas convocando mentes brilhantes a trabalhar em problemas, segundo ele, verdadeiramente importantes.
Gates falou sobre saúde – com foco exclusivo em vacinas para doenças que atingem países em desenvolvimento – e educação. Ele contou que há um tempo atrás leu uma reportagem sobre doenças em países pobres e aprendeu que o rotavírus (então novidade para ele), embora responsável pela morte de inúmeras crianças, não era tema prioritário na ciência. Pouquíssimos pesquisadores estudavam a doença. O mesmo acontece com a malária. “E por que não utilizar os lucros da Microsoft para tentar solucionar tais problemas da humanidade?”, disse.
O único gráfico apresentado por Gates mostrou que, na década de 1960, 20 milhões de crianças morriam anualmente antes de completar cinco anos, número que agora atinge a marca dos 8.8 milhões. Tal decréscimo aconteceu por conta da melhoria na nutrição e na renda, mas, segundo ele, as vacinas foram as principais responsáveis por esta drástica diminuição no número de mortes infantis. O que o impressiona é o fato de que menos de 1% dos gastos médicos é com vacinas. “É uma área desvalorizada. E as vacinas, depois de prontas, são baratas”, destacou.
Melhorar a saúde infantil tem um impacto direto no tamanho da família e, consequentemente, é uma boa saída para controle populacional, enfatizou Gates, que destacou uma palestra de Hans Rosling, médico e pesquisador do Instituto Karolinska (Suécia) como importante na área.
Em seguida, o multibilionário falou sobre educação, que além de tornar nossas vidas mais interessantes, amplia enormemente nossas oportunidades, disse. Ele falou sobre o precário sistema educacional nos Estados Unidos e da preocupante tendência de que cada vez um número menor de pessoas frequentará a universidade. “Nosso objetivo é achar as melhores práticas educacionais e disseminá-las”.
Gates citou a iniciativa de cursos abertos, liderada pelo MIT, e recomendou que todos façam pelo menos algum dos cursos disponíveis online de graça: MIT OpenCourseWare. É uma fonte riquíssima de informação!
Com o patrimônio de 53 bilhões de dólares, segundo a revista Forbes, Gates quer saber agora como envolver as pessoas mais inteligentes para resolver os problemas de saúde e educação levantados.
Ao terminar sua fala, abriu uma garrafa de Diet Coke e respondeu a inúmeras perguntas da plateia. Fez uma convocação para que pessoas entrem no Facebook e coloquem lá suas ideias.
Gostei da reflexão proposta:
Em qual problema você está trabalhando? O que te atrai? Como você atrairia outras pessoas para tal área?
Para tirar suas próprias conclusões, assista ao vídeo e, se quiser, compartilhe comigo suas reações e impressões.
Peculiaridades do ecossistema empreendedor do MIT
Os números do empreendedorismo no MIT impressionam: as 25.800 empresas atualmente ativas, fundadas por alunos do MIT, empregam mais de três milhões de pessoas e geram uma receita anual de dois trilhões de dólares, rendimento equivalente a 11ª maior economia do mundo.
Alnylam, empresa que vem desenvolvendo terapias inovadoras baseadas na tecnologia de RNA de interferência, tem como sócios fundadores e membros do conselho científico os professores Robert Langer e Philip Sharp.
Quer saber mais sobre tal tema? Leia a reportagem que escrevi para a Revista Conhecimento&Inovação.
DNA não é só o “segredo da vida”, diz cientista
Gosto dos conselhos que alguns cientistas dão para a plateia, geralmente ao final de suas palestras. Em um dos primeiríssimos eventos de que participei no MIT, ouvi o que talvez tenha sido uma das dicas (acadêmicas) mais importantes que recebi até hoje. Frank Wilczek, prêmio Nobel em física, disse: “saiba a história da sua área”. Embora pareça óbvio, muita gente acaba não colocando em prática. Vale pregar na parede para não esquecer. Talvez a busca frenética pelo novo faça com que o tão importante resgate histórico fique de lado. “Ele está sendo ahistorical”, me disse certa vez Susan Silbey, professora de antropologia e sociologia do MIT, ao criticar as conclusões do trabalho de um colega.
Depth, 1955; Fonte: site oficial M. C. Escher
Hoje ouvi outro conselho precioso: “não se esqueça da arte; há ideias formidáveis por lá”. Adivinhe de quem partiu tal conselho? Do bioquímico Nadrian (Ned) C. Seeman, o inventor da nanotecnologia de DNA. Ele falou hoje para o colóquio da Biologia, evento realizado semanalmente no MIT, e que conta com a participação de cientistas do mundo todo, das mais diversas áreas das ciências biológicas.
Seeman disse que sempre começa suas palestras pedindo para que as pessoas esqueçam o conceito biológico de DNA, e todas as imagens de plantas e bichos com as quais relacionamos a “molécula da vida”. Logo no início deixou claro que usa materiais naturais (DNA) para criar coisas não-naturais (DNAs malucos). A ideia é afastar o DNA fonte de informação genética e usá-lo como uma espécie de aparato, aproveitando sua importante característica de reconhecer trechos específicos de DNA e de se montar sozinho (self-assembly).
Um dos grandes feitos de Seeman foi criar moléculas ramificadas de DNA. Refrescando a memória, o DNA é uma cadeia linear, com duas fitas entrelaçadas, formando uma dupla hélice. O bioquímico, inspirado pela obra Depth, de E. C. Escher, quebrou o paradigma da linearidade e desenhou moléculas com vários galhos. Usando extremidades coesivas do DNA (com informação exata de onde se ligam), Seeman e seu grupo montaram um cubo que foi o primeiro objeto tridimensional construído em escala nanométrica. Não sei se ele foi inspirado por ou se apenas usou o exemplo dos tijolos das tumbas da dinastia Ming, em Nanjing, na China, que contêm pequenas letras que representam instruções para montagem. Ele usa o mesmo princípio de instrução ao desenhar seus minúsculos objetos feitos de DNA.
Usar tais objetos de DNA – que incluem nanotubos e cristais tridimensionais – ligados a biomoléculas e a componentes nanoelétricos é um dos objetivos de Seeman em suas variadas pesquisas. Foram criados instrumentos nanomecânicos, incluindo nano-robôs. Segundo ele, a ideia é sair cada vez mais do desenho de objetos estáticos e partir para uma combinação de diversos componentes.
Vou ficar de olho nele, principalmente no movimento “de genes para máquinas”. Ganhador de inúmeros prêmios, Seeman atualmente é professor do Departamento de Química da Universidade de Nova Iorque (NYU).
Jerome Friedman, Prêmio Nobel em Física, discute a peça Copenhagen
Copenhagen, premiada peça do inglês Michael Frayn, conta a história do misterioso encontro entre os físicos Niels Bohr e Werner Heisenberg, ocorrido em 1941. Baseada em fatos reais, Frayn usa a ficção para criar diferentes cenários de como teria sido a visita de Heisenberg a Bohr, em Copenhagen. Antes parceiros, os então ícones da física atômica estavam agora em lados opostos durante a segunda guerra mundial e eram líderes de um domínio da ciência que poderia criar a arma mais perigosa da humanidade. Bohr colaborou com os Estados Unidos no projeto Manhattan e Heisenberg permaneceu na Alemanha tentando desenvolver sua própria bomba. Ainda hoje se discute o quê exatamente Heisenberg teria dito a Bohr, e qual teria sido o verdadeiro motivo da sua viagem à Dinamarca.
Jerome I. Friedman, no MIT, discutindo Copenhagen (02/abril/2010)
Participei de uma discussão sobre Copenhagen, na última sexta-feira, que contou com a presença de Jerome I. Friedman, professor emérito do MIT e ganhador, juntamente com Henry W. Kendall e Richard E. Taylor, do Prêmio Nobel de Física em 1990. A discussão é parte de uma disciplina sobre liderança que se baseia na leitura de clássicos, oferecida aos alunos da escola de negócios do MIT (Sloan School of Management).
Friedman contou que encontrou Heisenberg duas vezes. A primeira foi em 1951, ainda quando estudante. “Heisenberg era considerado persona non grata”, disse. Já no segundo encontro, em 1970, a relação do físico alemão – pai da física quântica – com a sociedade científica norte-americana havia sido restabelecida, e o reconhecimento de que Heisenberg era um dos mais importantes físicos do século 20 dominava.
Segundo Friedman, Heisenberg não era nazista e sim nacionalista. Abalado com o sofrimento dos alemães após a primeira guerra mundial, ele preferiu ficar em seu país à época da segunda guerra, enquanto muitos físicos deixaram o país. “Ele não queria ver a Alemanha perder”. Para Friedman, embora os físicos alemães tivessem o conhecimento científico necessário para o desenvolvimento da bomba, a industrialização do processo não era apropriada. O reator construído por Heisenberg tinha um design ruim. Além disso, ao contrário dos cientistas envolvidos no Projeto Manhattan, os pesquisadores alemães não se comunicavam e trabalhavam isoladamente, o que para ele foi um dos principais motivos da Alemanha ter perdido a corrida pela bomba. Friedman destacou também que os físicos envolvidos no Projeto Manhattan, para ele, eram pessoas decentes e ao mesmo tempo receosos de que a Alemanha desenvolvesse a bomba e dominasse o mundo: “imagine o mundo tomado por Hitler”, disse.
Pelos comentários da plateia, deu para perceber que essa é a noção ensinada na escola aos norte-americanos: salvamos o mundo de Hitler. Por outro lado, segundo depoimento de uma das alunas, a costa oeste dos Estados Unidos e as ilhas do pacífico carregam um maior sentimento de culpa pela explosão das bombas atômicas, possivelmente pela proximidade com o Japão. Um dos alunos, que morou em Hiroshima por cinco anos, contou que o que se diz por lá é que as bombas faziam parte de experimentos, uma vez que três dias após as explosões, os norte-americanos voltaram ao local para fazer medidas.
A discussão em seguida foi sobre a conduta ética de cientistas trabalhando em áreas que possam vir a trazer algum risco para a sociedade. Friedman foi taxativo: “O objetivo da ciência é entender a natureza, e não há nada de errado ou mau nisso. Os cientistas, ao tentar entender a natureza, não têm ideia do que vão encontrar. Nunca sabemos, e por isso não podemos colocar restrições”, disse. Para ele, os cientistas têm sim a responsabilidade de alertar políticos e outros setores da sociedade sobre resultados de suas pesquisas que tenham impacto importante, como o que está acontecendo agora com o aquecimento global.
Entendo quando Friedman fala em não criar restrições às pesquisas, principalmente depois de ouvir sua explicação sobre o fascínio que a física desperta nele. Ao falar sobre a dualidade do elétron, que ora se comporta como onda, e ora como partícula, mas nunca os dois simultaneamente, o físico lembrou que sempre que tentamos observar o elétron, ele se transforma em partícula. O fato de não conseguirmos medir exatamente onde um objeto está em um determinado momento, é fascinante. “Ficamos loucos por não conseguirmos entender“, disse. É o princípio da incerteza de Heisenberg. Aliás, Frayn me deu de presente a melhor explicação até hoje sobre o tópico. Em um dos diálogos de sua peça, Heisenberg pede que Margrethe, esposa de Bohr, fique parada representado o núcleo. A cidade de Copenhagen representa o átomo (proporção correta). Bohr, como elétron, fica caminhando ao redor do núcleo. Quando Heisenberg, o fóton, tenta observar o elétron com uma lanterna, o elétron diminui sua velocidade e pára. Não podemos observar nada sem introduzir um novo elemento à situação: o observador influenciando a observação. Com todo esse fascínio, claro que a vontade é de não parar as pesquisas. Mas penso que nem todos os cientistas são tão ingênuos/imaculados assim.
O assunto é sensível e interminável. Mesmo correndo o risco de tocar em temas já muito comentados, não queria deixar de compartilhar a experiência de ouvir a opinião de um renomado físico que despertou em mim a vontade de entender mais sobre a matéria, literalmente. Fiz um julgamento moral, na última frase do parágrafo anterior, exatamente o que Michael Frayn disse que não quis fazer com sua peça. “Antes de fazermos qualquer julgamento moral precisamos saber os reais motivos, eventos, mistérios que levaram a tomada de determinado caminho”, disse Frayn na apresentação do filme baseado na peça, produzido pela BBC. Fazendo um paralelo com o princípio da incerteza de Heisenberg, “não conseguimos ter conhecimento absoluto sobre as intenções de ninguém”. E é possível também que nem o próprio Heisenberg soubesse o motivo de sua visita a Bohr.
Ao final da manhã, em agradecimento por sua participação na discussão, Friedman ganhou do professor da disciplina o mais novo livro de Ian McEwan, Solar.