Não, não é história de pescador!

No último dia 14, pescadores de Palhoça, Santa Catarina, capturaram um peixe com aspecto de uma serpente e com nadadeiras cor de rosa. A história parece de pescador, mas abaixo seguem as fotos que comprovam a história.

Peixe-remo (Regalecus glens), capturado no litoral de Santa Catarina

Regalecus glesne é o nome científico da exótica criatura, que é popularmente conhecida como peixe-remo. A espécie detém o recorde de maior representante da classe Actinopterygii, da qual fazem parte todos os peixes ósseos, podendo atingir incríveis 11 metros de comprimeto e pesar até 270 kg!!! Se não bastasse o tamanho avantajado, Regalecus glesne possui ainda as nadadeiras e um extravagante “topete” cor de rosa pink, dando um aspecto ainda mais bizzarro ao animal.

<i>Peixe-remo </i>(Regalecus glens), <i>capturado no litoral de Santa Catarina</i>.

Peixe-remo (Regalecus glesne), capturado por pescadores no litoral de Santa Catarina.

O indivíduo capturado em Santa Catarina é um jovem, medindo “apenas” 1,66 metros de comprimento. Sua captura, no entanto, possui grande importância científica uma vez que trata-se da primeira prova documentada da ocorrência da espécie nos mares da América do Sul, segundo Jules Souto, do Museu Oceanográfico da Univali, intituição para onde o espécime foi depositado. Ainda segundo Souto o único registro anterior da espécie na América do Sul foi feito por ele mesmo há 20 anos atrás também na costa de Santa Catarina, mas naquela ocasião o peixe não foi fotografado e nem capturado.

Graças ao seu tamanho e aparência fora do comum o peixe-remo pode ser o responsável por boa parte dos antigos avistamento das mitológicas serpentes marinhas em mares de todo mundo, conforme demonstra a ilustração abaixo de um Regalecus glesne encalhado na costa das Bermundas em 1860 e que na ocasião foi descrito como uma serpente marinha.

<i>Ilustração de um </i>Regalecus glens <i>encalhado nas Bermudas em 1860, o espécime foi orignalmente descrito como uma serpente marinha</i>.

Ilustração de um Regalecus glesne encalhado nas Bermudas em 1860, o espécime foi originalmente descrito como uma serpente marinha.

O Paradoxo do Pombo

Há alguns dias atrás fui à república de um colega de universidade que está conseguindo faturar um dinheiro extra imprimindo monografias, trabalhos, artigos e similares para outros universitários que não se importam em caminhar um pouco por causa de uma diferença de dois centavos por folha entre os preços da impressão caseira do meu colega e de sua concorrente, a xerox da universidade. 100 folhas impressas dão uma economia de R$ 2,00, com mais 10 centavos se pode comprar três miojos e para muito graduando bolsista de iniciação científica o jantar está garantido por pelo menos três dias.

Como a maioria das repúblicas por aqui, a desse meu colega não fica muito longe da universidade, um apartamento a cerca de três quarteirões de distância. Olhando por fora uma república como outra qualquer, mas é só subir as escadas e olhar pela janela que logo se percebe a diferença, a sua frente você verá umas duas dezenas de árvores com uma meia dúzia de banquinhos espalhados pelo chão de terra batida. Esse conjunto, árvores mais banquinhos é pomposamente chamado de “Horto Municipal”. Algo pouco impressionante, mesmo quando comparado a muitos aglomerados de árvores com status inferiores de praça e/ou parque que existem em qualquer cidade brasileira, mas em Campos dos Goytacazes, no extremo norte fluminense, qualquer árvore ainda de pé é uma rara sobrevivente dos quase quatro séculos de monocultura de cana-de-açúcar.

Enquanto a impressora trabalhava, eu me debrucei na janela e me pus a admirar a paisagem. Não demorou muito e encontrei um belo casal de saíras-amarelas (Tangara cayana) na copa de uma das árvores. Alguns segundos depois escutei as vozes do sanhaço-de-coqueiro (Thraupis palmarum) e da maria-é-dia (Elaenia flavogaster). Ao longe, abafado pelo som da impressora, se podia escutar também o canto mavioso de um sábia-do-barranco (Turdus leucomelas), tratei de imitá-lo no assobio e não demorou muito ele veio me responder em uma das árvores bem em frente da janela. Ele cantava de lá eu imitava de cá e logo depois ele respondia, meu anfitrião e operador de impressora achou a cena engraçada e soltou umas boas gargalhadas enquanto me chamava de maluco por conversar com os pássaros, “tinha que ser mesmo o Luciano passarinho”, dizia ele. Continuei ali na janela e antes que as 107 páginas fossem impressas eu já havia registrado outras 12 espécies de aves silvestres: corruíra (Troglodytes musculus), siriri (Tyrannus melancholicus), bem-te-vi (Pitangus sulphuratus), bentevizinho (Myiozetes similis), caga-sebo (Coereba flaveola), ferreirinho-relógio (Todirostrum cinereum), beija-flor (Amazilia fimbriata), lavadeira-mascarada (Fluvicola nengeta), rolinha (Columbina talpacoti), gavião-carijó (Rupornis magnirostris), andorinha (Pygochelidon cyanoleuca) e o  urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus).

Lavadeira-mascarada (Fluvicola nengeta), uma das muitas espécies de aves facilmente observadas na área urbana de muitas cidades do Brasil.

Lavadeira-mascarada (Fluvicola nengeta), uma das muitas espécies de aves facilmente observadas na área urbana de muitas cidades do Brasil.

Por mais incrível que possa parecer, conseguir registrar 16 espécies de aves silvestres em menos de meia hora a partir de uma janela em plena área urbana não é nenhuma façanha, muito menos um privilégio dos olhos e ouvidos sempre atentos de um ornitólogo. Em se tratando de Brasil, não importa a cidade, as pessoas só precisam abrir os olhos e os ouvidos e prestar um pouco mais de atenção a sua volta e logo se verão rodeadas por inúmeras criaturas interessantíssimas com nome e sobrenome e que até então não passavam de simples “passarinhos”.

A maioria das espécies de aves que habitam ambientes urbanos são geralmente bastante comuns nas regiões onde ocorrem e pouco exigentes quanto a qualidade ambiental, sendo por isso carionhosamente conhecidas como ornitolixo para alguns ornitólogos. Apesar disso, estas espécies podem ser de grande impotância para sensibilização e educação ambiental, agindo  como embaixadores da conservação de seus parentes não muito distantes, dependentes de áreas naturais mais conservadas. Em um trabalho publicado no periódico científico Conservation Biology, Robert R. Dunn e colaboradores (2006) definiram essa situação como “O Paradoxo do Pombo”. Segundo Dunn, a conservação dos ambientes naturais dependerá cada vez mais das chances das pessoas nas cidades conseguirem manter algum tipo de conexão com a natureza, o que na maioria dos casos se dará em áreas verdes encravadas dentro de grandes cidades e com a fauna e flora que habitam esses locais.

Na sua essência, o pensamento de Dunn e seus colegas é facilmente compreendido e remete ao fato que as pessoas estão muito mais suscetíveis e dispostas a conservar a natureza quando elas experimentaram algum tipo de contato direto com o mundo natural, seja em uma trilha no meio da floresta amazônica ou em um parque urbano próximo ao centro de São Paulo. Dessa forma, no quesito sensibilização, conscientização e educação ambiental, áreas verdes urbanas e as espécies oportunistas que nelas ocorrem possuem importância comparável a unidades de conservação situadas em áreas quase intocadas e as espécies raras e endêmicas que as habitam. Em uma sociedade cada vez mais urbanizada, compreender o “paradoxo do pombo” e promover a criação e manutenção de áreas verdes urbanas pode ser fundamental para acabarmos com um outro paradoxo, o fato de sermos um dos países mais ricos em biodiversidade do planeta e ao mesmo tempo um dos que menos cuida de tamanha riqueza.

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