Relato de experiência Mini EIMCILA Brasil 2022 no modo híbrido: situando-se em novas possibilidades

O que é importante compartilhar de uma perspectiva de quem participou online?

 Assim inicio esta escrita.

Antes disso, eu, Janaína, quero dar alguns passos atrás e me direcionar ao que me fez chegar no mini EIMCILA 2022.

Praticante de CI desde meados de 2011, circulei em alguns encontros de CI no Brasil, América Latina e Europa. Em 2017 inicio meus estudos no curso de formação em pesquisa em Contato-Improvisação, da Mucíná – Aquela que Dança, plataforma interdisciplinar de pesquisa e ensino em prática artística. Atualmente dou aulas a partir da metodologia de ensino de Marília Carneiro, na minha cidade Aracaju/SE e na Escola Online, da Mucíná.

Em 2020 todos nós encaramos mudanças radicais diante da pandemia do coronavírus. Com o isolamento social como medida de proteção sanitária, caímos no online de repente, sem nenhuma preparação prévia ou vínculo mais íntimo com as mídias digitais, no meu caso. Na Mucíná também migramos para os encontros online, me senti estimulada com a efetividade do processo de ensino-aprendizagem mediado pelo ambiente virtual e pelas possibilidades de criação na tela.

Motivada pelo que estamos fazendo dentro da Mucíná, no campo de ensino e pesquisa em CI, com as experiências de ensino nas salas de aulas do Zoom, o anseio de compartilhar e escutar sobre o que outras pessoas estão fazendo/criando/pesquisando/pensando/questionando em Contato-Improvisação me impulsionou a mobilizar para que este encontro acontecesse aqui no Brasil. Junto com Marília Carneiro e Mylene Corcci, pela Mucíná – Aquela que Dança, organizamos o mini EIMCILA regional Campinas/SP.

Propus experimentarmos o modo híbrido para construir a possibilidades de acesso de pessoas em diferentes lugares. Eu tinha em perspectiva a participação presencial, porém as dificuldades econômicas no contexto do Brasil de 2022 me impossibilitaram de conseguir viajar. Dessa forma, participei do encontro de uma perspectiva do virtual.

O encontro 

Espaço Tugudum, Campinas/SP, Abril 2022. Foto: Mariangela Andrade.

Me preparei para o encontro virtual tanto quanto me prepararia no presencial. Reservei integralmente minha agenda para me dedicar 100% ao encontro. Estava muito feliz e ansiando esse momento. Por vezes fui arrebatada pelo desejo de pegar um avião instantaneamente e chegar fisicamente em Campinas. Dada a realidade, me propus a olhar para como poderíamos construir o encontro de maneira híbrida.

Havíamos apenas eu e Isabel Tornaghi inscritas para o online. No primeiro dia do encontro eu estava ali, a postos no online e as pessoas foram chegando no presencial. A câmera do presencial ficou no salão de dança, onde pude observar uma linda dança entre Pamela e Bruno. Foi prazeroso ver gente experiente que dança, pude observar as fases energéticas da dança: A chegada energética e física, resolução, desengajamento; características da improvisação, a entrada no contato físico, a partilha do peso entre os centros gravitacionais e finalizando em um típico body work, uma massagem aparentemente deliciosa. Eu me movi no meu espaço presencial e depois passei a observar como se estivesse no mesmo salão de dança, em um canto, me deliciando. Me sentia no mesmo ambiente e conectada. Tanto que no momento que fui convidada para ser levada (enquanto tela que se desloca no espaço físico deles) para o espaço do café, onde estavam comendo e conversando, senti uma ruptura brusca no ambiente. Não aceitei, eu estava integralmente no salão de dança com eles.

Um pouco depois todas as pessoas presentes vieram para a Jam. Pude observar entre os participantes uma aparente “sede” do contato físico, do encontro presencial e possivelmente uma pouca disponibilidade para o virtual, compreensível já que este era o primeiro encontro presencial nacional em dois anos, após o início da pandemia. No canto de cá da tela, eu tinha o meu espaço material de dança, mas nenhum contato físico com outra pessoa que dança. Identifiquei algumas diferenças entre os eventos de sessão de improvisação de dança online que fazemos na Mucíná desde 2020 e o que se apresentava para mim ali como possibilidade de modo híbrido. 

Espaço Tugudum, Campinas/SP, Abril 2022. Foto: Mariangela Andrade.

A sensação do vazio. Em 2020, no fim da minha primeira aula online, ao fechar a sala  do Zoom, me senti caindo em um espaço vazio. Afinal de contas, era muita coisa acontecendo naquele ambiente online e em um clique, tudo foi embora. Sem uma transição, eu caí no “poço de gravidade” (Paxton, 2018), me dando conta da minha realidade material. Tudo que havia acontecido era real, mas em questões de segundos, nada nem ninguém estava mais materialmente ali comigo. Uma queda vertiginosa. Na primeira Jam do encontro tive a mesma sensação do vazio, porém eu estava conectada no online. Percebi que na realidade virtual a conexão entre outras pessoas é fundamental. 

Observei atentamente as sensações e emoções que me atravessavam. Primeiramente uma sensação de discapacidad, no sentido do termo em espanhol, de deficiência e de não ter capacidade de resolver minhas necessidades físicas naquele espaço material. Por exemplo, mudar de ângulo para resolver questões de visão e audição, como também ter uma atitude propositiva de interação com as outras pessoas que não fosse apenas por meio do som. Ao mesmo tempo que me sentia hiper estimulada em meus sentidos pelos acontecimentos do evento no presencial. Sentia no meu corpo um estado de ativação máxima dos meus sentidos, evocando um estado de presença, quase como uma tentativa de me materializar no espaço e alerta às oportunidades de interação. Em algum momento, toda a sala interagiu comigo através da tela, aí veio meu desfrute quanto a criação em dança com outras pessoas e um deleite estético de composição, de quem olha pela tela. Foi um lindo e furtivo momento.

Depois da Jam tivemos uma fala de Marília, como anfitriã do evento, ela contextualizou do EIMCILA, a experiência dela no EIMCILA 2018 no Uruguai e enfatizou a proposta do encontro de olhar para o processo de ensino-aprendizagem. Após isso, fomos almoçar. Me percebi querendo estar lá, mas estava exausta. Desconectei e senti uma necessidade urgente de vivenciar minha realidade material. Fui ao rio perto da minha casa e observava o fluxo de sensações e emoções que tinha capacidade de perceber. Sentia um cansaço físico intenso. Pensei sobre quais seriam os ajustes necessários para a criação do modo híbrido. Para mim estava claro que se era tão desgastante não era o melhor caminho, pois haveria de ter uma retroalimentação necessária para minha presença ali valer a pena.

Ao retornarmos o grupo presencial estava organizando a programação do evento. Foi difícil a minha participação, pensei sobre a diferença de ocupação do espaço sendo eu ali, uma pequena tela que apenas fala, e a presença corporal/ energética que têm as pessoas em carne e osso (e tudo mais que as compõem). Nesse momento, Béu, Isabel Tornaghi, também se conectou no online. Tentamos conversar um pouco, mas não era possível na mesma sala em que o grupo presencial estava, era muito barulho, confusão, senti uma colisão entre dois espaços diferentes, como se estivessem dessintonizados. Além disso, percebi a diferença entre os tempos no ambiente material e virtual, as interações têm diferentes velocidades. Haveria a possibilidade de criarmos um espaço em comum? Haveria interesse e disponibilidade do grupo presencial na criação deste espaço em comum, dada às “deficiências” que as pessoas no ambiente virtual apresentavam? Naquele momento eu me perguntava se deveríamos construir um ambiente virtual em paralelo onde pudéssemos pesquisar o que fosse interessante para as pessoas que estão na tela.

Gravação de áudio com o cronograma, para interação entre o grupo presencial e as pessoas on-line. Espaço Tugudum, Campinas/SP, Abril 2022. Foto: Mariangela Andrade.
Espaço Tugudum, Campinas/SP, Abril 2022. Foto: Mariangela Andrade.

Eu e Béu fomos para uma sala só nossa, mas tivemos pouco tempo para conversar e compartilharmos o que cada uma esperava dessa proposta híbrida. Béu estava no México e eu em Aracaju/SE, Brasil. Na programação colocamos a experimentação de Jam híbrida, eu iria fazer uma jam presencial em Aracaju, com a jam presencial de Campinas sendo transmitida em um projetor e a nossa jam sendo transmitida em Campinas, entretanto o grupo aqui em Aracaju se dispersou com o feriado e a proposta não aconteceu.

Retornei para o encontro apenas na tarde do dia seguinte, sentia muita necessidade de viver minha materialidade aqui e determinei que participaria do evento conectada no online apenas alguns turnos. Na tarde do segundo dia tivemos uma roda de conversa, da qual pude participar falando, sendo ouvida e finalmente saciar um pouco do meu desejo de partilha entre esse grupo, com experiências, pensamentos e conhecimentos sobre CI e a prática pedagógica. Pude compartilhar um pouco sobre a experiência com a Escola Online da Mucíná, junto com minha colega Mylene e compartilhei um pouco com Íris Fiorelli sobre a experiência com as aulas aqui em Aracaju, ela que foi responsável por apresentar o CI aos aracajuanos anos atrás.

A noite aconteceu a “Roda Viva” com Marília Carneiro, sobre o curso de formação em Contato-Improvisação, do qual eu participo desde o primeiro ano de criação, 2017. É sempre muito bom escutá-la e naquele momento estava feliz por outras pessoas poderem escutá-la também. Foi muito bom poder estar neste momento, vendo tudo acontecer em tempo real.

No terceiro dia fui apenas no período da tarde, vimos vídeos históricos levados por Camilo Vacalebre. Depois era o momento dos laboratórios, a princípio me parecia mais interessante fazermos um específico para o online, porém as necessidades materiais de cada uma das participantes, eu e Béu, que estávamos em fuso horário diferente, nos impossibilitou de estarmos no mesmo horário juntas. Retornei mais tarde e estava acontecendo o laboratório Dancxit e entrei já querendo participar. As pessoas no presencial facilitaram para minha participação, em algum momento pude estar integralmente, porém não se sustentou no tempo, tamanha a dependência material de que alguém fizesse todo o tempo a facilitação. Necessitava, por exemplo, que alguém fosse as minhas mãos, para pegar as cartas e que direcionasse a câmera, como se fossem meus olhos ou que abrisse espaço para que minha presença fosse percebida ali. Funcionou até um certo tempo, até que, com o tempo, cansamos.

Durante o encontro fui observando o que sentia e percebia, fazendo os ajustes que sentia necessidade, pensando o quê isso poderia ser e ao mesmo tempo não ter um desgaste de energia desnecessário. Entendo que o EIMCILA é sobre criar os momentos de partilha e investigação, nas formas que a criatividade do grupo apresentar, mas, além disso, também lidamos com o tácito da experiência, as trocas informais e outras coisas que talvez não saberei nomear. Então, de maneira bem limitada, mas ainda assim real, pude participar do Mini EIMCILA Brasil, sediado em Campinas/SP, colocando meu corpo nesta experiência em grupo por meio de aparelhos tecnológicos para me materializar em outro lugar, a cerca de 2.000 km de onde estou. 

Observei que eu me sentia hiper estimulada pelo ambiente e a incapacidade motora e física me davam a sensação de deficiência, entretanto, penso que seguramente já existem soluções tecnológicas para resolver essas questões, a níveis sensoriais,  motores e outros que não posso imaginar. Essa é uma área de conhecimento da qual desconheço, minha intenção aqui é relatar minha experiência como uma dançarina, pesquisadora e professora de Contato-Improvisação em uma proposta de criação do modo híbrido. Por fim, minha presença no mini EIMCILA Brasil pelo o online foi limitada, mas pude aproveitar o que era possível e ainda abrir um espaço para olhar para algo que nunca teria olhado se não fosse a oportunidade de criar esse modo híbrido. Possivelmente, se continuarmos a experimentar essas possibilidades virtuais e de hibridismo, ferramentas tecnológicas podem nos auxiliar a abrir esse campo desconhecido e vislumbrar novas possibilidades que se apontam para o futuro.

Espaço Tugudum, Campinas/SP, Abril 2022. Foto: Mariangela Andrade.

Referência bibliográfica

Paxton, Steve. Gravity. Bruxelas: Contredanse, 2018.


Essa publicação é parte da série Mini Eimcila Brasil 2022 que pode ser acessada aqui: https://www.blogs.unicamp.br/kina/category/series/mini-eimcila-2022/

Janaína Moraes Franco

Eu sou Janaína Moraes, sergipana, de Aracaju. Sou uma movedora na Terra e nas águas, transitei por diferentes territórios, atualmente, vivo no povoado Areia Branca, em Aracaju/SE.

Sou pesquisadora, artista, dançarina-improvisadora e professora, uma curiosa sobre a vida, o corpo e movimento. Minhas principais orientações são a dança e a capoeira.

Graduada em licenciatura em Teatro pelo DAD/UFRGS (Departamento de Arte Dramática da Unversidade Federal do Rio Grande do Sul) com o trabalho de conclusão de curso " Educação do Sensível: uma abordagem das práticas Contato Improvisação e Capoeira Angola", orientado pela professora doutora Suzi Weber.
Me formei pela Formação Contato (2017-2022) como pesquisadora em Contato-Improvisação pela metodologia de Marília Carneiro, na qual participei do estudo dirigido do Material para a Coluna, obra de Steve Paxton, por Marília Carneiro.
A atualmente sou mestranda do PPGDança/UFBA (Programa de Pós-graduação em Dança da Universidade Federal da Bahia, sob a orientação da prof. Dra. Daniela Guimarães, na linha de pesquisa de Processos e Configurações Artísticas em Dança, com a pesquisa que entrelaça o Material para a Coluna (2008, 2019), de Steve Paxton e o processo de criação em dança na aldeia Kariri-Xocó, Porto Real do Colégio, Alagoas.

Sou professora de Contato-Improvisação e Improvisação de Dança em Aracaju/SE.

Caso queira entrar em contato para partilhas, pode escrever para: jananamo@gmail.com

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