Alimento: ciência, indústria e política

Após frequentar uma semana de palestras e discussões sobre o emaranhado e sempre atual tema “alimento”, penso que nunca mais olharei para um prato de comida, para uma embalagem de biscoito ou para uma fruta – etiquetada com código de barra -, com a mesma passividade de antes. E olha que em casa desde cedo aprendemos a avaliar com cuidado os rótulos dos alimentos procurando pela quantidade de carboidrato, proteína e gordura presentes. Minha mãe dizia: “nunca compre nada em que o primeiro ingrediente da lista é açúcar”.

Minha visão sobre o food system se ampliou depois que participei, na semana passada, de um workshop com pesquisadores e líderes de universidades, governo e indústria, oferecido pelo programa de jornalismo científico Knight do MIT, onde temas de ciência do alimento se misturaram a discussões sociais, políticas e econômicas relacionadas ao cultivo, distribuição e consumo de alimentos.

Phil Hilts, diretor do programa, abriu o workshop destacando que, com 1,6 bilhão de pessoas obesas ou abaixo do peso no planeta, o momento é de, como repórteres, “puxar o rabo desse tigre”. A epidemia da obesidade se tornou problema de saúde pública em inúmeros países, e o epicentro agora está migrando dos Estados Unidos para países como a China. O governo norte-americano gasta 150 bilhões de dólares por ano com doenças resultantes da obesidade. E o gasto só vem crescendo nos últimos anos. Michele Obama abraçou a causa da obesidade infantil e lançou, em fevereiro deste ano, o programa “Let’s Move”. Além do custo, a primeira-dama foi motivada também, segundo o site da campanha, pelo dado assustador de que esta é a primeira geração em que os filhos provavelmente viverão menos que seus pais.

Segurança alimentar foi o tema de abertura do evento. Robert Tauxe, diretor de uma das divisões do centro de controle e prevenção de doença (CDC, na sigla em inglês), órgão do governo, contou os desafios em monitorar os 12 mil casos anuais de doenças desencadeadas por alimentos. Segundo ele, aves, folhagens, carne vermelha, derivados de leite, frutas e nozes são os principais alimentos envolvidos em surtos desencadeadas por inúmeros patógenos (Listeria, E. coli, Toxoplasma, Salmonella, Campylobacter, Norovirus, entre outros). Atualmente, o CDC faz o que ele chamou de diagnóstico de alta precisão. Tauxe descreveu como sua equipe rastreou e descobriu a origem de um surto da perigosa E. coli O157:H7 (veja abaixo) em espinafres. Com o código de barras da embalagem, foi possível localizar onde os espinafres tinham sido produzidos. Os técnicos foram até a fazenda e, após criteriosa investigação, descobriram que porcos selvagens eram os vetores da doença.

J. Glenn Morris, professor de medicina da Universidade da Flórida, continuou o assunto de alimentos como carreadores de doenças trazendo um rico resgate histórico da emergência da linhagem bacteriana E. coli O157:H7, descrita em 1982. Pessoas que consomem alimentos contaminados com esta bactéria apresentam, segundo o médico, sintoma clínico de diarreia com sangue (30-95% dos casos) e síndrome hemolítico-urêmica (2-7% dos casos), a maior causa de insuficiência renal em crianças nos Estados Unidos. A toxina shiga, produzida pela bactéria, quebra as células vermelhas do sangue, que se depositam nos rins, levando à insuficiência. A taxa de mortalidade varia de 1 a 35%. Idosos e crianças abaixo de cinco anos são os mais afetados.

J. Glenn Morris, cientista da Universidade da Flórida.

Comer hambúrguer ficou mais difícil depois que Morris apresentou o dado de que 28% do gado que entra para abate nos Estados Unidos apresenta E. coli O157:H7 no intestino, como colonizadora assintomática. Considerando que a carne vem de várias fornecedores e é moída em lotes de 2-30 toneladas (que nojo!), e que bastam 100 bactérias para uma transmissão efetiva, a saída é mesmo parar de comer hambúrguer. Ou pedir bem passado. Morris escorregou quando Phil Hilts lhe perguntou o que um fazendeiro deve fazer para descontaminar as vacas, e respondeu que o melhor mesmo é ficar quieto, por conta da enorme briga no sistema regulatório. Ops! Pauta! Mas depois ele falou de vacinas canadenses e norte-americanas que estão sendo desenvolvidas para gado. Segundo Morris, será a primeira vez em que gado de corte será imunizado contra patógeno que não causa doença neles mesmos, e sim no consumidor da carne.

Mas o problema atinge também outros alimentos. A plateia ficou impressionada quando o médico mostrou que a E. coli O157:H7 penetra nas folhas de espinafre, via estômatos, e fica alojada junto aos tecidos. Nesse caso, uma boa higienização não resolve, e sim um eficiente sistema preventivo de vigilância sanitária. Vestindo meu chapéu de imunologista, fiquei curiosa em saber como a planta responde a esta bactéria. Vou pesquisar.

Hilts disse que a ideia do workshop é oferecer aos jornalistas uma variedade de fontes e temas inspiradores para reportagens futuras. Só com as duas primeiras palestras, deu para perceber que há vários tópicos a serem explorados.

Comentarei sobre as demais discussões nos posts seguintes. Adianto que tanto a indústria quanto a academia apresentaram soluções interessantes e controversas para o problema da obesidade e da falta de alimento. Marion Nestlé (alimentos e seus rótulos) e Joseph Hotchkiss (história do processamento de alimentos) merecem posts a parte. 

Aguardem!

PS: André Ramos, obrigada pelo desenvolvimento da marca “Pó de Imburana”. 

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