Por Erica Mariosa e Ana Paula Palazi
E como ela pode te ajudar a planejar a sua comunicação?
O processo de produção de conteúdo de divulgação científica deve passar por um processo de reflexão crítica. Isto envolve não apenas o conteúdo a ser publicado. Mas acima de tudo um compromisso ético, de empatia e responsabilidade com a sociedade.
A citação acima foi tirada do texto “Por um olhar mais ético e menos apressado na comunicação sobre ciência e sociedade “ e trata da responsabilidade que o divulgador científico precisa ter ao disponibilizar informações científicas a sociedade.

Mas comunicar ciência de forma ética e com responsabilidade cabe apenas ao divulgador científico?
É claro que não! Essa é a responsabilidade de qualquer pessoa que se propõe a disponibilizar informações e conhecimento a sociedade.
Por isso mesmo, insistimos aqui no Mindflow que para ser um bom comunicador (sim, divulgador científico também é comunicador) não basta ligar uma câmera ou abrir uma rede social, é preciso estudo, reflexão e discussão sobre diversos assuntos que influenciam esta atividade, como por exemplo: a influência histórica e sociopolítica na comunicação, casos de má conduta, manipulação da informação, interferências governamentais e capitalistas, legislação, tecnologias analógicas e digitais, entre outras.
Ao se dedicar a esta atividade o divulgador científico precisa estar ciente da sua responsabilidade em ser uma fonte de informação e dessa forma influenciar a vida das pessoas.
E esta expertise só é possível a partir da profissionalização, estudo, reflexão e prática.
Entendemos que como comunicador o divulgador científico também precisa de acesso a materiais de estudo e discussão não só da atividade em si, mas também sobre o funcionamento de outras áreas da comunicação, uma vez que suas práticas e direcionamentos apesar de diferirem da divulgação científica, ainda assim, possuem o mesmo objetivo final, o de informar!

E a primeira área da comunicação que iremos abordar nesta série será a Comunicação Institucional:
Na definição de Abílio da Fonseca, a comunicação institucional é
“um conjunto de procedimentos destinados a difundir informações de interesse público sobre as filosofias, as políticas, as práticas e os objetivos das organizações, de modo a tornar compreensíveis essas propostas.” (FONSECA apud KUNSCH, 2003, p. 164).
Mas não só isso, a Comunicação Institucional também é o ato de conhecer a instituição, sua história e os caminhos que levaram-na a chegar até seu momento atual. Dessa forma é possível identificar, conhecer e até reconstruir suas características, definições, políticas e conceitos de trabalho (em termos técnicos: histórico, visão, missão, valores, filosofia e políticas).
A Comunicação Institucional também se trata da criação, do fortalecimento da identidade e da imagem desta instituição perante seus públicos externos (clientes, fornecedores, sociedade, etc.) e internos (funcionários, acionistas, etc.).
E como isso funciona?

É do setor de comunicação da instituição a tarefa de resgatar, definir, estudar e desenvolver uma série de diretrizes que contemplam a linha ideológica, política e social que a empresa realiza ou pretende instituir e a transpõe em estratégias e ações direcionadas aos seus públicos, essa atividade é conhecida por Plano de Comunicação.
O Plano de Comunicação se trata de um documento da empresa que contempla todas as diretrizes definidas da instituição e propõe todo o planejamento de ações comunicacionais para atingir essas diretrizes, como: prazos, recursos humanos e financeiros, contratempos e até possíveis crises.
É importante destacar que um bom Plano de Comunicação precisa ir além da boa estrutura e se tornar um documento fluído que vá sendo revisitado e repensado por todas as áreas da empresa aproximando assim a teoria da prática.
Mais sobre este assunto: O que fica de aprendizado com a estratégia de divulgação “Enquete Terra Plana”?
E por que é relevante para o divulgador científico entender um pouco sobre Comunicação Institucional?
Nessa era da informação rápida, ao alcance da mão, recheada de informações desencontradas, Fake News, desinformação e infodemia é comum nos depararmos com a falsa sensação de que esta desordem da comunicação é nova e por isso mesmo justificaria uma possível falta de conhecimento, planejamento e cuidado necessário.
Mais sobre este assunto: Fake News, Desinformação e Infodemia. Qual a diferença?
E como insisto sempre: A comunicação NÃO COMEÇOU com a internet, dessa forma os problemas comunicacionais podem ser conferidos por toda a história e muitas dessas “falhas” foram, inclusive, utilizadas como forma de revolução e mudanças na sociedade.
Quer um exemplo rápido disso?
A famosa frase “Se não tem pão que comam brioches” é largamente conhecida por ter sido dita por Marie Antoinette Josèphe Jeanne de Habsbourg-Lorraine – Rainha consorte da França e Navarra (Século XVIII).
Contudo não há nenhum registro histórico de que a famosa frase tenha sido realmente dita pela rainha, mesmo assim na época a frase foi espalhada à população como se tivesse sido dita por ela, aumentando assim a sua impopularidade e inflando as revoltas já em ascensão nos anos finais da eclosão da Revolução Francesa.

Já na era da internet… Nada disso mudou!
E há quem diga que até piorou, uma vez que além dos velhos problemas da comunicação também é preciso enfrentar a velocidade com que as informações se propagam. Sem falar do fato de que o conteúdo, hoje em dia, é disseminado por qualquer pessoa, sem o menor preparo ou preocupação com a ética e responsabilidade da informação.
Outro problema está no constante incentivo das empresas de tecnologia e comunicação em produzir mais e de forma rápida em troca de remuneração financeira e visibilidade (likes, compartilhamentos, etc).
Mais sobre isso:
- O Dilema das Redes e porque esse problema também é seu!
- Divulgação científica e relações de poder
- Infraestruturas, economia e política informacional: o caso do google suite for education
- Fake news – regulamentação por meio de leis
E neste cenário, principalmente com a pandemia da Covid-19, as instituições que negligenciaram a sua comunicação institucional precisaram se inserir em plataformas de comunicação digital, mas sem o tempo necessário para um planejamento adequado e profissionais qualificados para a realização desta tarefa.
Ou seja, uma tarefa a ser realizada com o mínimo de erros, perdas e em uma velocidade absurda.
Mais sobre este assunto: “Síndrome do sobrinho” na divulgação científica

Também é preciso dizer que mesmo instituições conceituadas, com recursos e um planejamento adequado, podem vir a ter problemas comunicacionais. Investigar e prever esses possíveis riscos também faz parte do Plano de Comunicação.
Conhecido como Gerenciamento de Crise, trata-se de procedimentos e estratégias que a instituição estabelece para o enfrentamento de problemas previstos ou não.
Sua implantação consiste em preparar procedimentos, recursos humanos e financeiros para contornar problemas que podem vir a prejudicar a imagem da instituição, sua credibilidade, seu relacionamento com os públicos e até causar prejuízos financeiros e judiciais.
Um exemplo interessante disso e que divide opiniões de especialistas é o caso Folha de São Paulo
(Agradeço aqui a amiga Graciele Oliveira por ter me apresentado suas opiniões e discutido este assunto comigo por diversas vezes)
Em 08 de fevereiro de 2018 a Folha de São Paulo optou por não continuar atualizando suas publicações na rede social Facebook como forma de protesto pela decisão da plataforma em diminuir a entrega de conteúdo jornalístico aos seus usuários e privilegiar conteúdos pessoais.
Como argumento a Folha publicou uma nota em que discorre sobre como a decisão do Facebook valoriza conteúdos desinformativos e favorece o aumento de bolhas de opinião, dificultando ainda mais a possibilidade de opinião crítica sobre os fatos.
Mas será que não estar presente no Facebook é boa estratégia de comunicação?
Por Cartoon Network EMEA @cartoonnetwork.es
Para responder essa pergunta destaco a seguir alguns pontos importantes desta discussão:
Vamos começar pela política de trabalho do Facebook que pode ser consultada a qualquer momento em sua plataforma.
“O Facebook cria tecnologias e serviços para que as pessoas possam se conectar umas às outras, criar comunidades (…) Nossa missão é proporcionar às pessoas o poder de criar comunidades e aproximar o mundo.”
Sua política deixa claro que os objetivos do Facebook (além de financeiro) está em construir estratégias que facilite o contato e o relacionamento entre pessoas conectadas à plataforma, portanto a empresa destina recursos a partir desta premissa e em 2018 quando a plataforma decidiu readequar seus algoritmos com a justificativa de privilegiar às interações das pessoas, o Facebook não fez nada além da política já pré-existente e divulgada.
E apesar do discurso largamente divulgado pelo Facebook de que a reformulação do algoritmo também ajudaria as pessoas a passarem o seu tempo no site de uma forma que considere mais significativa, a partir das considerações apresentadas no artigo “Passive Facebook usage undermines affective well-being: Experimental and longitudinal evidence.” que demonstrou que o uso passivo do site, como: consultar postagens de compras ou ler notícias, mesmo que por apenas 10 minutos por dia, teve um efeito negativo na sensação de bem-estar.
Não podemos esquecer que o Facebook ainda é uma empresa, portanto visa lucro e essa decisão de mudança de algoritmo não deixou de contemplar melhorias de ganhos financeiros e de imagem. Dessa forma, considerando a sua história e trajetória de trabalho, o Facebook não apresentou, com essa decisão, nada que já não pudesse ser previsto.
Outro ponto a considerar nesta discussão está na realidade brasileira de consumo de internet da época.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação (PNAD Contínua TIC) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2018, 3 em cada 4 brasileiros tinham acesso à internet e, entre eles, o celular era o equipamento mais usado.
E de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) 56,51% do total de assinaturas de telefonia móvel em dezembro/18 eram de planos pré-pagos.
Com base nesses dados as empresas de telefonia móvel viram uma oportunidade de negócio e passaram a ofertar junto de seus planos pré-pagos aplicativos de acesso sem o uso da franquia de dados, primeiramente o Facebook e nos anos seguintes outros aplicativos como Instagram, WhatsApp e Twitter.
Na prática, mais de 50% da população brasileira que acessava a internet em 2018 tinha acesso gratuito ao Facebook e ao clicar em qualquer link ou outro aplicativo passava a utilizar seus créditos de dados.

Sendo assim, a saída da Folha, apesar de ser estratégica, pensada e planejada a partir dos preceitos e ideias que regem este veículo de comunicação, acaba por reduzir as oportunidades deste públicoter acesso a informações jornalísticas e consultar as informações que julgar duvidosas e enganosas antes de tomar decisões em seu cotidiano.
E mesmo com o posterior investimento da Folha de São Paulo em outros canais como: Instagram, WhatsApp, Telegram, Twitter, entre outros. É preciso considerar que para cada veículo de mídia possui uma forma de trabalho, um foco, uma política e um público diferente.
E investir em mídias sociais diferentes não o faz acessar o público que estava e está presente no Facebook.
Falo mais sobre isso aqui: Como divulgar meu conteúdo de divulgação científica nas mídias sociais?
OBS: Esta análise foi proposta apenas pelo olhar da Comunicação Institucional, é claro que podemos propor outras formas de discussão e análise e não só pelos parâmetros da comunicação.
UPDATE em 09/07/2021: No dia 06/07 a Folha anunciou que decidiu voltar a atualizar sua página no Facebook que estava parada desde 2018, em resposta as medidas adotadas pela plataforma em “restringir a circulação de fake news e discurso de ódio”.
Confira a reportagem completa: Folha volta a publicar conteúdo no Facebook – Plataforma mudou postura e tem agido para valorizar jornalismo profissional e restringir a circulação de notícias falsas
Por fim… pelo menos dessa 1ª parte
O caso da Folha da São Paulo demonstra a necessidade do alinhamento com politicas públicas, mercado e público alvo – preceitos bases da comunicação -, além do esclarecimento de que mesmo com todos os recursos necessários, ainda assim nenhuma empresa está livre de enfrentar as adversidades da comunicação.
Deixo como sugestão dessa temática a série Silicon Valley da HBO Brasil
Isto posto, o divulgador científico também precisa acrescentar em seu planejamento a realidade da atividade no Brasil. Começando pelo comparativo das condições de trabalho na divulgação científica brasileira e nas empresas.
Enquanto o divulgador científico luta pelo reconhecimento da academia para a importância desta atividade, ainda enfrenta a falta de recurso financeiro, a necessidade de equilibrar as atividades de cientista e divulgador científico, uma vez que esta atividade normalmente não é sua principal função e a dedicação em estudar uma área completamente nova em sua formação.
Já as empresas não só entendem a importância da comunicação como parte fundamental da sua sobrevivência, mas também reconhecem a importância de investir nisso desde o início de suas atividades.
E mesmo com o recente crescimento do interesse da academia pela comunicação, ainda sim, há pouco entendimento do funcionamento da atividade e por consequência se cobra milagres dos que se propõem a realizar a atividade.
Cada área da comunicação tem definições, objetivos e, por consequência, resultados diferentes. Portanto, não dá para exigir da divulgação científica os mesmos resultados da comunicação institucional e vice-versa.
A divulgação científica trata-se de tornar a ciência de domínio público, portanto o divulgador científico trabalha para levar a ciência para a sociedade e não para divulgar as atividades, conquistas e marketing das empresas e instituições, este é o trabalho da comunicação institucional.
Para saber mais sobre isso: O que é Divulgação Científica?
Sendo assim, é injusta qualquer comparação da atividade de divulgação científica com a de qualquer outra área da comunicação. E mesmo que esta afirmação pareça óbvia, essa comparação é bem comum.
Na próxima parte falamos sobre a Comunicação de Massa, Ética Jornalística e Comunicação Digital:
- Desafios do produtor de conteúdo – da comunicação de massa ao digital
- Comunicação para Divulgadores Científicos
Mas por enquanto confira essas outras sugestões de leitura:
- Conhecendo Carreiras de Humanas: o Jornalismo
- Preprints: o que são e como fazer sua divulgação científica
- Divulgação institucional não é divulgação científica
- Divulgação e comunicação científica: para além e avante
- Jornalismo Científico na graduação das Universidades públicas
- E-book: Pensando o Brasil pós-Pandemia: reflexões e propostas
- Divulgação na pandemia
* Durante o texto alterno entre empresas e instituições para exemplificar qualquer estrutura organizacional que tenha como objetivo a constituição social e/ou empresarial.
Pousada na Ilha Grande
Post muito bem explicado