Segundo agências de checagem de fatos, 90% dos textos abordam a questão da segurança das vacinas. Eles distorcem estudos, peças publicitárias e até falas do Diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, parte dos conteúdos trazem vídeos de médicos e especialistas (nem sempre reconhecidos pela comunidade científica) que desaconselham vacinar as crianças, contribuindo para confundir a população.
Contexto
Após pouco mais de 22 meses desde que a OMS caracterizou a Covid-19 como pandemia, as vacinas ainda são a única medida eficaz, de que se tem notícia, para combater a doença, porém, no Brasil a imunização tem sido questionada não só por movimentos historicamente contrários às vacinas, mas também, surpreendentemente, por lideranças políticas que, paradoxalmente, deveriam zelar pela saúde da população.
O último embate, em que mais uma vez as autoridades nacionais se prestaram ao papel de questionar a necessidade das vacinas, começou no dia 26 de outubro de 2021 quando o comitê de especialistas do Food and Drug Administration (FDA), agência federal reguladora de saúde dos Estados Unidos, recomendou a aplicação da vacina em crianças de 5 a 11 anos. Assim, no dia 27, a imprensa noticiou que a farmacêutica Pfizer anunciou que solicitaria à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorização para vacinar crianças a partir de 05 anos de idade, o que se deu no dia 12 de novembro.
Já em16 de dezembro, a agência aprovou o uso e divulgou os resultados técnicos de sua análise. Aliás, no mesmo dia, em live para seguidores, o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), ameaçou divulgar os nomes dos técnicos da Anvisa que participaram da aprovação do imunizante para crianças. Além disso, no dia 18, o quarto ministro da Saúde da gestão Bolsonaro, Marcelo Queiroga, anunciou que o governo federal realizaria uma consulta pública sobre a vacinação de crianças antes de decidir se aprovaria o início da imunização para elas, medida criticada tanto por médicos quanto por técnicos da Anvisa.
Por que é importante verificar quais fake news circularam em dezembro?
Em Saúde Pública (mas não apenas), a desinformação é um gravíssimo problema, pois, pode, por um lado provocar sobre demanda nos Sistemas de Saúde com exames desnecessários, motivados por alarmismo, por outro, levar pessoas a comportamentos extremos como deixar de realizar tratamentos necessários e de usar remédios essenciais para sua vida, enfim, no limite, a desinformação pode matar. Dessa forma, dado o momento em que o Ministério da Saúde solicitou uma consulta pública sobre o tema, a desinformação pode ter sido usada para distorcer a percepção das pessoas sobre as vacinas contra a Covid-19 para crianças.
Metodologia
Foram colhidas manualmente informações verificadas pelos sites, editorias e agências de checagem brasileiros Boatos.org, Aos Fatos, Projeto Comprova, Fato ou Fake, Uol Confere e Lupa, entre 01 dezembro de 2021 e 03 de janeiro de 2022. Assim, no total, os jornalistas realizaram no período cerca de 226 checagens, das quais 79 estavam relacionadas à Pandemia da Covid-19. Dentre estas, há 11 peças desinformando sobre a vacina infantil contra a Covid-19. Dessa forma, optamos por classificar essas verificações utilizando os rótulos de Misinformation and Disinformation (M&D) em Vacinas, compostos por 5 categorias e 17 subcategorias, elaborados por integrantes do Grupo de Estudo da Desinformação em Redes Sociais (EDReS), da Unicamp :
1. Segurança: vacinas causam doenças (A); pessoas vacinadas transmitem a doença (B); vacinas causam autismo (C); as vacinas causam efeitos colaterais graves (D); as vacinas contêm ingredientes perigosos (E); é mais seguro contrair a doença do que vacinar (F); as vacinas podem prejudicar o sistema imunológico (G); sobrecarga de vacinas e suas consequências (H); esquemas alternativos de vacinação são mais seguros (I)
2. Efetividade: as vacinas não funcionam (J); as vacinas não são responsáveis pela diminuição das doenças (K)
3. Saúde alternativa: promoção de alternativas à vacinação, principalmente serviços naturopáticos e de bem-estar (L)
4. Moralidade: associação entre vacina contra HPV e promiscuidade, e / ou questões religiosas (M)
5. Teorias da conspiração: narrativas sobre instituições poderosas ou atores com intenções nefastas e planos secretos (N)
6. Outro: autodireção – liberdade de escolha, pesquisa independente (O); alegam que quem conhece a “verdade” não vacina (P); apelo emocional (Q)
(TOKOJIMA MACHADO, DE SIQUEIRA e GITAHY, 2020: p. 03)
Análise
Discussão
Das 5 categorias possíveis de M&D em Vacinas, figuram na amostra Segurança (81%) e Teorias da Conspiração (19%). Assim, de todas as 17 subcategorias categorias possíveis, figuram quatro: as vacinas causam efeitos colaterais graves (D), as vacinas contêm ingredientes perigosos (E) as vacinas podem prejudicar o sistema imunológico (G), e narrativas sobre instituições poderosas ou atores com intenções nefastas e planos secretos (N).
Contudo, há textos que podem ser enquadrados em mais de uma categoria, como por exemplo a desinformação sobre 13 crianças que teriam morrido na África em função da vacina (categoria D) que também é associada ao nome do empresário estadunidense Bill Gates (categoria N). Dessa forma, por essa perspectiva, o número de textos que abordam a segurança dos imunizantes sobe para 90%.
Observando especificamente para as 09 peças que versam sobre efeitos colaterais graves causados por vacinas, constata-se que 04 delas associam vacinas diretamente a mortes de crianças, em 02 os “especialistas” desaconselham a vacinação de crianças, em outras 02 a vacina é associada a riscos de AVC, miocardite e pericardite em crianças e 01 repisa a teoria da “vacina teste”.
Hoje, já existe um consenso de que esses conteúdos não são tão espontâneos quanto fazem parecer e que existe uma linha de produção de desinformação com interesses financeiros e/ou políticos, um Ecossistema da Desinformação. Assim, partindo dessa premissa, a absoluta predominância de peças com foco nos efeitos colaterais das vacinas apontam para o interesse em criar na população uma atmosfera de risco, levando-as a hesitar em vacinar seus filhos. Apesar disso, conforme apontam recentes levantamentos de opinião, a imensa maioria dos brasileiros (79% segundo o Datafolha e 72%, Genial / Quaest), pretende vacinar seus filhos.
Por fim…
Neste estudo não dispomos de dados para afirmar que esses 18% (em média) de pais que ainda hesitam em vacinar seus filhos estão sendo influenciados pela desinformação que circula desenfreadamente via mídias sociais e, por vezes, na mídia tradicional, uma vez que insiste em dar espaço para negacionistas da vacina. Todavia, outros estudos utilizando a Análise de Redes podem confirmar ou negar essa hipótese, mapeando o alcance dessas publicações, os seus produtores e toda a rede de disseminadores que trabalha diuturnamente contra a saúde pública e contra a ciência.
Referências:
PROJETO COMPROVA (2021) É enganoso que vacina contra covid-19 tenha provocado aumento de morte de crianças
PROJETO COMPROVA (2022) Médica distorce estudo para atacar vacinas e é desmentida pelo autor.
TOKOJIMA MACHADO, DF, DE SIQUEIRA, AF, GITAHY, L (2020) Natural stings: selling distrust about vaccines on Brazilian YouTube Frontiers in Communication, Volume 5, p 91.
G1, Fato ou Fake
DOMINGOS, R “É #Fake que”:
Imagens de autópsia mostrem lesões causadas por vacina contra Covid e que imunizante cause vasculite
Boatos.org
BECKER, K (2021) Pfizer admite que vai levar 5 anos para descobrir riscos de vacinas para crianças #boato
MATSUKI, E
13 crianças morreram após serem vacinadas contra Covid-19 na África #boato,
Austrália cria campo de concentração para não-vacinados e vai vacinar crianças à força #boato
Diretor da OMS diz que vacinas contra Covid-19 matam crianças #boato
Diretor da OMS diz que vacinas contra Covid-19 matam crianças #boato
Robert Malone é o inventor da vacina mRNA e está certo sobre vacinação de crianças #boato
Agência aos fatos
FAUSTINO, M (2021) Em vídeo, médica mente sobre substâncias e efeitos adversos de vacinas contra a Covid-19. Agência Aos Fatos
MENEZES, LF (2021) É falso que Anvisa aprovou sem contraindicação vacina da Pfizer para crianças Agência Aos Fatos.
MENEZES, LF (2021) Em vídeo, virologista falseia ao dizer que vacinas de mRNA são tóxicas para crianças Agência Aos Fatos
RUDNITZKI, E (2022) Austrália não vai separar 24 mil crianças de seus pais para vaciná-las em ‘campo de quarentena’ Agência Aos Fatos
PACHECO, P (2021) Vacinas contra Covid-19 não provocam liberação de fibrina na corrente sanguínea Agência Aos Fatos
Agência Lupa
NOMURA, B (2021) #Verificamos: É falso que Austrália colocou 24 mil crianças em ‘campos de quarentena’ para vaciná-las, Agência Lupa.
NOMURA, B (2021) #Verificamos: É falso que vacinas de RNA mensageiro levam à produção de proteínas tóxicas em crianças Agência Lupa
SKROCH, JB, MACÁRIO, C (2021) #Verificamos: Médica distorce informações ao relacionar vasculite a vacinação contra a Covid-19, Agência Lupa
Este texto compõe uma série para a campanha Vou Vacinar, do Todos Pelas Vacinas, Maurílio é autor no Especial COVID-19.
Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.
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