O mundo todo aguarda ansioso enquanto pesquisadores trabalham arduamente em seus laboratórios. Tudo isso na tentativa de descobrir mais informações sobre a nova variante do SARS-CoV-2 que vem criando dúvidas e pânico nas populações: a variante Ômicron. Por causa disso, nós, do Blogs Unicamp, decidimos fazer um apanhado geral do que se sabe até o momento sobre essa variante. Nosso objetivo hoje é mostrar que, apesar de toda a preocupação, talvez não seja o fim do mundo. Muito menos a volta à estaca zero que muitos alegam. Ou seja, estamos aqui defendendo o “menos alarmismo, mais compreensão do problema”
Onde surgiu essa variante?
As coisas aqui podem parecer um pouco confusas. Mas é importante deixar uma coisa bem clara! Vamos lá: o lugar onde uma variante é detectada pela PRIMEIRA vez, não necessariamente é o lugar onde essa variante surgiu. Por exemplo, em uma situação imaginária:
“Vamos pegar a variante Gama, que apareceu em Manaus. Ela poderia ter sido detectada pela primeira vez em outro país, digamos, em Portugal, a partir de uma pessoa que viajou de Manaus para lá. Apesar dela ter sido detectada em Portugal, ela não teria SURGIDO lá. Ela somente foi vista primeiro em Portugal. Pois um viajante de Manaus teria demonstrado sintomas de COVID-19, testado positivo no teste de diagnóstico por RT-qPCR. Posteriormente, teria o genoma do vírus que estava no seu corpo sequenciado. Em suma, a variante teria sido DETECTADA em Portugal, mas a primeira pessoa com ela (o chamado primeiro paciente ou paciente zero) seria do Brasil.”
Perceba que para uma variante ser detectada são necessárias duas etapas. Aliás, etapas que temos defendido desde o início da pandemia, aqui no Blogs: Testagem Diagnóstica e Sequenciamento Genômico. Estes dois passos são fundamentais para sabermos não apenas a quantidade de casos, mas as mutações do vírus e, também, possíveis variantes importantes.
Agora vamos separar esses momentos para a variante Omicron:
- 11 de novembro de 2021. O genoma do primeiro caso da variante Omicron é sequenciado, a partir de um paciente em Botsuana, um país do sul da África.
- Nos dias que se seguem, são sequenciados outros genomas. São eles: um caso em Hong Kong, a partir de um paciente que tinha vindo da África do Sul.
- Ao mesmo tempo, alguns casos começam a aparecer na África do Sul, na região de Gauteng. Esta é a região com maior fluxo de viajantes nacionais e internacionais do país (correspondente a São Paulo, aqui no Brasil).
- Até esse momento, pouca ou nenhuma atenção era dada a essa variante do SARS-CoV-2.
- 24 de novembro de 2021. Pesquisadores da África do Sul notam que essa variante tinha um nível de mutação altíssimo na proteína Spike e no resto do vírus todo. Assim, neste momento, começam a se mobilizar para entender melhor ela.
- 26 de novembro de 2021. Após ter sido notificada pelos pesquisadores da África do Sul, a OMS anuncia uma nova variante, chamada Ômicron, como uma VOC (ou Variante de Preocupação).
- 29 de novembro de 2021. variante Ômicron já é detectada em vários países da Europa, além de Israel e Canadá.
Por que todo o alarde quanto à essa nova variante?
Muito do espanto, medo e perguntas sobre a variante Ômicron gira ao redor do grande número de mutações que ela possui. Para fins de comparação, podemos entender essas mutações como pequenas diferenças que essa variante possui quando comparada com o vírus original, lá do começo da pandemia, no surto de Wuhan na China.
Essas diferenças podem ser tanto benéficas quanto maléficas para o vírus. Isto é, podem apresentar uma vantagem (como uma maior transmissibilidade, letalidade ou capacidade de fugir do nosso sistema imune – a chamada Evasão Imune), ou uma desvantagem (nas mesmas características que mencionamos anteriormente). Ao todo, a variante Ômicron possui um pouco mais de 50 mutações. Ou seja, esse vírus possui 50 diferenças do SARS-CoV-2 original. De todas essas mutações, 32 delas são na proteína Spike e acredite, caro leitor(a), quando dizemos que isso é muito. Para uma nova comparação, a variante Delta (que atualmente é a variante dominante no mundo) possui 16 mutações na sua Spike.
A princípio, imaginou-se que pelo grande número de mutações, os testes de diagnóstico por RT-qPCR não conseguiriam detectar essa variante. Mas já sabemos que isso não é mais um problema: pesquisadores já viram que os testes de RT-qPCR conseguem detectar essa nova variante normalmente.
Dessas 32 mutações na sua proteína Spike, algumas são bem raras. Enquanto outras já são conhecidas por estarem presentes também em outras variantes, como a Alfa, Beta, Gama e Delta. A preocupação aqui é porque algumas dessas mutações já conhecidas estão relacionadas a uma maior transmissibilidade e um possível escape imunológico. Entretanto, aqui deixamos bem claro: ainda NÃO HÁ INFORMAÇÕES e dados confiáveis mostrando que a variante Ômicron seja realmente mais transmissível. Tampouco que escape da proteção gerada pelas vacinas.
Enquanto cientistas correm nos laboratórios para tentar responder essas perguntas, outros pesquisadores olham para análises computacionais e suspeitam que caso haja um escape imunológico por parte dessa variante, ele seja similar ao que vimos para a variante Beta e Delta (uma redução na proteção, mas não completamente!). Dessa forma, as vacinas ainda continuariam protegendo as pessoas. Ao mesmo tempo, outros pesquisadores desconfiam que, pelo alto número de mutações, talvez essa variante não consiga se transmitir tão bem quanto outras (a chamada baixa estabilidade).
Como se tudo isso não bastasse…
Recentemente também descobriram que há uma segunda forma (uma variante) da própria variante Ômicron (assim como também aconteceu com a variante de Manaus) que, entre outras coisas, não possui alguns genes que são utilizados pelos testes de RT-qPCR para identificar o vírus e as variantes. Mas o que isso significa?
Bem, a princípio isso quer dizer que os testes de RT-qPCR continuam detectando o vírus SARS-CoV-2 em uma pessoa, então não precisa entrar em pânico. Se, por um acaso, você ou algum(a) conhecido(a) venha pegar essa variante, ele ou ela ainda poderá ser diagnosticado(a). O problema é que, com as outras variantes, esse mesmo teste era capaz de dar uma ideia preliminar de qual “tipo” esse vírus poderia ser. Em outras palavras, o teste diria se a pessoa está com o vírus ou não, e qual variante ele seria. Agora para a variante Ômicron, o que se viu até o momento foi que os testes de RT-qPCR conseguem sim identificar se a pessoa tem esse vírus ou não no corpo, mas não conseguem dizer se ele é da variante Ômicron.
Novamente, para ficar bem claro: até o momento não há quaisquer informações concretas que mostrem uma maior transmissibilidade, infecciosidade e escape imunológico das variantes Ômicron.
Ok, já sabemos onde essa variante surgiu e porquê todos estão espantados como ela. E com isso, aparece outra dúvida: como ela surgiu?
Essa é uma das principais perguntas que os cientistas têm feito. Atualmente, a comunidade científica tem proposto três ideias para responder essa questão. Algumas dessas hipóteses foram pensadas a partir de análises feitas para se ver a “árvore genealógica” desse vírus. Essa árvore genealógica mostrou que, aparentemente, a variante Ômicron não “nasceu” a partir de outras variantes, mas sim que ela teria sua origem lá atrás, no começo da pandemia. Mas para entender isso melhor, vamos olhar as ideias que os cientistas têm proposto para responder a pergunta de como ela teria surgido:
A Variante apareceu “naturalmente.
A variante teria nascido “naturalmente” dentro de uma população com baixa vigilância epidemiológica, em outras palavras, uma população que estava fazendo poucos testes de diagnóstico e poucos sequenciamentos de genomas virais. Dessa forma, a Ômicron teria ficado meses “escondida” nessa população, que muito provavelmente seria de um lugar afastado de grandes centros, o que poderia explicar o grande acúmulo de mutações e ser oriunda de um vírus mais “antigo”. Entretanto, muitos pesquisadores argumentam que seria impossível uma variante desse nível ter ficado escondida por tanto tempo, visto que atualmente tem se sequenciado muitos genomas de SARS-CoV-2.
Spillover
A segunda ideia de surgimento seria a partir do chamado Spillover (pode ver esse texto aqui para entender melhor esse processo). Isto é, um vírus SARS-CoV-2 ter passado de um humano para um animal, nesse animal o vírus teria acumulado mutações e então, depois de um tempo, teria voltado para o ser humano como a variante Ômicron.
Um dos motivos que levam os cientistas a considerar essa hipótese é a presença de algumas mutações na proteína Spike da Ômicron que já foram vistas em outras variantes. Sabe-se que essas mutações que aumentam o número e tipos de hospedeiros do vírus, tornam a variante capaz de infectar outras espécies de animais, como por exemplo roedores.
Infecções Crônicas
A hipótese mais aceita até o momento é que a variante teria aparecido a partir de infecções muito longas (as chamadas infecções crônicas) de COVID-19, provavelmente em um paciente imunocomprometido, isso é, um paciente em que o sistema imune está debilitado, por exemplo, pacientes com AIDS ou sob tratamento de câncer. A ideia por trás dessa hipótese é o vírus ter ficado se replicando várias vezes nessa pessoa, por muito tempo, acumulando mutações, sem que o sistema imune dela conseguisse combatê-lo eficientemente.
Entretanto, a boa notícia por trás disso seria que todo esse acúmulo de mutações para conseguir sobreviver em uma pessoa por tanto tempo, também viria com um custo para o vírus: uma menor capacidade de se transmitir de pessoa para pessoa. Mas, ainda não temos informações claras sobre essa possibilidade.
É pensando nessa possibilidade para o surgimento de variantes, que mais uma vez vemos porque a vacinação é tão importante no combate à pandemia. Além de reduzir o risco de infecção grave e severa, já foi visto que pessoas vacinadas conseguem combater o vírus mais rápido, impedindo que ela fique se multiplicando no corpo por um maior período de tempo, o que diminui as possibilidades dele acumular mutações como as que foram visto nas variantes Alfa, Beta, Gama, Delta e Ômicron.
Finalmente, qual é a situação atual do mundo e do Brasil com essa variante?
Atualmente, detectaram a variante Ômicron em mais de 50 países ao redor de todo o mundo. Entretanto, até onde se sabe, as pessoas infectadas na maioria desses países eram viajantes que tinham vindo de outro lugar. Até o momento são poucos os países que tiveram a chamada Transmissão Comunitária, isso é, uma pessoa que tem um caso de COVID-19 causado pela variante Ômicron, mas que não se sabe quem pode ter passado o vírus para essa pessoa (em outras palavras, não é possível fazer o rastreio do vírus).
No Brasil, até o momento em que escrevo esse texto (às 13:20 do dia 7 de Dezembro de 2021), confirmaram-se 6 casos. Um número baixo, mas que foram suficientes para cancelarem muitas feitas do Réveillon por todo o território nacional (algo que já falávamos que não deveria acontecer com grandes multidões e aglomerações). Entretanto, alguns cientistas estão propondo que há mais casos do que parecem no Brasil, simplesmente por termos uma alta taxa de subnotificações e um baixo número de testes de diagnóstico e sequenciamento (a vigilância epidemiológica que comentei no início).
Por fim, termino esse texto lembrando que a vacinação de toda a população de um país pode sim ajudar a combater a pandemia de COVID-19. Mas somente isso não vai resolver o problema. Enquanto 80% de todas as doses de vacinas estiverem concentradas em 20 países do mundo, sendo que muitos desses países estagnaram em 60% ou 70% da cobertura vacinal de sua população (o que não é suficiente para resolver o problema), ainda veremos muitas variantes surgindo através do globo, principalmente em países com coberturas vacinais baixas (como muitos da África).
PARA SABER MAIS:
Mellanie Fontes-Dutra Vamos falar da B.1.1.529
Mellanie Fontes-Dutra O que sabemos da #Ômicron até o momento?
Andrews, L (2021) New Botswana variant with 32 ‘horrific’ mutations is the most evolved Covid strain EVER and could be ‘worse than Delta’ — as expert says it may have emerged in an HIV patient MailOnline
Agencia Brasil (2021) Descoberta nova variante do coronavírus com grande número de mutações
Corum, J; Zimmer, C (2021) Tracking Omicron and Other Coronavirus Variants, New York Times.
Cardim, ME (2021) Terceiro caso da variante ômicron é identificado no Brasil, Correio Braziliense
Kupferschmidt, K (2021) Where did ‘weird’ Omicron come from? Science
Couzin-Frankel, J (2021) A cancer survivor had the longest documented COVID-19 infection. Here’s what scientists learned, Science.
Chotiner, I (2021) How South African Researchers Identified the Omicron Variant of COVID, The New Yorker.
Petersen, E, Ntoumi, F, Hui, DS, Abubakar, A, Kramer, LD, Obiero, C, … & Zumla, A (2021) Emergence of new SARS-CoV-2 Variant of Concern Omicron (B. 1.1. 529)-highlights Africa’s research capabilities, but exposes major knowledge gaps, inequities of vaccine distribution, inadequacies in global COVID-19 response and control efforts, International Journal of Infectious Diseases.
Karim, SSA, & Karim, QA (2021) Omicron SARS-CoV-2 variant: a new chapter in the COVID-19 pandemic, The Lancet.
Viggiano, G (2021) Por que há desigualdade de vacinas no mundo e o que isso tem a ver com a Ômicron, CNN
G1 (2021) OMS diz que variante ômicron representa risco alto para o mundo, G1
Costa, AG (2021) Ômicron: o que dizem autoridades de países onde a nova variante já chegou, CNN.
Ansede, M (2021) Ômicron: assim é o coronavírus ‘Frankenstein’ que assusta o planeta, El País Brasil.
The Guardian (2021) Scientists find ‘stealth’ version of Omicron that may be harder to track, The Guardian
Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial COVID-19
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.
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