Novas reflexões sobre o caso da ex-invisível e atual fedida Lagoa da Turfeira.

por Luciano Moreira Lima

NOTA IMPORTANTE: para quem está acompanhando o caso a partir de agora é bom ler o texto anterior também publicado aqui no Caapora (scienceblogs.com.br/caapora) para se situar melhor. 

Sexta-feira está aí, é hora de recapitular os fatos…

Brejos, pântanos, manguezais e ecossistemas correlatos sempre foram alvo de um certo preconceito por parte da população geral. Além do Shrek, que -embora simpático- não deixa de ser um ogro, outras coisas não muito desejáveis são comumente associadas às área úmidas, mesmo que injustamente. A malária, por exemplo, tem origem no expressão “mal are”, pois se acreditava que só do sujeito respirar o “mal ar” dos brejos era tiro e queda pra tombar na cama.

Ogros pantanosos, doenças olfativas e outras injustiças cometidas contra as áreas úmidas à parte, é difícil deixar de lado uma característica que faz com que certas pessoas “torçam o nariz” para esses ecossistemas, e que acomete principalmente os manguezais, um característico cheirinho de enxofre. Quem já desbravou áreas de mangue sabe bem do que eu estou falando. É só afundar um pouco na lama que logo sobe aquele cheirinho mais forte. Não adianta olhar com cara feia para o amigo que vai caminhando na frente, a real causa cheiro é a decomposição intensa de matéria orgânica por uma miríade de bactérias que durante o processo acabam liberando enxofre.

Da Ilha de Marajó, no PA, à região de Guaraqueçaba, no PR, já percorri muitas áreas úmidas no encalço da passarada, mas nem os manguezais dos fundos da Baía de Guanabara superam o “mal are” que está exalando das áreas úmidas aterradas nas imediações da Lagoa da Turfeira. Dessa vez, no entanto, a culpa não é das bactérias, o mau cheiro é “daquilo mesmo que vocês estão pensando” que fizeram ali. Cheguei à conclusão que o “mal ar”  está tão forte que tem levado a uma desbaratinização completa de algumas pessoas que visitaram a área a ponto destas afirmarem veementemente que havia sim sido detectado uma redução do espelho d’água e depois tentarem justificar o injustificável argumentando coisas do tipo:  “não não, não matamos ninguém só amputamos um braço e uma perna, mas agora vamos monitorar o estado do paciente, vai morrer não, pode ficar tranquilo”.

Oooooh catinga!!!

Não vou entrar em detalhes sobre o disse-me-disse, mas muito tem se falado e algumas perguntas importantes ainda não foram respondidas:

Afinal, há ou não há um estudo de impacto ambiental sobre a malfadada obra? Se há, cadê?

Se não há, por que não há? Só estão dispensadas de apresentarem tal relatório empreendimentos considerados de baixo impacto, o que nos leva a outra pergunta importante: obras às margens de uma lagoa de quase 70 hectares são de baixo impacto?

Uma outra questão básica pode ser levantada aqui: se não houve estudo de impacto ambiental, não houve uma caracterização da lagoa, se não houve caracterização da lagoa como se sabe o nível que ela atinge durante a época da cheia. Sem saber isso, como estipular então onde começa o limite de proximidade a que a obra pode chegar (sendo ela 0,1 ou 1000 metros)? Essa fedeu muito, não?

Tem também a questão da licença de instalação, mas primeiro vamos esperar a resposta a essas perguntas mais básicas.

Desde a minha ida na lagoa na fatídica tarde do último sábado (21/04) fiquei imaginando que uma foto aérea atual seria perfeita para demonstrar o estrago. E não é que ontem a foto apareceu? Aproveito para agradecer ao Celso Dutra que gentilmente postou a imagem no meu FaceBook, e também ao André Pol que produziu o esquema abaixo mostrando que de fato houve sim o aterro de áreas alagas, pelo menos 5, também de acordo com o André. Na foto é possível ver ainda o quão colado na lagoa está o empreendimento, pelo visto as capivaras vão ter que se adaptar e passar a pastar as algas do fundo do espelho d’água.

Vista aérea do estrago. Repare nos diversos espelhos d'água aterrados pela obra e na proximidade com a lagoa, especialmente no canto superior direito da obra. Foto gentimente encaminhada por Celso Dutra.

Detalhe da foto aérea mostrando o aterramento de diversas áreas úmidas junto a Lagoa da Turfeira. Esquema gentilmente encaminhado por André Poll.

Detalhe da foto aérea mostrando o aterramento de diversas áreas úmidas junto a Lagoa da Turfeira. Esquema gentilmente encaminhado por André Poll.

A única dúvida que faz tempo já deixou de existir é sobre a importância conservacionista da Lagoa da Turfeira e áreas úmidas adjacentes, fato apontado diversas vezes até mesmo por aqueles que querem destruir a área. Paradoxal não? Fica mais uma pergunta: se já estava todo mundo careca de saber que a área é importante, por que não criaram a reserva antes? Mas tudo bem, pensemos no “antes tarde do que nunca”. Já que a reserva será criada, que tal ser tranformada em uma opção de lazer, com visitação controlada, que vai completamente ao encontro da vocação ambiental do município de Resende?

Abaixo seguem duas fotos para servirem como exemplo de parques em áreas úmidas que além de conservarem a biodiversidade, promovem a eduacão ambiental e geram recursos. Qualquer um que admire a natureza e tenha tido a chance de passear um pouco fora do país sabe que mundo afora, especialmente em paises como o Japão da Nissan, existem inúmeras reservas como essas da foto, grande parte delas inclusive como uma diversidade de aves muito MENOR que a da Lagoa da Turfeira.

Uma das muitas reservas mundo afora que unem conservação, educação ambiental e geração de recursos. Será que em um ano conseguimos ver a Lagoa da Turfeira assim?

Uma das muitas reservas mundo afora que unem conservação, educação ambiental e geração de recursos. Será que em um ano conseguimos ver a Lagoa da Turfeira assim?

Uma das muitas reservas mundo afora que unem conservação, educação ambiental e geração de recursos. Será que em um ano conseguimos ver a Lagoa da Turfeira assim?

Falando em Nissan e Japão, o famoso jornalista Ricardo Boechat (que literalmente mandou a prefeitura de Resende pra PQP – duvida?! eu também duvidei… ouça aqui) fez mais uma excelente e mal cheirosa pergunta: Será que o governo japonês autorizaria a construção de uma fábrica da Nissan em um local equivalente à nossa Lagoa da Turfeira? Será? Será? Não precisa assistir Globo Repórter e ouvir o Sérgio Chapellin falando “depois do intervalo, os segredos da longevidade dos japoneses” para saber que a resposta para a pergunta do Boechat. Afinal não é à toa que no Japão se vive mais, se sabe mais e trapalhadas políticas são motivo de comoção nacional, e isso tudo passa claramente pela relação do povo japonês com a natureza.

Fica então a pergunta final endereçada para a Nissan e seu presidente no Brasil Sr. Carlos Goshn: com tanta área de pasto abandonada Resende afora vocês vão mesmo querer construir a fábrica em um local que a coloca como uma séria ameaça a última grande área úmida remanescente da região Sul Fluminense? Pois se for o caso e essa importante empresa multinacional não der a mínima para um termo tão em moda quanto responsabilidade sócio-ambiental, é bom vocês irem se acostumando com o cheiro, porque com certeza, vez ou outra o negócio vai feder.

Depois da vergonha do Código Florestal, mais uma vez a sanidade ambiental do governo brasileiro está sendo colocada à prova. Agora é esperar e ver o que o que o laudo oriundo da visita do INEA irá concluir.

Aproveito para agradecer em meu nome e em nome da Lagoa da Turfeira e sua biodiversidade a todos que de alguma forma estão acompanhando, compartilhando, e lutando, especialmente o vereador Dr. Gláucio Julianelli e a jornalista Ana Lúcia Corrêa de Souza que assumiram posições no pelotão de frente.

 

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