A Carta – Contato Improvisação

 

Caro amigo desconhecido,

Escrevo esta carta para compartilhar algo com que me deparei e que é muito interessante. Chama-se Contato Improvisação e é uma prática de movimento que proporciona, a depender das condições, uma sensação de ampla liberdade. Algumas pessoas também consideram ser uma técnica em dança ou até mesmo um de educação somática. Aliás, surgiu entre as décadas de 60 e 70 nos EUA, em meio aos movimentos de contracultura, colocando em questão hierarquias verticalizadas e relações de poder no contexto da dança.

Fato é que esta prática se cunhou a partir de diversas experiências corporais como a ginástica olímpica, a dança moderna, o aikidô e o ioga. Também surgiu em um período em que floresciam  de educação somática e alguns a consideram como uma “prática de si”, nos termos dados por Foucault aos cuidados de si dos gregos.

Nesse sentido, o Contato Improvisação possui muitos elementos que conduzem o praticante a um estado meditativo, a lidar com uma certa vertigem e desorientação e a produzir movimento a partir disso.

Outro ponto importante em relação ao CI é a queda. Uma das perguntas fundamentais feitas por Steve Paxton (a principal referência na criação do Contato Improvisação) foi: “Como podemos sobreviver à queda?”. Portanto, as postulações da física newtoniana são ponto de referência fundamental para a prática e a gravidade e o chão, pontos chave. A gravidade, a queda, a vertigem e a desorientação então é que possibilitam a improvisação. Pensando também em termos de energia, a noção do “ki” do aikido, essa energia vital, possibilita a Steve Paxton imprimir dinâmica e fluidez nesta proposta de dança.

Por outro lado, o contato com o outro e o toque também se apresentam como fundamentais. No CI, o outro se coloca também como elemento de surpresas, de desconhecido e de imprevisto. É como se os apoios do chão subissem a outros níveis e agora este chão se coloca como móvel, vivo e autônomo e isso traz uma infinidade de possibilidades para a dança e para a improvisação. A pele se coloca então como um guia sensorial no espaço frente aos imprevistos e, em contato com o outro, possibilitando a produção de movimentos antes mesmo que se formem pensamentos. É muito libertador tocar e ser tocado de maneira criativa e atento a si e ao outro, sem distinção de sexo, idade ou classe social!

No Contato Improvisação é preciso se desprender do futuro, para viver o tempo do aqui e agora, um tempo subjetivo que surge na dança e que não é o tempo cartesiano dos relógios cotidianos.

É também uma prática coletiva pela qual, volta e meia, os papéis de condução e conduzido são compartilhados e negociáveis através de uma escuta, não só dos ouvidos, mas de todo o corpo através da pele.

Por tudo isso, o Contato Improvisação possibilita vias de criação com o desconhecido e por isso é que ensaio esta breve carta a você. Quem sabe nos encontramos e dançamos em uma Jam Session a qualquer hora dessas?

Abraços fraternos,

Bruno Portes de Castro, 2018.

A carta, de Bruno Portes de Castro foi publicada impressa no Jornal TRANCA RUA (ISSN 2595-6310) n.08, v.2, editado em Brasília em julho de 2019, numa coletânea de textos de dança.

Foi escrita como uma narrativa de um vídeo dança criado por Bruno para amarrar uma parte dos estudos do primeiro ano da Formação em Contato Improvisação da Mucíná – Aquela que Dança.

 

Veja o vídeo no youtube aqui: https://www.youtube.com/watch?v=gHuR0bgOAws

 

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Bruno Portes de Castro
bruno.pcastro@hotmail.com | + posts

Psicólogo pela UFJF, especialista em Teatro e Dança na Educação pela Faculdade Angel Vianna, Mestre em Memória Social pela UNIRIO, cursou o primeiro ano da formação em Contact Improvisation na Mucíná e hoje é aluno da faculdade de Letras da UFJF, bem como do curso técnico de conservação e restauro de bens móveis (escultura em madeira policromada, papel e pintura de cavalete) na Fundação de Arte de Ouro Preto. bruno.pcastro@hotmail.com

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