Andrew Crosse e seus insetos elétricos II

Andrew Crosse
Andrew Crosse (1784-1855): gentleman, poeta e Frankenstein acidental.

Tudo começou em 1836, quando Andrew Crosse foi persuadido por um amigo a participar de um encontro da British Association for the Advancement of Science [Associação Britânica para o Progresso da Ciência], em Bristol. Informalmente, Crosse descreveu algumas de suas descobertas durante um jantar em Bristol, onde foi estimulado a fazer apresentações mais formais (e práticas) de suas eletrocristalizações para as seções de química e de geologia da Associação.

Consequentemente, Andrew Crosse resolveu retomar as velhas experiências com eletrocristalização. Meses depois das palestras em Bristol, Crosse estava conduzindo mais uma eletrocristalização. Segundo relato publicado pelo autor nos Annals of Electricity, Magnetism, & Chemistry (1838):

No 14º. dia a partir do início do experimento eu observei, através de uma lente, umas poucas e pequenas excrescências ou pontas projetando-se a partir do meio da pedra eletrificada e quase sob o fluxo do fluido acima. No 18º. dia, essas projeções cresceram e 7 ou 8 filamentos, cada um mais comprido do que a excrescência a partir do qual crescia, apareceram em cada uma das pontas. No 22º. dia, essas aparições eram mais elevadas e distintas e no 26º dia cada figura assumiu a forma de um perfeito inseto, ereto sobre uns poucos pelos que se formaram e sua extremidade. Até esse período eu não tinha noção alguma de que essas aparições fosse outra coisa além de uma incipiente formação mineral; não foi antes do 28º, quando percebi claramente essas pequenas criaturas mexendo suas pernas, que senti uma surpresa e devo afirmar que quando isso se deu não fiquei nem um pouco atônito.

Poucos dias depois, outras criaturas apareceram e começaram a se mover. Em questão de semanas já eram centenas de insetos, que se escondiam sempre que possível. Crosse identificou os bichinhos como exemplares do gênero acarus.

Crosse sabia que não havia criado vida, mas ficou muito intrigado. De maneira descuidada, relatou o caso com alguns amigos antes de comunicar o resultado à London Electrical Society. Não tardou que o “extraordinário experimento” fosse relatado por um jornal local, que deu o nome de Acarus crossii aos ácaros sem nem sequer observá-los. Logo, o artigo do jornal de província foi replicado por diversos jornais da Grã-Bretanha e da Europa. Evidentemente, os jornalistas não entendiam muito bem do assunto e nem procuraram falar com Crosse. Assim, alguns leitores ficaram com a impressão de que o nobre cientista havia ~criado~ aqueles ácaros.

Crosse
Acarus crossii: resultado de uma amostra literalmente bugada.

Cartas cheias de acusações de blasfêmia e até ameaças de morte passaram a chegar a Fyne Court. Assustados, os fazendeiros da região pegaram Crosse pra Cristo após um surto de ferrugem do trigo e fizeram um exorcismo nas vizinhanças da fazenda do nobre cientista. Há quem diga até que Crosse teve que fugir de sua propriedade por algum tempo para não ser morto.

Na comunidade científica, o que se caçava era uma replicação da experiência e seus resultados. Em meio ao caos midiático, ninguém conseguiu publicar qualquer conclusão. Crosse nunca afirmou ter criado os insetos. Ele supôs que havia ovos dos acarinos em suas amostras de minerais e que eles eclodiram durante o experimento – e considerou essa conclusão tão óbvia que não se deu ao trabalho de enfatizá-la.

Algum tempo depois, Henry Minchin Noad [1815-1877] e Alfred Smee [1818-1877] não conseguiram replicar os mesmos resultados. Michael Faraday [1791-1867] parece ter se interessado muito pela controvérsia, mas não se sabe se chegou a replicar os experimentos. Considerando que Crosse retomou os experimentos de eletrocristalização depois de décadas, não é surpresa que suas amostras ou equipamentos tenham sido contaminados por ácaros de queijo ou de poeira comum.

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Instrumentos da experiência que revelou o surgimento de ácaros. [Annals of Electricity, Magnetism, & Chemistry (1838)]

A confusão foi tamanha que muita gente acha que essa foi essa a experiência que inspirou Mary Shelley a escrever Frankenstein. Entretanto, os ácaros elétricos de Crosse surgiram cerca de 20 anos após a publicação do primeiro romance de ficção científica. O mais correto, portanto, é afirmar que a própria reação da mídia e do público foi estimulada pela imagem já estabelecida do Dr. Frankenstein.

Andrew Crosse parece ter sido traumatizado pelo equívoco na forma como reagiu ao incidente e passou os últimos anos de sua vida relativamente recluso. Demonstrou algum interesse pelas aplicações práticas da eletricidade e do magnetismo — chegou a propor o desenvolvimento de telégrafos e alto-falantes — mas não realizou mais nenhuma pesquisa. Sua esposa adoeceu e faleceu após longa convalescença em 1846. Em 1850, aos 66 anos, Crosse se casou de novo. Sua segunda esposa tinha 23 anos e se chamava Cornelia Augusta Hewett Berkely. Os dois tiveram três filhos.

Na manhã de 26 de maio de 1855, Crosse sofreu um derrame enquanto se trocava. Ele faleceu poucas semanas mais tarde, em 6 de julho de 1855, no mesmo quarto em que nasceu. Um livro com suas memórias foi publicado postumamente por sua segunda esposa.

Referências

CROSSE, Andrew. “Description of some Experiments made with the Voltaic Battery; by Andrew Crosse, esq., of Broomfield, near Taunton, for the purpose of producing Crystals; in the process of which Experiments certain Insects constantly appeared.” Annals of Electricity, Magnetism, & Chemistry, vol. 2: 246-257 (January-June 1838). [Disponível aqui.]

CROSSE, Cornelia A. H. Memorials scientific and literary of Andrew Cross, the electrician. London: Longman, Brown, Green, Longmans and Robert, 1857. [Disponível no Archive.org]

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