Primeira quiz do Caapora!

 

Para os bons entendedores de primatas, aqui está o primeiro quiz do Caapora! Digam o nome científico das duas espécies de primatas do Novo Mundo representadas no detalhe dessa pintura E o nome e o autor do quadro a qual esse detalhe pertence. Daremos a resposta em 48 horas.

 

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UPDATE

Parabéns a todos que deram a sua opinião ! Sim o Saguinus oedipus tava fácil. Para a identificação do “desbotado” eu concordo com o artigo que a Carla citou, do Dante Teixeira e Nelson Papavero (O tráfico de primatas brasileiros nos séculos XVI e XVII), onde os autores identificam a espécie como Leontopithecus rosalia, o mico-leão dourado. A morfologia denuncia: as orelhas cobertas por uma juba, como a Carla disse, só ocorrem nos micos leões (Leontopithecus) e no Callimico, que é inteiro negro. Os micos-leões também apresentam dígitos alongados em comparação aos outros micos e saguis. A coloração desbotada pode ser proveniente de algum indivíduo que tenha perdido a coloração devido aos nada fáceis meses passados a bordo de um navio já que, como o já mencionado artigo de Teixeira e Papavero cita, “quase todos [os micos-leões] morriam no mar”.

Saguinus oedipus. Um sagui endêmico da Colômbia e recém ingresso na lista dos 25 primatas mais ameaçados do mundo.

Meus argumentos a favor da imagem representar um L. rosalia são dois: o primeiro é que a espécie mais parecida, Saguinus melanoleucus, só foi descrita no século XX, pois ela ocorre em um território praticamente inexplorado na época em que o quadro foi feito (a espécie ocorre no oeste do Acre e leste do Peru).

Saguinus melanoleucus. Notem as orelhas visíveis.

O outro argumento, talvez o mais legal, é que o pintor escolheu essas espécies para colocar na mão da infanta Isabella Clara Eugênia (que era filha do Felipe II rei de Espanha) justamente para representar a união ibérica, que foi o longo período em que Portugal e suas colônias ficaram sob domínio espanhol (de 1580 até 1640). Saguinus oedipus é uma espécie endêmica da Colômbia, e Leontopithecus rosalia é um mamífero endêmico da Mata Atlântica do sudeste brasileiro. Logo, se unirmos isso ao gosto da família real espanhola por saguis e micos, parece sensato colocar um dos pequenos primatas que na época mais bem representava o Brasil, o mico-leão. É surpreendente que ainda hoje essa espécie bandeira (e aparentemente muito exportada no passado) represente a nossa fauna, estando presente até nas notas de 20 reais.

Leontopithecus rosalia, o famoso mico-leão dourado.

Para finalizar, aí vai uma imagem do quadro inteiro:

“Infanta Isabella Clara Eugênia com a anã Magdalena Ruiz”. Pintado por Alonso Sánchez Coello (ca. 1585), em exibição no Museo del Prado, Madrid

Primatofobia e questões existenciais…

por Guilherme Garbino

Foi na primeira metade século XVI que Copérnico retirou a terra do centro do universo, trocando-a pelo Sol. Após correr um sério risco de ser queimado vivo, o cientista retirou suas alegações. Anos depois, Galileu Galilei, considerado um dos pais do método científico, fez a mesma afirmação e foi condenado a prisão domiciliar.

Incrivelmente, só dois séculos depois de Galileu ter jogado o planeta Terra para escanteio é que surgiram os primeiros indícios de um outro reposicionamento universal, o do lugar do ser humano no universo, assumindo nossa espécie a posição de  “apenas outro grande símio”. Mais estranho ainda é pensar que o “Príncipe dos Botânicos”, Carl Linnaeus, o grande classificador do século XVIII e indubitavelmente um não-evolucionista, colocou o Homo sapiens dentro da ordem Primates.

Na décima edição de seu Systema Naturae, Linnaeus criou o gênero Homo. Originalmente, o gênero incluía duas espécies: Homo sapiens e Homo troglodytes. Como de praxe, o autor oferece uma diagnose de suas espécies. A descrição de H. sapiens são apenas três palavras: Nosce te ipsum (Conheça a ti mesmo).  A segunda espécie de Homo, entretanto, claramente refere-se a uma criatura mitológica que, pelas fontes citadas por Linnaeus, seriam seres albinos habitantes de cavernas. Há também um relato do viajante holandês Jakob de Bondt que se refere a uma criatura que pode ser uma orangotango fêmea ou uma mulher com hipertricose. O Homo troglodytes de Linnaeus não tem nada a ver com o Simia troglodytes de Blumenbach, este último o nome científico do chimpanzé (hoje Pan troglodytes). O sistema binomial de nomenclatura admite o mesmo epíteto específico em gêneros diferentes.

Figura de Jacob de Bondt, uma das fontes de Linnaeus, retratando um dos humanóides por ele observado durante duas viagens às colônias holandesas nas ilhas do sudeste asiático.

A última espécie de Homo descrita por Linnaeus, o Homo Lar, também é uma criatura real, nesse caso gibão de lar (hoje Hylobates lar), que foi descrito, assim como outros primatas, em seu Mantissa Plantarum, embora, até onde sei, não se trate de uma espécie de planta. Três novas espécies de “símios” foram ainda posteriormente descritas por Linnaeus, em 1760, na dissertação de seu aluno, Hoppius, entitulada Anthropomorpha (até meados do século XIX era costume na Suécia que o professor escrevesse a tese e o aluno apenas arcasse com os custos!): Simia Satyrus, Simia Lucifer e Simia Pygmaeus; Todas baseadas em ilustrações das quais a única que se refere a uma criatura real é Simia Pygmaeus, o orangotango de Bornéu que o classificador sueco nomeou pygmaeus por pensar ser esse um membro da raça de pigmeus mencionada por Homero.

Ilustrações dos “Anthropomorpha” de Linnaeus, presentes no livro de Hoppius. Da esquerda para a direita: Simia Troglodyta, Símia Lúcifer, Símia Satyrus e Simia Pygmaeus.

Embora essa primeira classificação tenha um teor otimista e de justiça filogenética (ao menos para mim, que leio isso em 2012), colocando os humanos firmemente na Ordem que incluía os outros macacos, lêmures, társios, colugos e morcegos, a classificação de Linnaeus, vale lembrar, tinha um caráter prático e artificial, agrupando os seres vivos, por vezes, com base em um único caráter similar compartilhado (no caso de Primates, o número de incisivos). Para termos alguma noção de como essa classificação do homem foi recebida numa Europa antropocêntria, o alemão Blumenbach, em 1775, apontou que o grande erro de Linnaeus foi misturar atributos dos símios com os do homem.

A escola francesa pós-revolução e os alemães, no entanto, insistiram em dar um lugar especial ao homem; nesse sentido, nomes muito conhecidos como Georges Cuvier, Étienne Geoffroy Saint-Hilaire e Johann Blumenbach separaram o Homo sapiens em uma ordem exclusiva de mamíferos, Bimana (“duas mãos”), e os outros primatas na ordem Quadrumana (“quatro mãos”). Sir Richard Owen, diretor do Museu Britânico, foi além e classificou o homem como único representante de Archencephala (ou cérebros dominantes) uma de suas quatro subclasses de Mammalia, com base em características supostamente únicas de nosso encéfalo.  Na época essa idéia foi veementemente contestada, principalmente por Thomas H. Huxley.

O extremo talvez tenha sido atingido, em pleno século XX, por Julian Huxley, neto de T. H. Huxley, que em 1942 propôs separar o homem em um Reino a parte, o “Psicozoa”, argumentando que possuímos o caráter único de cultura e “domínio do mundo” (o que quer que isso queira dizer). Os homens, principalmente os do sexo masculino da Europa e dos EUA, simplesmente se recusavam a aceitar nosso passado simiesco.

Somente um século após Linnaeus outros naturalistas voltaram a incluir o homem em Primates. Ninguém menos que Charles Darwin, em seu livro de 1871, “The Descent of Man and selection in relation to Sex” (A Descendência do Homem e Seleção em Relação ao Sexo), propôs, depois desse enorme hiato, que “o homem, sob um ponto de vista genealógico, pertence aos Catarhini (sic)”. Ao saber disso, a mulher do bispo de Worcester exclamou a famosa frase: “descendente de símios! Querido, vamos rezar para que isso não seja verdade, mas se for rezemos para que isso não se espalhe!”.

Charge do século XIX, onde o gorila diz “Aquele homem quer meu pedigree. Ele diz que é um de meus descendentes”. Sr. Bergh (um dos fundadores da sociedade protetora dos animais) responde “Sr. Darwin, como você pôde insulta-lo dessa maneira?”. (Fonte: http://claesjohnsonmathscience.wordpress.com/2011/12/15/scientists-and-science-in-cartoons/)

Essa aversão ao “rebaixamento” do homem fez com que mesmo os anatomistas mais experientes do ocidente ignorassem a evidência diante dos seus olhos. De fato, W.K. Gregory, em artigo publicado na Science, criou o termo “pitecofobia”, que fica perfeitamente definido nas próprias palavras do autor (em tradução livre minha): “Esse novo tipo de fobia pode, portanto, ser chamada de pitecofobia, ou o medo de símios, especialmente o medo de símios como parentes próximos ou ancestrais”. E depois adiciona, com sarcasmo: “Durante os últimos anos essa fobia se tornou quase pandêmica; especialmente nas comunidades rurais”.

William King Gregory (1876-1970), mastozoólogo e antropólogo do American Museum of Natural History em Nova Iorque.

Hoje o homem é classificado (pela maioria dos autores) como membro da famíla Hominidae, que também inclui os chimpanzés e bonobos (gênero Pan), gorilas (gênero Gorilla) e os orangotangos (Pongo), sendo que nosso gênero teria se separado de Pan há mais ou menos 6 milhões de anos. Existe ainda o que seria impensável pelos vitorianos do século XIX: a proposta da criação de um “direito dos grandes-símios”, de maneira similar aos Direitos Humanos, mas distinta dos Direitos Animais, o “Great Ape Project”.

Filogenia dos Hominoidea vivente, com alguns fósseis-chave incluídos (Fonte: Scientific American, 16:4-13. Junho de 2006)

Esse exemplo serve para nos mostrar como preconcepções errôneas e fortemente enviesadas fazem com que um corpo enorme de evidência seja ignorado, ou que haja uma “forçada de barra” para garantir nossa exclusividade, como fez J. Huxley. Como responsável por tantas outras mudanças de paradigma na biologia, a evolução de Darwin e Wallace cimentou o pedestal humano junto aos outros grandes símios e de lambuja respondeu duas das grandes perguntas existenciais que sempre acompanharam a humanidade: “quem somos e de onde viemos”. Para saber para onde vamos “ligue djá” para o seu vidente de confiança…

Morcego Chupacabra Peruano? Não, o vampiro gigante é nosso!

por Guilherme Garbino

Suposto chupacabra encontrado no Peru. A foto tem sido divulgada em redes sociais e em sites diversos.

Recentemente, espalhou-se pela internet a foto acima, um famigerado “morcego gigante” que teria sido encontrado no Peru. O interessante é que ao invés de ser confundido com o Batman, como seria de se esperar, a pobre criatura foi logo tida como um prova irrefutável que o chupacabra ainda está entre nós.

O fotógrafo, intencionalmente ou não, utilizou um truque óptico que já foi usado inclusive para propagar viralmente outro caso criptozoológico; o famoso solífugo (ou “sun-spider” do vernacular em inglês) gigante do Iraque (http://www.brownreclusespider.org/camel-spider/giant-camel-spider.htm). No caso do “morcego gigante”, o “truque”, de colocar o animal em primeiro plano com os soldados em segundo fica facilmente evidenciado ao olharmos o tamanho da “faquinha” fincada acima do arcabouço de bambu que suspende o animal.

Embora estejam entre os maiores morcegos do mundo, as espécies do gênero Pteropus (que em latim quer dizer “pés com asas”), e da qual faz parte o nosso “morcego gigante” não ultrapassam os 1,2 metros de envergadura de asa. Como não encontrei a fonte original da foto, imagino, a partir da distribuição geral dos Pteropus maiores (P. neohibernicus e P. vampyrus ou o Acerodon jubatus), que ela tenha sido tirada em algum lugar do sudeste Asiático ou no arquipélago Malaio, ou seja, muiiiito longe das selvas peruanas.

Esse caso criptozológico, me lembrou dos relatos sobre o suposto morcego vampiro gigante da América do Sul. Um mito moderno cujos fundamentos se estendem até a mitologia Maia, na forma do deus Camazotz, um monstro com cabeça de morcego associado à morte e a noite.

Camazotz, o Deus Maia da escuridão, violência e sacrifício. Clique na imagem para ser redirecionado ao site fonte da foto e obter mais informações sobre a criatura.

Todas as três espécies de morcegos hematófagos viventes ocorrem no Brasil e, dentre elas, a maior e mais comum, Desmodus rotundus, atinge uma envergadura de aproximadamente 20 centímetros. Os morcegos hematófagos fósseis, no entanto, evidenciam que algumas espécies poderiam ser até 25% maiores que o Desmodus rotundus. Não é a toa que esses morcegos hematófagos extintos receberam nomes muito criativos como Desmodus stockii (em homenagem ao autor de Drácula, Bram Stocker) e Desmodus draculae.

No Brasil, um crânio (subfóssil) de D. draculae foi encontrado em uma caverna do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR). O trabalho da profa. Eleonora Trajano e do Mario de Vivo de 1991 descreve esse registro e vai um pouco além ao suspeitar que a idade do subfóssil seja relativamente recente e que a espécie pode ainda estar presente na região! Acho improvável, no entanto, que uma espécie de morcego relativamente grande não tenha sido capturada em uma das regiões cársticas mais bem amostradas para morcegos do país.

Quando o assunto é tamanho, entre os morcegos brasileiros, a maior espécie de morcego, com aproximadamente 80 centímeros de envergadura, é Vampyrum spectrum que, apesar desse nome, não tem nada de vampiro. De fato, os gêneros Vampyriscus, Vampyrops (= Platyrrhinus), Vampyrodes e o simpático Vampyressa são todos frugívoros, enquanto que os gêneros verdadeiramente hematófagos (Desmodus, Diphylla e Diaemus) foram, pode ser dizer, injustiçados em seu batismo. Desmodus significa algo como “dentes amarrados juntos” e Diphylla quer dizer “duas folhas”. Apenas o último gênero a ser descrito, Diaemus tem a ver com o hábito que lhes dá fama: Diaemus vem do grego diaimos, que significa “manchado de sangue”.

No excelente artigo de G.G. Simpson (1984) (que escrevia bem sobre muitas coisas), o autor ataca a criptozoologia como ciência, argumentando que nós humanos somos os animais mais crédulos, ingênuos e enganosos que existem. Por isso (segundo ele) acreditamos também no criacionismo e em UFOs, além da criptozoologia. Finalizando com chave de ouro, o autor cita magistralmente o cristão Tertuliano para ilustrar a condição da mente humana: Credo quia impossibile (acredito porque é impossível).

 

Fontes de conhecimento:

Simpson, G. G. 1984. Mammals and Cryptozoology. Proceedings of the American Philosophical Society128(1): 1–19

Trajano, E. ; Vivo, M. 1991. Desmodus draculae Morgan, Linares & Ray, 1988, reported for southeastern Brazil, with paleoecological comments (Phyllostomidae, Desmodontinae). Mammalia, 55(3): 456-459.

sugerido sobre morcegos e criptozoologia:

Schutt,B. 2008. Dark Banquet: blood and the curious lives of blood-feeding creatures.Crown. 336p.

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