Tubarão raríssimo encontrado no litoral do Rio de Janeiro
Em julho deste ano Salvatore Siciliano, Bruno Rennó e eu fizemos uma incrível e inesperada descoberta zoológica. Encontramos um exemplar com mais de cinco metros de comprimento do raríssimo tubarão Megachasma pelagios (popularmente conhecido como tubarão-de-boca-grande, em português, e Megamouth, em inglês) encalhado nas areias de uma das praias que monitoramos regularmente na costa centro-norte do Estado do RIo de Janeiro para o estudo de aves, quelônio e mamíferos marinhos.
A decoberta foi primeiramente divulgada na edição de setembro da revista de divulgação científica Ciência Hoje, abaixo segue o texto do artigo na íntegra e duas fotos do tubarão.
BIOLOGIA MARINHA: Um dos mais raros tubarões do mundo é encontrado na costa brasileira
Gigante dos mares em areias fluminenses
Em 9 de julho último, um macho adulto de Megachasma pelagios – raríssimo tubarão descrito pela primeira vez nos anos 80 – foi encontrado encalhado e recém-morto na Praia Grande, em Arraial do Cabo (RJ), pelo pesquisadores brasileiros que assinam esse artigo. O espécime representa o 43º exemplar de M. pelagios conhecido no mundo e apenas o terceiro registrado no oceano Atlântico. Um animal jovem havia sido capturado na costa de São Paulo em 1995 e outro achado no mesmo ano em Dakar, Senegal.
A descoberta foi feita durante um dos monitoramentos regulares de praia conduzidos pelo Projeto Aves, Quelônios e Mamíferos Marinhos da Bacia de Campos, realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública, da Fiocruz, dentro do Projeto Habitats – Heterogeneidade Ambiental da Bacia de Campos, coordenado pelo Centro de Pesquisas (Cenpes) da Petrobras.
Com 5,39 m de comprimento, o exemplar APARENTA ter morrido por causas naturais, uma vez que não foram encontradas marcas que pudessem ser atribuídas à captura em redes ou à colisão com embarcação a motor. A necropsia mostrou que o estômago do tubarão estava completamente vazio, o que pode indicar que ele não vinha se alimentando há algum tempo.
Figura 1: Exemplar de Megachasma pelagios encalhado na Praia Grande, em Arraial do Cabo (RJ), em julho de 2009. Foto Bruno Rennó / Projeto Aves, Quelônios e Mamíferos Marinhos da Bacia de Campos.
Uma descoberta ao acaso
O primeiro Megachasma pelagios foi descrito em 1983. A descoberta aconteceu totalmente ao acaso, envolvendo um exemplar que se prendeu acidentalmente em uma âncora de um navio da marinha norte-americana ao largo de Oahu, Havaí, em 1976. Ao ser examinado por especialistas, revelou que não se tratava apenas de uma nova espécie, mas também de um novo gênero e família de tubarão, mais tarde denominada Megachasmidae. Foi considerada uma das descobertas zoológicas mais fantásticas do século 20, rivalizando até com o celacanto, conhecido como ‘fóssIL vivo’.
O nome do gênero é composto por um prefixo grego (mega = grande) e um sufixo latino (chasma = cavidade); pelagios vem do latim e significa ‘oceânico, do mar’. Considerado extremamente raro, cada registro do também chamado tubarão-de-boca-grande é documentado em detalhe e passa a integrar um catálogo internacional.
O Megachasma pelagios poder ser considerado um gigante dos mares, chegando a medir mais de 5,5 m de comprimento e passar de 1 tonelada, Megachasma pelagios tem uma aparência bizarra, o que o torna facilmente distinguível de qualquer outro tubarão. Como o seu nome bem diz, sua boca é extremamente grande, coberta por mais de 50 fileiras de pequenios dentes pontiagudos e curvados para trás, das quais apenas três são funcionais. Além disso, a nadadeira dorsal elativamente pequena e a cauda com o lobo superior bastante alongado contribuem para dar um aspecto desproporcional ao animal, o que o torna facilmente distinguível de qualquer outro tubarão.
Diferente de qualquer outra espécie de elasmobrânquio e curiosamente semelhante às grandes baleias, como a jubarte (Megaptera novaeangliae), a estratégia de busca por alimento do tubarão-de-boca-grande envolve o engolfamento de zooplâncton. Ao se alimentar, o animal engolfa grande quantidade de água na cavidade bucofaringeal enquanto nada ativamente com a boca aberta. Para suportar esse volume de água e as presas nela contidas, a pele dos lados ventrais e laterais da boca, que é muito elástica, é distendida. Posteriormente, a boca se fecha, a água é expelida pelas guelras e o alimento, engolido. Dada a sua dependência por zooplâncton, o Megachasma pelagios realiza deslocamentos verticais diários na coluna da água acompanhando suas presas, podendo atingir até 180 m de profundidade.
Figura 2: Detalhe da cabeça do exemplar de Megachasma pelagios encalhado na Praia Grande,
em Arraial do Cabo (RJ), mostrando a boca extremamente grande do animal. Foto Bruno Rennó / Projeto
Aves, Quelônios e Mamíferos Marinhos da Bacia de Campos.
Entre os mais raros do mundo
Passados 25 anos de sua descoberta, o Megachasma pelagios é ainda hoje considerado um dos tubarões mais raros do mundo. No total, somando-se os espécimes capturados, encontrados encalhados em praias e observados no mar, eram conhecidos até o momento 42 registros da espécie espalhados pelas zonas tropicais e subtropicais dos três oceanos. A maior parte dos espécimes encontrados concentra-se no Pacífico, seguido pelo Índico; no Atlântico, apenas dois exemplares haviam sido reportados.
Embora o ecossistema marinho corra sério risco de entrar em colapso por conta da superexploração de seus recursos, nosso conhecimento sobre os oceanos ainda é incipiente, fato nitidamente ilustrado por diversas descobertas fantásticas relacionadas à vida marinha nas três últimas décadas. Entre esses achados, o tubarão-de-boca-grande pode ser apontado como um dos mais notáveis e um exemplo vivo do nosso desconhecimento sobre a fauna marinha. Um artigo científico sobre o animal deverá ser apresentado em breve em uma revista especializada.
A descoberta de um novo M. pelagios na costa brasileira demonstra a importância do monitoramento regular de trechos de costa e de estudos de caracterização da biodiversidade marinha em longo prazo. Pesquisas dessa natureza podem ser apontadas como uma efetiva ferramenta para melhor compreender o desconhecido, mas criticamente ameaçado, ecossistema marinho.
Luciano M. Lima, Bruno Rennó e Salvatore Siciliano
Projeto de Monitoramento de Aves, Quelônios e Mamíferos Marinhos da Bacia de Campos
Sobre mulheres, preguiças e o monstro do Panamá
A notícia é assustadora e ganhou destaque em vários jornais essa semana…
“Segundo jornais panamenhos, quatro adolescentes entre 14 e 16 anos estavam em torno do lago, no sábado (12), quando viram uma criatura bizarra saindo de uma gruta. Assustados com sua aparência e com medo de serem atacados, os jovens atiraram pedras até matá-la e a jogaram na água. A notícia logo se espalhou pela cidade. Retirada do lago, a criatura foi apontada como um ET por moradores da região e pela imprensa local. Outros a descreveram como o personagem “Gollum”, da trilogia “O senhor dos anéis“
As fotos mais ainda…
Se você já estava preparando para se esconder debaixo da cama com medo da invasão alienígena, pode ir se acalmando.
A foto ao lado, retirada daqui, põe rapidamente fim ao mistério. A imagem mostra um feto de preguiça-de-três-dedos (Bradypus tridactylus). Embora o “monstro” do Panamá corresponda a uma preguiça adulta a foto do feto não deixa dúvidas quanto a sua real identidade. Além disso, observando com atenção a foto do suposto ET no canto superior esquerdo é possível ver as garras na ponta de uma das patas e alguns vestígios de pêlos na barriga.
Um outro mistério seria como a preguiça de Cerro Azul perdeu quase completamento sua pelagem. As possibilidade são muitas, mas por ter sido encontrada as margens de um lago sou capaz de apostar o salário do meu chefe que a perda de pêlos é resultado da decomposição ter se iniciado dentro da água. Em diversas ocasiões já encontrei carcaças de gatos e cachorros “pelados” lançados a beira mar durante os monitoramentos de praia que realizamos pela costa fluminense em busca de aves, quelônios e cetáceos marinhos.
O mais interessante, contudo, é que o alvoroço causado pela preguiça pelada panamenha não é muito diferente do que aconteceu quando os primeiros europeus que chegaram a américa se depararam com preguiças vivas. Os primeiros cronistas a descreverem a natureza brasileira se surpreenderam com as feições quase humanas do estranho animal. Em 1560, o Padre José de Anchieta escreveu “a sua cara parece assemelhar-se alguma cousa de
rosto de uma mulher“, já Fernão de Cardim, foi menos gentil com os elogios e afirmou que seu “rosto parece de mulher mal toucada”, seja lá o que quer dizer isso. A foto abaixo, retirada daqui, permite que os leitores tirem sua próprias conclusões entre as supostas semelhanças entre mulheres e preguiças. Eu achei particularmente interessante o espécime de preguiça pelada da ponta esquerda.
Pois bem, como sempre, a mentira tem perna curta, ou melhor neste caso, braços longos.
Feliz dia do Biólogo (atrasado)
Tudo bem, eu sei, estou dois dias atrasado. Mas tenho uma boa desculpa, estava exercendo o direito da profissão, afinal biólogo que é biólogo passa o dia “biologando”. Passei os últimos três dias em campo, mais precismante na pequena cidade de Quissamã percorrendo 40 quilômetros do trecho de litoral mais selvagem do estado do Rio de Janeiro, em busca de aves, baleias, golfinhos e tartarugas marinhas
Sempre que tento explicar o meu trabalho para alguém que não é colega de profissão, quase sempre a pessoa me interrompe antes que eu acabe de falar e comenta algo do tipo “essa sua vida é muito boa, sempre viajando conhecendo lugares e pessoas novas”. A foto abaixo, tirada no dia do biólogo, reflete um pouco do “jeito biólogo de ser”. Não, não estou chamando os biólogos de sujismundos, embora conheça um que é capaz de passar até cinco dias no campo sem jogar uma gota de água na cabeça. Segundo ele, é preciso ter consciência sobre o problema da falta de água no planeta… mas, o ponto aqui não é esse.
Lá estava um bando de gaivotas-de-capuz-cinza (Chroicocephalus cirrocephalus) há uns 200 metros de distância, pousada na margem de uma lagoa quase seca. A região norte do estado do Rio de Janeiro é um dos poucos lugares do sudeste do país onde essa espécie ocorre, e essa era uma boa chance de tirar uma foto do bicho. Fiz alguns clicks ainda de longe para garantir o registro (foto abaixo), mas era preciso me aproximar mais para conseguir uma foto melhor. Se as aves não vêm ao ornitólogo, o ornitólogo vai até as aves! Só havia um problema, a lagoa, que no final da estação seca havia se convertido em um mar de lama.
Pés descalços e lá vou eu atolado até o joelho de pouquinho em pouquinho me aproximando. Já estava a uma distância razoável quando resolvi erguer a máquina para fazer algumas fotos, antes que eu apertasse o disparador, as gaivotas resolveram alçar vôo e lá se foi minha foto com elas. Já havia perdido as esperanças e retomado a minha peregrinação pela lama, foi então que uma delas deu meia volta e veio voando na minha direção como se quisesse examinar o que aquele ser humano estava fazendo chafurdando na lama, aí foi só alegria.
Moral da história? Concordo plenamente, ser biólogo é a melhor coisa do mundo, mas é preciso mergulhar de cabeça na profissão, ou melhor, atolar o pé na lama.
Dinos in Rio 2009
Se você tem algum interesse por bichos pré-históricos e não foi ao Dinos in Rio 2009, perdeu!!
O evento foi realizado no Museu Nacional do Rio de Janeiro entre 24 e 30 de agosto. Além da exibição de obras de alguns dos mais renomados paleoartistas da América do Sul, a programação da 2 Exposição Internacional de Arte Paleontológica incluiu também diversas palestras ligadas ao tema.
Infelizmente, a falta de tempo não me permitiu assistir nenhuma das palestras, mas a exposição por si só já compensou a ida e volta de Búzios para o Rio na mesma manhã. Muitas das obras pareciam tão reais que davam a impressão que a qualquer momento iam criar vida e sair correndo ou voando pelos corredores do Museu Nacional.
Apesar de não voar, uma das obras em exposição, uma réplica feita utilizando técnica animatrônica do pterossauro brasileiro Tapejara imperator, era capaz de bater asas e foi uma das grandes atrações do evento. Outras obras que chamaram a atenção foram as reconstituições do Microraptor gui, Angataruma limai, algumas incríveis miniaturas em bronze de mamíferos do pleistoceno e diversas pinturas.
Confira abaixo algumas fotos…
Duelo de Titãs, Eremotherium x Smilodon, obra do paleoartista Maurílio Oliveira
Angaturama limai, obra do paleoartista Orlando Grillo
O menino e o pterossauro Tapejara imperator , obra do paleoartista Hugo Pailos
Esculturas em bronze
Skorpiovenator bustingorryi x Homo sapiens
Da esquerda para direita, Paraphysornis rennoi, Paraphysornis brasiliensis, Paraphysornis limai