Burocracia na pesquisa científica gerando empregos

Bureaucracy by ItsK
Bureaucracy by ItsK

A pesquisadora Lygia Pereira da Veiga desabafou bonito no facebook:

E querem saber? EU NÃO AGUENTO MAIS!!!! ANVISA, DEIXE EU FAZER MINHA PESQUISA!!!

Células-tronco congeladas em gelo seco, enviadas para uma colaboração com Harvard (eu disse HARVARD!!!) estão há 10 dias no aeroporto, paradas pela ANVISA, que só falta pedir um documento com o nome de solteira da mãe pra liberar o material. Pô, é muito difícil fazer um cadastro de pesquisadores e facilitar a entrada para eles?

É como ela disse: rola uma pressão absurda do governo e da sociedade para o Brasil melhorar a produção científica e inovação. Mas como fazer isso se quem está afim de fazer só toma porrada por falta de estrutura no país?

É isso mesmo Lygia, tem que rodar a baiana! Enquanto o projeto de lei do Romário para facilitar a importação de insumos pra pesquisa não sai, vamos ficar nesse limbo da ciência, fazer o quê?

Mas veja pelo lado positivo: uma das exigências da anvisa é essa:

“Obs: Orientamos ao preencher a declaração, evitar termos muito técnicos ou nomes de difícil entendimento para facilitar a compreensão.”

Opa, olha aí uma oportunidade para os pós-graduandos formados sem emprego: tradutor de termos técnicos científicos para burocratas aduaneiros!

Pois é, para fazer ciência no Brasil você tem que considerar que o copo está metade cheio.

O hamburguer não é de vaca, mas o molho sim!

Viu essas notícias de carne feita em laboratório?

No Estadão

O produto, que está sendo chamado de ‘Frankenburger’, é feito a partir de 3 mil pequenas tiras de carne cultivada a partir de células-tronco.

(…)O processo de fabricação de carne artificial começa com a retirada de  células estaminais do músculo de uma vaca. As células são incubadas em caldo nutriente e se multiplicam várias vezes, criando um tecido adesivo com a consistência de um ovo cozido.(…)

A notícia fala que agora a técnica vai ajudar a “reduzir a quantidade de áreas verdes, ração animal e combustível na produção de carne bovina.Cada quilo de carne exige 10 quilos de ração e óleo vegetal, mas a carne cultivada só precisa de dois”.

Olha, sei não hein. É que o caldo nutriente pra fazer as células crescerem (sim, células precisam comer também) é feito quase sempre de soro BOVINO, geralmente ou de fetos ou de bezerros. Isso é muito caro hoje em dia, e é comprado em empresas estrangeiras pra uso nos laboratórios. Antigamente os cientistas tinham que fazer o soro no próprio lab. Como? Cozinhando um monte de carne em panelões por um tempão até fazer um caldo de carne, que era fervido mais e engarrafado para usar nas células. Imagina o cheiro disso!

Viu só, pra fazer o hamburguer com células você ainda precisa de vaquinhas. Na verdade de suco de vaquinhas, que é o soro.

Algumas comidas de célula (o nome certo é meios de cultura), não usam soro bovino, mas são mais caros ainda! Eles são totalmente sintéticos e custam uma fortuna justamente porque dão muito trabalho e gastam muito mais energia pra fazer. Será que isso entrou nessa conta da sustentabilidade da carne in vitro ou o pesquisador achou um método novo de dar de comer para as células? Temos que averiguar.

Cultivar rins, corações e outras partes em laboratórios eu acho bacana, mas bifes pra proteger o ambiente parece balela. Melhor comer um hamburguer de soja.

Derrubando Torres de Marfim – o RNAm vai à Escola!

E-Learning.jpegExistem diferentes motivos para se trabalhar com divulgação científica, dentre os quais se destacam, na minha opinião:

  1. Diminuir o abismo que existe entre os cientistas – produtores do conhecimento – e a população em geral, que muitas vezes têm acesso somente a matérias superficiais que costumam exagerar na simplificação do conteúdo cometendo erros conceituais gravíssimos;
  2. Promover um processo de educação não-formal que, pelo menos idealmente, pode se tornar um fator importante de difusão de conhecimento, de modo acessível a todos.

Claro, ainda estamos a anos-luz de atingir o grau de qualidade/interação/penetração que esperamos das nossas ações junto ao grande público. E, apesar de eu saber que essa não é ideia de todos os divulgadores de Ciência, tenham certeza que eu sou uma das pessoas que sonha em conseguir esses feitos.

O próprio título é menção direta ao conceito da “Torre de Marfim”, que designa um mundo ou uma atmosfera em que intelectuais se envolvem em questionamentos desvinculados das preocupações práticas do dia-a-dia. Fácil perceber o quanto eu sou contra isso, não?

Assim, foi com grande prazer que eu e o Rafael integramos o grupo de convidados do “I Ciclo de Palestras de Biologia” da E.E. Myrthes Therezinha Assad Villela, que aconteceu dia 17/10/2009, em Barueri – SP.

Faz tempo que aconteceu, eu sei, mas achei uma pena não termos comentado nada até o momento. Depois de algumas conversas excelentes que tenho tido com outros educadores, resolvi tirar esse texto da gaveta, e compartilhá-lo com todos.

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Minha palestra sobre células-tronco (foto: arquivo pessoal)

Essa atividade idealizada e realizada pelo Prof. de Biologia Flávio Rodrigues Grassi teve como principal objetivo levar pesquisadores de diversas Universidades (Federais e Estaduais) e Institutos de Pesquisa à Unidade Escolar para expor aos alunos do Ensino Médio um pouco da realidade do meio acadêmico-científico.

Além das nossas palestras, tiraramos dúvidas sobre nossas especialidades, e tentamos abordarar de maneira diferente assuntos do conteúdo programático do ano letivo e para vestibulares.

Foi uma manhã muito interessante, em que pudemos ter bastante contato com uma grande quantidade de alunos que mostrou-se bem interessada, e, claro, com uma grande quantidade de dúvidas que esperamos ter esclarecido. As palestras, e seus respectivos palestrantes, foram:

Animais Peçonhentos.
Biól. André Marsola: Bolsista PAP (Programa de Aprimoramento Profissional) do Laboratório de Artrópodes do Instituto Butantan.

Entendendo as Células-tronco.
M.Sc. Gabriel Cunha: Doutorando em Biologia Molecular da Disciplina de Biologia Molecular/Depto. de Bioquímica da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).

Alimentos x Câncer
M.Sc. Márcia Miyuki Hoshina: Doutoranda do Laboratório de Mutagênese do Depto. de Biologia Celular e Biologia Molecular da UNESP (Campus Rio Claro)

O que é Câncer?
Biól. Rafael Soares: Doutorando pelo programa de pós-graduação em Biotecnologia da USP

Obesidade e Diabetes Mellitus
Dra. Talita Romanatto: Doutorado em Fisiopatologia Médica pelo Depto. de Clínica Médica da Fac. de Ciências Médicas da UNICAMP, iniciando o pós-doutorado na USP.

Foi um grande prazer participar dessa manhã dedicada à interação cientista-aluno, em que todos pudemos fazer um pouco de divulgação científica in loco, com respaldo imediato do público-alvo. Sem dúvida foi a primeira de muitas e aguardamos ansiosamente novos convites!

Pneuzinhos revolucionando a Medicina?!

Como muito bem lembrado pelo Blog 80 Beats (Discover Magazine), o filme Clube da Luta foi bastante feliz em apontar que a gordura retirada na lipoaspiração era muito valiosa para virar lixo. Enquanto no filme os personagens (ou não) -> mini-spoiler 1 pegaram esse descarte biológico para fazer sabão (ou não) -> mini-spoiler 2, pesquisadores desenvolveram uma maneira de reprogramar essas células de gordura em células-tronco, num procedimento muito mais eficiente do que os métodos atuais de produção de células-tronco induzidas, chamadas iPS.

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Bob tinha “bitch tits” cheias de candidatas a iPS!

O que são as iPS?
Essas células são um tipo de célula-tronco de caráter pluripotente (ou seja, que têm capacidade de dar origem a praticamente qualquer tipo celular do nosso organismo). As iPS são produzidas de modo artificial a partir de células não-pluripotentes (geralmente adultas), pela indução da expressão de genes específicos.

Quando essa indução é bem-sucedida, a célula adulta “regride” a um estado de menor diferenciação (ou especialização) celular, o que dá à mesma características de células-tronco. Acredita-se que as iPS sejam idênticas em muitos aspectos às células-tronco pluripotentes naturais, como as células-tronco embrionárias, por exemplo. Quem quiser ler um pouco mais sobre essas células, pode clicar AQUI.

Por esse motivo, a revista Science escolheu a produção de iPS como o grande avanço científico do ano de 2008. Se realmente pudermos confiar no potencial e segurança das iPS, pode ser que toda a discussão que envolve a utilização das células-tronco embrionárias não seja mais necessária. Imaginem o que uma tecnologia dessas pode significar para os estudos de biologia molecular, e futuramente para a medicina…

Pneuzinhos são ruins? Prá nossa saúde sim, para conseguirmos células-tronco induzidas, não!
ResearchBlogging.orgA obtenção de células-tronco por reprogramação de células adultas mais famosa consiste na transformação de células da pele em iPS. Apesar de o procedimento ter sido de extrema importância por inaugurar essa nova técnica, continua bastante ineficiente, demorando aproximadamente 1 mês para que, de cada 10000 células induzidas, uma realmente se transforme em uma iPS. Por isso, muitos grupos de pesquisa encontram-se na busca por tecidos que possam ser transformados em iPS de modo mais rápido e fácil.

O trabalho utilizando células de gordura para a produção de células-tronco induzidas foi publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (em Inglês, o artigo está aberto para download). Os cientistas prepararam as células do tecido adiposo (gordura) provenientes de material de lipoaspiração doado por pacientes do Dr. Michael Longaker, cirurgião plástico da Universidade de Stanford, sendo que cada paciente doou um volume entre 1 e 3 litros de gordura.

As células do tecido adiposo foram preparadas e reprogramadas em apenas duas semanas, sendo que somente o processo de reprogramação de células da pele demora 4 semanas. Ainda, o procedimento utilizando as células do tecido adiposo demonstrou uma eficiência 20 vezes superior à conversão das células da pele!

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Crescimento das células transformadas em iPS (marcadas em verde)


Em entrevista à Nature News, Ron Evans, fisiologista molecular do Salk Institute em La Jolla, California, disse que as células do tecido adiposo são “até o momento o tipo celular com maior eficiência e eficácia descrito para a geração de iPS”.

Outro aspecto bastante importante do estudo publicado na PNAS é que os pesquisadores usaram um protocolo de preparo das células diferente do padrão, em que não foi utilizada a chamada “feeder layer”, que consiste em uma camada de células de camundongos responsável por fornecer algumas moléculas que a pouca quantidade de células extraídas dos tecidos para indução não é capaz de fabricar.

O fato de se conseguir iPS num ambiente livre dessas células “mantenedoras” é de grande valia, pois as “feeder layer” impossibilitam qualquer chance de se utilizar outras iPS em tratamentos clínicos, devido ao perigo de se obter uma contaminação com produtos das células de camundongos.

Engraçado nós vermos um estudo assim nos tempos de hoje. Ao mesmo tempo em que existe uma grande “cultura ao corpo” que extrapola os limites da saúde e promove a campanha de que “toda a gordura é ruim”, vemos um artigo publicado numa das revistas científicas mais importantes da atualidade mostrando justamente o valor que o material que muitos lutam todos os dias para se livrar (as temidas gordurinhas) pode ser um dos grandes materiais para as pesquisas de ponta em diversas doenças e em seus respectivos tratamentos.

Claro que não estou discutindo as recomendações de saúde em relação ao excesso de gordura na constituição corporal, ou ainda à importância de termos hábitos saudáveis,
mas é impossível não ver um paradoxo um pouco cômico. De repente vemos um grande aliado surgindo de um dos maiores problemas em termos de saúde no mundo contemporâneo.

Sun, N., Panetta, N., Gupta, D., Wilson, K., Lee, A., Jia, F., Hu, S., Cherry, A., Robbins, R., Longaker, M., & Wu, J. (2009). Feeder-free derivation of induced pluripotent stem cells from adult human adipose stem cells Proceedings of the National Academy of Sciences DOI: 10.1073/pnas.0908450106

Artigos-fantasma na Alemanha e mortos vivos na Coréia

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Deu na Nature: Virgem Maria, o bixo tá pegando este mês! Mais um caso de malandragem científica.
Dessa vez na Alemanha, em um dos maiores centros de pesquisa do país, o Centro de Pesquisa Colaborativa (SFB).
Desesseis de seus membros foram acusados de citar no relatório anual artigos publicados que não existem. Os pesquisadores se desculparam por enviar informações falsas.
Mas desculpas não pagam os 16,6 milhões de euros investidos desde 2000 para o projeto de estudo de florestas na Indinésia.
Não que a mentira invalide toda a pesquisa ou o investimento feito, mas nenhuma mentira vem sem motivo. E o motivo seria excesso de cobrança ou falta de resultados mesmo? Ainda não se sabe.
Enquanto isso na Coréia…
E depois do escândalo do pesquisador sulcoreano Woo Suk Hwang, que maquiou dados de sua pesquisa com clonagem de célula-tronco humanas, só agora que o governo da Coréia do Sul autorizou outra pesquisa nesta área de clonagem. Desde o escândalo em janeiro de 2006 que ninguém lá era autorizado a fazer este tipo de pesquisa.
Agora as células tronco renascem da sepultura coreana.
Tempo muito valioso foi perdido, afinal a área de terapia celular é a área mais competitiva da biologia atual, e a que está se expandindo mais rapidamente. Dois anos podem fazer muita diferença nesta corrida científica.