A decisão do governo foi manter o Enem 2020
Tempo de leitura: 3 min
Nota (08/07/2020): foi decidido pelo adiamento da prova, as provas escritas serão nos dias 17 e 24 de janeiro.
“Pelos estudantes, as provas impressas seriam realizadas nos dias 2 e 9 de maio de 2021 e digital nos dias 16 e 23 de maio de 2021. Sendo realizada em maio, o primeiro semestre seria perdido.”
Em meio às incertezas do coronavírus, escolas e universidades tentam manter o cronograma do período letivo com o ensino à distância (EAD). Alunos e professores tiveram que se adaptar rapidamente ao ambiente virtual para conduzir as aulas, realizar apresentações e exames. Estando na era digital (ou era da informação), este cenário é visto como um futuro inevitável, em que muitas tarefas serão realizadas virtualmente. Entretanto, a grande diferença sócio-econômica entre os estudantes e a realidade domiciliar são variáveis pouco consideradas no momento atual.
Será justo manter as metas para a Educação no Brasil em meio a uma pandemia, em que alunos já antes prejudicados pela desigualdade social e outras questões, hoje enfrentam barreiras ainda maiores? É isso o que pensa o ministro da Educação (nota 01/07/2020: agora ex-ministro), Abraham Weintraub, após anunciar que o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2020 será mantido em novembro [1].
Expectativa x Realidade
Além do desequilíbrio de oportunidades já oferecidas aos alunos de escolas públicas e particulares, outra questão preocupante é em relação às estudantes mulheres em particular. Infelizmente, não surpreende o fato de que as meninas são responsáveis por mais tarefas domésticas do que os meninos [2], o que prejudica ainda mais o desempenho exigido pelas escolas neste período.
Também é preciso considerar todas as questões de minorias. Um estudo do IBGE de 2017 mostrou que cerca de ¼ da população brasileira ainda não tem acesso à internet, estando o seu uso concentrado na região sul. O norte e o nordeste do Brasil possuem ao menos 50% da população sem acesso à internet [3]:
Esse mesmo estudo do IBGE aponta que, de todos os que possuem o acesso à internet, 98,7% utilizam o celular para esse fim. Tal percentual pode ser preocupante ao inseri-lo no contexto da educação à distância, visto que celulares não são o equipamento mais adequado para o aprendizado via ensino à distância.
Um estudo mais recente (2019), do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, revelou que, apesar de ter crescido o número de pessoas com acesso à internet, a desigualdade ainda permanece alta. O levantamento demonstrou que, graças à popularização dos smartphones, 76% da classe C e 40% das classes D e E possuem acesso à internet. Entretanto, apenas 67% dos domicílios brasileiros estão conectados à rede e 97% das pessoas que utilizam a internet o fazem por meio de celulares. Quanto ao uso de computadores, 88% da classe A utilizam esse equipamento para acessar a internet, enquanto apenas 15% das classes D e E fazem o mesmo. [4]
Ao ouvir alguns estudantes sobre o assunto da manutenção da prova do Enem, a deputada federal Tabata Amaral compartilhou o depoimento do aluno da rede pública de ensino, Gabriel Hanry, da Cidade de Acopiara, no Estado do Ceará. Com um telhado de pau-a-pique e canto de passarinhos ao fundo, Gabriel diz que recebe as aulas por WhatsApp e sente que será prejudicado na prova do Enem deste ano [5].
Ouvir o depoimento do estudante no cenário em que ele se encontra e depois assistir à propaganda do governo para promover a manutenção do Enem, com falas de jovens atores conectados em múltiplos dispositivos digitais, atrás de uma mesa de estudo repleta de livros, materiais e conforto [6], demonstra que a expectativa está bem longe da realidade vivida por milhões de adolescentes brasileiros.
Está escrito na Constituição
A democracia pressupõe a participação de todos. Não de alguns ou da maioria. Ao lado da democracia, há a república, cuja característica essencial pressupõe a igualdade. Daí decorre a justiça distributiva que exige o estabelecimento de critérios ao acesso igualitário ao que é público. Já a igualdade, segundo Aristóteles, consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.
O Brasil é uma República Federativa e um Estado Democrático de Direito, de acordo com o artigo 1º da Constituição Federal. Um dos seus objetivos é a redução das desigualdades sociais e regionais, conforme o artigo 3º da Constituição Federal. Ou seja, está escrito e reconhecido que há desigualdades no Brasil. Assim, qualquer ação que uma autoridade toma dentro do governo deve necessariamente visar à preservação da democracia, assegurando a máxima participação popular e a preservação da república, garantindo o tratamento igualitário.
O artigo 205 da Constituição Federal prevê que a educação é direito de todos e dever do Estado. Em seguida, no artigo 206, a Constituição Federal diz que o ensino será ministrado com base na igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, com a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. No artigo 208, o texto constitucional disciplina que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.
Com base na igualdade de condições, a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) dispõe no artigo 44 que o acesso à graduação é aberto aos candidatos que tenham concluído o ensino médio e tenham sido classificados em processo seletivo. Ou seja, o critério estabelecido para o acesso ao ensino superior público foi a aprovação em processo seletivo. E o tratamento desigual, na medida de desigualdade, está previsto em outros critérios, como a nota do Enem que é utilizada justamente para tratar os candidatos desiguais, na medida de sua desigualdade, possibilitando uma pontuação mínima para se inscrever no Programa Universidade para Todos (ProUni).
Assim, ao se aplicar qualquer exame nacional, é preciso considerar se haverá a observação da participação de todos os interessados, em igualdade de condições. Se não houver, o ensino não será devidamente prestado, com violação de direito fundamental de cada estudante.
#AdiaEnem
Atualmente está havendo um movimento nas redes sociais com a hashtag #AdiaEnem, que tem como finalidade convencer o governo a rever as datas da aplicação da prova que está prevista para iniciar em 1 de novembro de 2020. Lembrando que este ano também existe a possibilidade de realizar o Enem digital, que tem data de início para aplicação nos lugares estabelecidos no dia 22 de novembro de 2020.
As inscrições começaram dia 11 de maio e vão até 22 de maio, podendo ser feitas no site do Inep. Está rolando também um mutirão de inscrições para ajudar os alunos a realizarem a inscrição pela internet, basta preencher este formulário. Se vocês têm dúvidas, nos enviem uma mensagem que ficaremos muito felizes em ajudá-los. Recomendamos este livro didático digital gratuito para vocês estudar.
Para finalizar, recomendamos o vídeo da estudante de história e youtuber Débora Aladim sobre os problemas com a realização do Enem este ano: https://youtu.be/eYmSSuaLtaQ
Fiquem ligados no blog, pois continuaremos trazendo as novidades sobre a aplicação da prova!
#AdiaEnem #NenhumAlunoParaTrás
Autoras: Paula Penedo Pontes de Carvalho, Gabriela Filipini Ferreira, Carolina Filipini Ferreira, Luisa Fernanda Rios Pinto
Texto Original: https://www.blogs.unicamp.br/incentivandoelasnaciencia/?p=516
Referências
[5] https://www.facebook.com/tabataamaralSP/
[6] https://www.youtube.com/watch?v=apufjiGlIY0[6] https://enem.inep.gov.br/
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
0 comentário