Assim como diz o ditado popular, em 20 anos de profissão, sempre fui daquelas pessoas que deu prioridade ao trabalho de divulgação dos meus clientes e ao invés de divulgar o meu trabalho. Assim, demorei ao decidir alimentar minhas redes sociais com as produções que realizo como comunicadora e divulgadora científica.
Recentemente tive a ideia de discutir no meu twitter alguns dos comentários e solicitações que recebo como comunicadora. Essas postagens “despretensiosas” acabam sempre por trazer debates importantes sobre a comunicação e a divulgação científica e reforçam umas das ideias bases da minha vida profissional:
Fonte da imagem: I Got Work To Do Marilyn Deville – Tenor“O que é óbvio para você não é óbvio para todo mundo”
Vera Toledo
Ser ou não ser um divulgador científico
Foi em domingo de manhã, que me deparei com um comentário no particular do Twitter, sobre o meu texto “Como divulgar meu conteúdo de divulgação científica nas mídias sociais?“.
Na época, a equipe do Blogs Unicamp, estava ministrando uma série de palestras sobre divulgação científica e naquela semana era minha vez de falar sobre como pensamos a divulgação de nossos materiais de divulgação científica.
“Ah Erica, acho bem importante o trabalho de divulgação científica que vocês fazem no Blogs Unicamp. Mas não acho que eu, como cientista, devo fazer divulgação científica, não dou para isso. Então não imagino como contribuir para o projeto!
O comentário que recebi no particular.
Confesso que na primeira olhada, logo pela manhã, fiquei um pouco irritada com o comentário. Afinal são anos trabalhando no projeto, dando palestras, escrevendo sobre e falando com colegas da ciência e da comunicação sobre a importância da divulgação científica.
Aliás, deixarei aqui alguns textos que escrevemos sobre esse assunto:
- O que é Divulgação Científica?
- Como divulgar informações de prevenção do Covid-19 se a língua de seu país não é a sua?
- Como fazemos a divulgação da divulgação científica no Blogs de Ciência da Unicamp?
- Fazer divulgação científica por quê?
- Divulgação científica: da esfera individual para a institucional
- Como minha instituição pode apoiar a divulgação de ciência?
Mas, apesar da minha irritação inicial, é inegável que, profissionais que não são atuantes na divulgação científica e gostam do trabalho, se sintam de fora e não saibam muito bem como contribuir.
Então sugeri, em um fio no Twitter, uma listinha de possíveis atitudes que contribuem com a divulgação científica sem, necessariamente, precisar ser divulgador científico. A lista chamou tanta atenção que transbordou ao Twitter e foi parar em outras plataformas, como a capa do carrossel que usei nesta postagem.
Após alguns dias vários colegas me pediram para repostar o conteúdo, indicando um dos problemas frequentes em nossos debates no Blogs Unicamp, que se trata da importância de um repositório, já que com o passar do tempo fica praticamente impossível localizar conteúdos nas redes sociais.
Assim, nesta postagem, vou registar essa lista de atitudes que apoiam a divulgação científica, sem ser preciso que atue na profissão.
Porque essas atitudes de apoio a divulgação científica são importantes?
Não é de hoje que falamos sobre os impactos nos cortes de recursos financeiros dedicados a ciência, segundo o Jornal Nexo, em matéria publicada em 20/10/2021:
“Somados, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) tiveram, desde 2015, uma redução real de 9,8 bilhões de reais em seus orçamentos”.
De outubro de 2021 até o momento, em plena pandemia, momento em que o mundo precisou da ciência para enfrentar um problema emergente e letal, os cortes só continuaram. Conforme o jornal o Globo, repercutido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 27/06/2022:
“Ciência tem 44% do maior fundo de financiamento bloqueados (…) Um bloqueio de R$ 1,8 bilhão no orçamento da Ciência, Tecnologia e Inovação”
Em meio a constante queda nos recursos destinados à ciência, os divulgadores científicos procuraram não só demonstrar a importância e as consequências desses cortes para a ciência, mas atuar de forma efetiva em problemáticas urgentes da sociedade, se equilibrando entre seus compromissos profissionais e pessoais para além da divulgação científica.
Essa atuação foi demonstrada pela plataforma Science Pulse:
“O movimento na rede de ciência brasileira no Twitter, monitorada pelo Science Pulse, foi mais forte em 2021 do que em 2020 e respondeu a alguns dos principais eventos relacionados à pandemia: aplicação da primeira vacina, a escalada no número de mortes por Covid a partir de fevereiro/março, o anúncio da realização da Copa América no Brasil, e as denúncias apuradas pela CPI da Covid no Senado Federal”
UM ANO DE DISCUSSÕES CIENTÍFICAS NO TWITTER: AVALIANDO O IMPACTO DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA PANDEMIA
Ainda segundo o Science Pulse foi identificado que cientistas brasileiros dedicaram seu tempo a colocar conteúdo, análises e discussões sobre questões importantes e urgentes que surgiram a pandemia e ajudou a preencher um vácuo informacional da sociedade, servindo assim, como alternativa confiável para políticas públicas confusas e desinformação:
“Ausência de liderança, políticas públicas falhas e negacionismo por parte de governos contribuíram para essa atitude proativa da população em buscar informações, e por consequência, da reação dos comunicadores e divulgadores científicos. Nesse vácuo apareceu a importância dos pesquisadores como pessoas físicas falando nas redes sociais, e da imprensa tradicional”
NO TWITTER, CIENTISTAS PREENCHERAM VÁCUO DE INFORMAÇÕES NA PANDEMIA
Realmente, foi um trabalho descomunal: horas de estudos, acompanhamento das notícias, entrevistas, reuniões com colegas, lideres, influencer, intermináveis produções para redes sociais, aprendizado constante…
E está tudo bem se você não estava disposto a entrar nessa loucura.
Mesmo assim, não significa que o apoio não é importante e há maneiras bem simples de fazer isso.
07 passos para ajudar a divulgação científica
1 – Conheça cada vez mais canais da sua área de pesquisa e interesses.
Ao conhecer canais novos, em redes sociais e outras plataformas, você contribui para que seu algoritmo te sugira mais e mais canais sobre o mesmo tema, além de deixá-lo atualizado sobre os últimos acontecimentos e novidades, você estará contribuindo para a visibilidade desses divulgadores.
Ah, e não se esqueça de diversificar esse conteúdo
2 – Recomende os conteúdos desses divulgadores também offline
Ao conhecer mais e mais canais fica fácil recomendá-los em sua vida offline, como sugestões de palestras e participação em eventos, por exemplo.
Também é importante incluí-los em bibliografias, como: artigos científicos, aulas que for ministrar ou em suas próprias palestras.
3 – Inclua a Divulgação Científica em pedidos de financiamentos
A divulgação científica já vem sido cobrada por editais de financiamento público e privado, então é uma boa ideia incluí-la na previsão de recursos. Caso seu pedido seja contemplado você pode contratar profissionais, grupos e canais para fazer esse trabalho.
É importante lembrar aqui que a divulgação científica não é jornalismo, e este trabalho não trata somente dos resultados do trabalho. Portanto, a divulgação científica se faz necessária desde o início dos trabalhos.
Alguns financiadores dedicam editais a comunicação, jornalismo e divulgação científica, como: o Mídia ciência da Fapesp e os editais do Serrapilheira, por exemplo. Você pode se inspirar nesses editais para escrever seu projeto.
4- Inclua a Divulgação Científica no processo decisório de seu departamento ou grupo de ensino e pesquisa
A experiência na divulgação científica pode fazer parte dos critérios de decisão em processos seletivos, principalmente, quando o projeto de pesquisa prevê pesquisas em áreas relacionadas da divulgação científica.
Você também pode sugerir que o assunto seja incluso na programação didática dos programas de graduação, pós-graduação e, porque não, de ensinos médios e fundamentais, também.
5 – Esteja disponível para entrevistas aos canais de divulgação científica
É comum que divulgadores precisem consultar outros profissionais para seu conteúdo, principalmente quando existe uma demanda ativa nas notícias e nas redes sociais. Mas, é preciso entender que o tempo da divulgação científica e do jornalismo é bem mais rápido que o da ciência, então procure responder aos pedidos com o máximo de urgência possível, mesmo que seja para declinar do convite.
Se você não puder atender, não custa nada indicar outro profissional da área, isso facilita a vida do divulgador economizando horas de pesquisa e contato com novos cientistas, além de privilegiar o colega e garantir que a ciência divulgada não seja duvidosa.
6 – Incentive a divulgação científica a seus alunos e orientandos
Incentive a terem seus canais e sugira seus materiais, não esqueça de lembrá-los que é possível por seu material no Lattes na parte de “Educação e popularização de C&T”.
Também é interessante fazer contribuições no Wikipedia incluindo artigos de Divulgação Científica.
7- Não trate a divulgação científica como algo secundário e voluntário.
E por fim, não trate a divulgação científica como algo que não deve ser pago. As pessoas que se dedicam a essa profissão também tem seus boletos para pagar.
Respeite isso e trate como qualquer outra profissão. Não pressuponha que os divulgadores científicos trabalharão de graça, isso é ofensivo e desmotivador.
Referências
A imagem da capa é uma postagem feita pelo Hᴇʀᴍᴏ́ɢᴇɴᴇs Dᴀᴠɪᴅ – Professor | Univ. Federal do Ceará sobre o tweet que eu escrevi.
O Tweet:
Elci T Henz Franco
acho fundamental....divulgar, as vezes que realizei sempre foram importantes e ainda quero fazer mais