Ar irrespirável pressiona governança climática na pior seca em 70 anos no Brasil

Reuniao com prefeitos de cidades afetadas pela seca no Amazonas. Foto: Ricardo Stuckert, Presidência da República

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que vai encaminhar ao Congresso Nacional uma medida provisória (MP) que criará o estatuto jurídico da Emergência Climática, além de estabelecer a Autoridade Climática, uma promessa feita ainda em sua campanha presidencial. A medida provisória, uma vez editada, terá força de lei, mas precisará ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias para que se torne definitiva. A criação da Autoridade Climática, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, será um passo essencial para acelerar as políticas públicas de combate e adaptação às mudanças climáticas.

Este anúncio ocorre em um contexto preocupante: uma seca histórica assola o Brasil, com incêndios florestais se multiplicando em todo o país. Segundo o Monitor do Fogo, levantamento mensal do MapBiomas, a área queimada em agosto equivale ao estado da Paraíba inteiro. São 5,65 milhões de hectares queimados, um aumento de 149% em relação a agosto de 2023. Pastagens foram as áreas mais atingidas (24%). Só o Estado de São Paulo teve um aumento impressionante de 2.510% nas áreas queimadas, com 430 mil hectares destruídos, superando de longe a média histórica.

Agosto concentrou quase metade da área queimada no Brasil em 2024 

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) calculou quase 5 milhões de km² cobertos por fumaça na primeira semana de setembro, equivalente a 60% do território nacional. A poluição torna o ar irrespirável em regiões como São Paulo, que liderava o ranking de pior qualidade de ar, segundo IQAir. Esse cenário apocalíptico, no entanto, não é novidade, mas continua a não ser adequadamente enfrentado por muitas cidades brasileiras. Mesmo não sendo uma situação inesperada ou nova, afinal — entre 2013 e 2022, mais de 4 milhões de pessoas foram diretamente impactadas por emergências climáticas no país — 66% dos municípios brasileiros não estão preparados para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas, segundo Ana Toni, secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente. E os impactos frente a eventos climáticos extremos tende a aumentar caso as políticas públicas não se adaptem a essa nova realidade.

Brigadistas do Instituto Brasília Ambiental e Bombeiros do Distrito Federal combatem incêndio no cerrado. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O despreparo das cidades brasileiras não é o único problema. Um relatório recente, intitulado “Os Gigantes”, do De Olho nos Ruralistas, revela como a gestão ambiental nos maiores municípios do país tem sido negligente. Dos cem maiores municípios em extensão territorial, apenas 48 possuem secretarias ou órgãos próprios para a gestão ambiental. Pior ainda, em muitos casos, as secretarias responsáveis pelo meio ambiente também têm a atribuição de fomentar o agronegócio, a mineração e o turismo — atividades que, frequentemente, são responsáveis por danos ambientais significativos. Esses municípios, que somam 37% do território brasileiro, perderam 22 mil km² de vegetação nativa entre janeiro de 2021 e julho de 2024.

É evidente que as políticas públicas municipais não estão à altura do desafio climático. Mas a iniciativa do governo federal com a criação do estatuto da Emergência Climática e da Autoridade Climática pode ser um passo importante para mudar esse cenário. A centralização das ações em uma autarquia dedicada exclusivamente ao tema, que coordene esforços entre ministérios e governos locais, pode trazer uma resposta mais rápida e eficaz à crise.

Trata-se de uma tentativa de ampliar e acelerar ações que lidem com eventos climáticos extremos. Presidente Lula

Porém, a pergunta que fica é: será que essas medidas vão ser suficientes? Lula foi enfático ao afirmar que “queremos levar a sério, definitivamente a sério, a questão climática”. Mas a verdadeira mudança não virá apenas com a criação de novas instituições. Será preciso um esforço coordenado entre o governo, a sociedade civil, e o setor privado para que possamos realmente frear os impactos das mudanças climáticas e nos adaptarmos à nova realidade que já se impõe sobre nós. Ao final, o que está em jogo não é apenas o meio ambiente, mas a saúde e a sobrevivência de milhões de brasileiros. Que as lições das secas, enchentes e incêndios que vivemos agora sirvam de alerta para que, finalmente, possamos agir à altura da emergência climática que se avizinha.

Referências

  1. Lula anuncia MP para criar o Estatuto da Emergência Climática, declaração em redes sociais. Fonte: Perfil oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Twitter
  2. Entrevista com Lula na Rádio Norte FM, Manaus. Disponível em: https://www.radionorte.fm.br
  3. Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Ana Toni, Secretária de Mudança do Clima. Disponível em: http://www.gov.br/mma
  4. De Olho nos Ruralistas, Relatório “Os Gigantes” (2024). Disponível em: https://deolhonosruralistas.com.br
  5. MapBiomas. Monitor do Fogo. Agosto. Disponível em: https://brasil.mapbiomas.org/dados-monitor-mensal-do-fogo/

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Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social, pesquisadora de pós-doutorado no Programa USP Cidades Globais (IEA/USP) e doutora em Ambiente e Sociedade pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas, adaptação e planejamento urbano e governança climática multinível.

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