Sobre o “Victora Lab”
Quando escrevi a reportagem “Lanterna Microscópica”, publicada em janeiro de 2011 na Revista Pesquisa Fapesp, Gabriel Victora era estudante de doutorado.
Desde então, várias boas novas na carreira acadêmica do músico que se tornou cientista. Agora ele tem o seu próprio laboratório no Whitehead Institute, em Cambridge, nos Estados Unidos (o famoso instituto de pesquisa em ciências biomédicas que fica ao lado do MIT).
Na semana passada ele recebeu, das mãos do Francis Collins, diretor do NIH, o “early independence award“, prêmio para incentivar jovens cientistas a estruturarem suas carreiras acadêmicas independentes, sem a necessidade de realizar um pós-doutorado (aqui).
Agora é acompanhar o que o Gabriel tem feito com os linfócitos B!
Um matemático apaixonado por Borges
Talvez a maior expressão da minha brasilidade, agora que moro em terra norte-americana, seja o orgulho que sinto dos pesquisadores brasileiros daqui.
Fico encantada com suas trajetórias e diversificadas áreas de atuação. Histórias incríveis são reveladas quando converso sobre os caminhos pessoais e acadêmicos percorridos antes de aqui desembarcarem.
Foi o que aconteceu em um jantar recente na casa de amigos, onde tive a chance de aprender sobre o que leva um matemático a se enveredar pelos estudos literários.
Jacques Fux, bolsista de pós-doutoramento da FAPESP, chegou em Cambridge há quinze dias, assumindo a posição de visiting scholar em Harvard. Mineiro, formou-se em matemática e fez mestrado em ciências da computação, na UFMG.
Ávido leitor, apaixonado por Jorge Luis Borges, no seu doutorado optou por migrar para a literatura e acabou recebendo o prêmio CAPES de melhor tese de doutorado defendida em 2010 na área de Letras/Linguística. Ele estudou as relações entre matemática e literatura nas obras de Georges Perec e Jorge Luis Borges (aqui).
Agora é com ele.
1) Como um matemático foi parar na literatura?
Eu sempre gostei de ler e era completamente fascinado pela literatura de Jorge Luis Borges. Lendo seus relatos fantásticos, descobri que poderíamos encontrar diversos problemas e, entre eles, os de matemática e lógica. Assim, apaixonado por Borges, resolvi fazer uma matéria eletiva sobre esse autor argentino e o Judaísmo no doutorado em Letras da UFMG. Gostei muito e resolvi levar o projeto ‘maluco’ adiante. Logo depois, conheci minha orientadora e as obras do escritor francês Georges Perec. Descobri que existia um grupo na França que trabalhava com literatura e matemática e ‘voilá’, descobri o que gostaria de fazer.
2) Perec é conhecido por ter escrito um livro de quase 400 páginas sem utilizar a letra “e”. Por que essa opção pela ausência da vogal “e”? A matemática está presente nessa obra?
Essa restrição ou regra é conhecida como ‘Lipograma’. A letra “e” em francês é a letra mais frequente e a que mais se usa nas construções gramaticais. Retirá-la é, de fato, um grande problema e aí nasce a genialidade e audácia de Perec. Um dos motivos de Perec retirar essa letra é prestar uma homenagem a seus pais, mortos durante a Segunda Guerra Mundial. Sua mãe (mère) morreu em Auschwitz e seu pai (père) no fronte de batalha. Segundo o próprio autor, os nazistas subtraíram dele as pessoas mais importantes de sua vida. Ele, ainda criança e órfã, foi capaz de seguir adiante mesmo sentindo a grande falta que seus faziam. Assim decidiu escrever um livro privando-se da letra mais importante do alfabeto, das letras que formam seu próprio nome e construir arduamente um projeto que fizesse referência a esses ‘desaparecimentos’ – “La disparition”.
3) Você poderia citar um exemplo do uso da matemática por Perec e Borges em suas obras?
Perec usa a matemática como estrutura na sua escrita, como por exemplo o Lipograma, o Palíndromo e os quadrados mágicos. Já Borges utiliza a matemática como um artifício conceitual. Trabalha com o problema do infinito, da contagem (enumeração) e dos paradoxos.
4) Quais foram as conclusões da sua tese?
O que eu tentei mostrar na minha tese é que quanto maior o conhecimento matemático de um leitor diante dos textos do Perec e do Borges, maior sua capacidade de entender e desvendar os diversos segredos, mistérios e belezas de seus escritos. Porém, mesmo sem conhecer matemática, há diversas camadas e possibilidades de leituras.
5) O que você pretende fazer com os recursos do prêmio?
Estou migrando definitivamente para a Literatura. A escrita, a poesia e a beleza das letras me conquistaram. Meu projeto é trabalhar mais profundamente com os escritos testemunhais e com os problemas da memória e da narração de momentos traumáticos.
6) Agora você está partindo para o seu segundo pós-doutoramento.
No primeira parte do meu pós-doutorado estudei a relação entre Perec e a Shoah. Como podemos entender seus escritos e seus relatos ‘faltantes’ e inventados já que viveu uma grande perda na vida. Agora pretendo estudar as novas representações possíveis e artísticas da Shoah (Holocausto) em uma época em que os sobreviventes estão desaparecendo por completo. Como as novas gerações “receberão” esse acontecimento terrível que foi a morte industrializada de milhões de pessoas durante o período nazi.
7) De onde vem o seu interesse por literatura infantil?
Eu gosto muito de escrever e minha escrita é muito tocada pelo Borges. Segundo ele, a literatura é a própria capacidade de falar e escrever sobre ela mesma. Logo escrevi um livro (ainda não publicado) para crianças de todas as idades sobre os “Porquês” da vida dando respostas literárias a essas questões. Os personagens do livro são escritores, poetas e personagens literários bem conhecidos, como Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Riobaldo, O Gato de Cheschire, As baratas de Kafka e Lispector, o Tigre de Borges, entre outros.
8) Qual trecho de Borges que mais te toca? E de Perec?
Do Borges: “que a história tivesse copiado a história já era suficientemente assombroso; que a história copiasse a literatura era inconcebível”.
Do Perec: “Uma vez mais, as armadilhas da escrita se instalaram. Uma vez mais, fui como uma criança que brinca de esconde-esconde e não sabe o que mais teme ou deseja: permanecer escondida, ser descoberta.” Essas duas frases me deram inúmeros argumentos literários e, a partir delas, escrevi meu primeiro romance recentemente chamado “Antiterapias”.
Conheça as linhas de pesquisa de brasileiros em Boston
De tempos em tempos, um grupo de cientistas/pesquisadores/estudantes brasileiros que moram em Boston se reúne para:
– conhecer o que nossos compatriotas estudam, pesquisam, criam;
– estabelecer rede de contatos;
– discutir temas de interesse comum.
Durante o nosso último encontro, que aconteceu no dia 2 de dezembro, contamos com a participação de brasileiros que estão atualmente no MIT, Harvard, Tufts e Boston University.
Nossos palestrantes foram: Renato Mikio (Engenharia), Jonilson Berlink (Imunologia) e Anna Penido (Jornalista). Aí vai o vídeo (o primeiro de uma série, assim espero):
Pesquisador@s brasileir@s em Boston – vídeo 1 from Pó de Imburana on Vimeo.
Curso oferecido a alunos do MIT foca em habilidades e conhecimentos necessários para ensino de ciência e engenharia
Sanjoy Mahajan quer “melhorar a forma como ensinamos ciência, matemática e engenharia”. Professor do MIT e Diretor Associado do Teaching and Learning Lab, Mahajan ofereceu no ano passado um curso voltado para alunos de pós-graduação interessados em seguir carreira acadêmica e em dar aulas no nível superior. Seguindo o perfil open acess do MIT, o curso está disponível de graça online (aqui), como parte da coleção MIT Open Course Ware.
“My Wife and My Mother-In-Law” by William Ely Hill, 1915. Teachers help students see patterns. (Fonte: Wikimedia Commons.)
A ementa do curso inclui tópicos de extrema valia para professores universitários, como: elaborando provas e lições de casa; incorporando história da ciência, criando aulas atrativas; planejando um curso, entre outros.
Marcelo Mori, pós-doutorando da Universidade de Harvard, foi quem achou o valioso curso e sugeriu sua divulgação aqui no blog. Mori e outros tantos brasileiros participaram do terceiro encontro de pesquisadores brasileiros em Boston (leia sobre o primeiro encontro aqui), que aconteceu no último sábado (21). Tínhamos como pauta uma interessante e longa discussão: como a vivência no exterior vem impactando a formação acadêmica de tais cientistas e como compartilhar, já, um pouco dessa experiência com o Brasil. Passamos por vários pontos, desde quais foram as motivações para buscar trabalhar em centros de excelência no exterior, principais dificuldades no início, passando por eventuais deficiências de formação que dificultaram a adaptação e, por fim, lições aprendidas até agora.
Durante o extenso debate surgiu a reflexão de que, ao longo de nossa formação acadêmica no Brasil, somos precariamente treinados para sermos professores universitários (formação específica para dar aula; treinamentos, técnicas, e por aí vai). Foi nessa hora que Mori comentou sobre o curso acima.
Em breve divulgaremos aqui no blog um resumo do produtivo terceiro encontro. Aguardem!
PS: escrevi sobre o MIT Open Course Ware para o blog da SBI (aqui).
Criança e cidadania é o foco do trabalho de Leo Burd, brasileiro no MIT
Enquanto me preparava para entrevistar o Leo Burd, brasileiro que assumiu recentemente o cargo de pesquisador no Media Lab (MIT), me comovi ao imaginar o impacto de seu trabalho. Li vários links, posts em blogs, trechos de sua tese e a imagem que me veio foi a do Leo carregando uma bandeja abarrotada de diferentes tecnologias desenvolvidas para um público muito especial: as crianças.
Leo Burd, pesquisador brasileiro no Media Lab (MIT). Arquivo pessoal
Tecnologias para estimular a garotada – como ele gosta de chamá-las – a participar efetivamente como cidadãs em suas comunidades, especialmente as carentes.
“As crianças, hoje em dia, são muito oprimidas ou deixadas de lado, tanto em famílias de baixa quanto de alta renda. São marginalizadas de uma maneira não óbvia. A criança vai para escola de manhã, faz alguma atividade e depois volta para casa. O tipo de contato que ela tem com o mundo externo e com a sociedade de uma forma mais ampla é muito restrito. E o contato com os adultos tende a ser muito de cima para baixo, muito dirigido. A criança que sempre teve que obedecer ordens e ficar em ambientes condicionados, de repente completa 18 anos e é considerada cidadã do mundo. Que opinião essa pessoa vai ter se nunca teve oportunidade de testar suas próprias ideias no mundo? Colocamos muita expectativa em cima dos jovens, o futuro está em suas mãos, mas nunca ajudamos a prepará-los para que se tornem cidadãos do mundo moderno; é uma área muito deficiente”, disse Leo Burd durante a entrevista.
No recém-lançado Department of Play, do qual Burd é co-fundador, o grupo vem criando e implementando diferentes tecnologias, principalmente baseadas em mapas, internet e telefonia. As imagens de crianças usando balões para tirar fotos de seu bairro e, em seguida, montando um mapa, são lindas.
Quer saber mais? Leia a entrevista publicada na revista Ciência & Cultura (texto e pdf).
Pesquisadores brasileiros em Boston
No último sábado (24), minha casa se encheu de gente interessante. Não é só por serem brasileiros que os chamo de interessantes (dá-lhe saudades!), mas também por realizarem pesquisas formidáveis em universidades de ponta. Após várias horas de apresentações e discussões, posso dizer que me enchi de orgulho.
Podem chamar de ufanismo, não me importo.
A ideia de reunir pesquisadores brasileiros residentes em Boston partiu de Marcelo Mori e de José Raimundo Correa. Eu e meu querido amigo Leo Iwai concretizamos e organizamos o evento informal que começou cedo e seguiu noite adentro. Cada pesquisador tinha cinco minutos para falar, e o desafio imposto era explicar sua linha de pesquisa para uma plateia diversificada: químicos, engenheiros, biólogos, biomédicos, dentistas, fisioterapeutas, entre outros.
Dos envolvidos com biologia e saúde, ouvimos sobre imunologia (diabetes, injúria por reperfusão renal, receptores lipídicos), microRNA (envelhecimento e restrição calórica), doença de Chagas, células tronco em Drosophila, fatores de crescimento para enxerto ósseo dentário, lesão medular, BMPs (Bone morphogenetic proteins). Tem também endocrinologista estudando plaquetas e uma biomédica do InCor que ainda está a definir seu projeto em doenças cardiovasculares.
Dos engenheiros que têm um pé nos negócios, aprendemos sobre pesquisa operacional aplicada a energia e também ao mercado de paineis solares. Outro engenheiro busca tornar o trabalho dos controladores aéreos mais fácil. O aprimoramento de paineis solares portáteis é também um dos projetos em andamento de um dos engenheiros brasileiros trabalhando em Boston.
Aprendemos sobre um protótipo em desenvolvimento que pode revolucionar a oftalmologia e o receituário oftalmológico. Very disruptive! Discutimos o tema urgente e atual da combustão de bagaço de cana. Morando no exterior, todo brasileiro acaba em algum momento sendo questionado sobre o etanol… Ah, tivemos também representantes do mundo corporativo e uma professora das escolas públicas de Cambridge.
MIT, Harvard e Northeastern foram as universidades representadas desta vez. Esperamos ampliar nossa rede de brasileiros em Boston, buscando por pesquisadores em outras instituições e em outras áreas do conhecimento.
É o networking tupiniquim em ação!