Texto escrito por Marina Fontolan e Dayane Machado

A Volta do Movimento Antivacina

O texto de hoje pretende apresentar a atual configuração do movimento antivacina no Brasil. É importante destacar, antes mesmo de aprofundar a discussão, que a hesitação vacinal, sobretudo na atual pandemia de Covid-19, está também ligada à atitude do governo federal. Este insistiu por muito tempo em ineficazes práticas de combate à pandemia e acabou criando hesitação vacinal em parte da população.

Além disso, reconhecemos aqui que as ineficazes práticas de combate à pandemia de Covid-19 indicadas pelo governo federal são disfuncionais desde o princípio. Por exemplo, incluindo o uso do kit covid, do isolamento vertical, da imunidade de rebanho. A tudo isto soma-se o compartilhamento de desinformação em relação a vacinas, que abordaremos no próximo texto. Sobre isso, destacamos que existe a constante sugestão, por parte da esfera federal, da falta de segurança ou sua irrelevância para o controle da pandemia.

Para que o objetivo dessa apresentação seja cumprido, dividimos nosso texto em duas partes. Hoje abordaremos as definições acerca do movimento antivacina e da hesitação vacinal.

É importante notar, no entanto, que esse fenômeno não pode ser totalmente medido no país. Uma vez que ainda não possuímos acesso à vacina para toda a população. Depois, apresentamos um breve histórico de hesitação de vacinação no país, mostrando que essa hesitação está atrelada à políticas públicas.

No próximo texto analisaremos o caso da pandemia de Covid-19. Bem como os discursos do governo federal atrasaram a vacinação do país e criaram o atual estado de hesitação.

Movimento Antivacina e Hesitação

De acordo com Dayane Machado , há uma diferença fundamental entre pessoas hesitantes às vacinas e as pessoas que podem ser consideradas antivacinação.

As que são hesitantes em vacinação são aquelas que recusam a tomar apenas algumas vacinas. Com isto adiam o calendário vacinal ou que até obedecem ao calendário, mas que não se sentem totalmente seguras. A hesitação e os níveis de insegurança em relação às vacinas podem variar ao longo do tempo.

Pessoas que são antivacinas normalmente não se consideram como tal. Assim, vão recusar esse tipo de rótulo e são pessoas que criam e usam boatos para gerar desconfiança nas vacinas.

Aliás, o movimento antivacinação é tão antigo quanto as próprias vacinas.

Mas tem ganhado força por causa do crescimento do acesso à internet e às redes sociais. O apelo a diversos discursos que esses grupos fazem tem potencial de alcançar e influenciar pais. Com isso, acabam deixando de vacinar os filhos e passando a fazer parte do movimento antivacina. 

Na atualidade, essas pessoas se utilizam muito da tática do discurso de liberdade individual para dizerem que elas não são contra as pessoas se vacinarem. Assim, essa é uma maneira de apresentar a rejeição a vacinas como algo mais razoável. Simultaneamente a isto, é uma tentativa de evitar possíveis responsabilizações. Dessa forma,, relacionam a escolha de não se vacinar e não vacinar seus filhos à defesa das liberdades individuais.

Todavia, quando falamos em movimento antivacina, precisamos ser cuidadosos. Isso acontece por já existirem muitos espectros e posicionamentos relacionados a esse assunto. Isto é, o espectro vai das pessoas que aceitam todas as vacinas com confiança, até as pessoas que rejeitam todas elas. No meio, em um espaço bem grande, há vários posicionamentos que classificamos como hesitação vacinal

Da Revolta da Vacina ao Zé Gotinha

O Brasil não possui um movimento antivacina estruturado como nos Estados Unidos. No entanto, há momentos em que a hesitação vacinal se torna mais latente na nossa história. É importante notar que a vacinação no país é obrigatória para as crianças desde 1837 e para adultos desde 1846. Isso mostra que a obrigatoriedade da vacinação no país remonta à época do império no Brasil. Essa prática ganhou força em 1884, quando o Rio de Janeiro – na época a capital do país – começou a ter algum tipo de produção industrial (saiba mais aqui).

Quando o país se tornou uma república, em 1889, várias mudanças começaram a ocorrer no país. Na época, a cidade do Rio de Janeiro (como outras no país), possuía sérios problemas estruturais, incluindo o saneamento básico. Isso levou o país a ganhar fama mundial de ‘hospital’. Pois, sofria constantemente de pandemias como lepra, sífilis, varíola e febre amarela eram constantes no país. Na época, o presidente da república criou um plano para modernizar a cidade do Rio de Janeiro. Como consequência, várias reformas na cidade expulsaram boa parte da população de suas casas. 

A revolta não era só pela vacinação em si

O presidente também indicou o médico sanitarista Oswaldo Cruz para cuidar das pandemias do país e criar um plano de vacinação. Na prática, o médico criou um batalhão no Rio de Janeiro para vacinar a população à força. Nesse ponto, o discurso de liberdade individual vem à tona e tem-se, então, a Revolta da Vacina, que perdurou por quatro dias em novembro de 1904. É importante notar, aqui, que essa revolta está ligada à população não aceitar as atuais políticas impostas à força pelo governo republicano. Assim, a Revolta da Vacina vai além da questão da população não ter acesso à informação sobre as vacinas e estar sendo violentamente obrigada a se vacinar. Essa movimentação antivacina também possui um caráter de resistência às políticas republicanas.

Zé Gotinha: a personagem que conquista os brasileiros

A partir dessa revolta, o país continuou tendo campanhas de vacinação, mas estas eram muito esparsas e sem grande adesão. Com a redemocratização do país em 1985, o Brasil criou o Sistema Único de Saúde. Além disso, firmou um acordo com a Unicef para erradicar a poliomielite em até 10 anos. Para isso, contrataram o artista plástico Darlan Manuel Rosa para fazer o logo desta campanha de vacinação. O resultado disso foi mais do que um logo para a campanha, foi a criação de um mascote: o Zé Gotinha. A entrevista com o artista (abaixo) mostra o processo de criação e da relação dos brasileiros com a vacinação na época.

Como nasceu o Zé Gotinha?

Essa entrevista mostra que a hesitação vacinal por causa da brutalidade na forma da aplicação das vacinas, que também era alimentada por desinformação em relação ao papel das vacinas e de sua importância. O uso do Zé Gotinha como mascote das campanhas de vacinação permitiu criar uma imagem mais amigável para as campanhas de vacinação, fazendo com que crianças se informassem sobre as vacinas e as datas de aplicação.

Finalizando

É a partir deste cenário de campanhas específicas para a população, bem como da implementação das políticas públicas de compra e produção de vacinas que o Brasil se torna, ao longo das décadas seguintes, em um dos países com uma das maiores coberturas vacinais do mundo.

O Programa Nacional de Imunizações completará, em 2023, 50 anos com um histórico de ser uma política pública de massa e muito eficiente, que esperamos ver retomada como princípio dentro de nosso país.

Para Saber Mais

Brasil, Ministério da Saúde (2003) Programa Nacional de Imunizações, 30 anos

Eve Dubé, Maryline Vivion & Noni E MacDonald (2015) Vaccine hesitancy, vaccine refusal and the anti-vaccine movement: influence, impact and implications, Expert Review of Vaccines, 14:1, 99-117.

Lazarus, J.V., Ratzan, S.C., Palayew, A. et al.A global survey of potential acceptance of a COVID-19 vaccine. Nat Med27, 225–228 (2021).

Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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