Chegada em Barão Geraldo, na Unicamp
Em março de 2011 fiz residência em Barão Geraldo. Vinha da França, onde estive até a seleção para o programa de doutorado em Educação da Unicamp.
Completava 9 anos como dançarina de Contact Improvisation e, em Campinas, busquei um grupo, um espaço de prática regular ao qual pudesse me juntar. Para minha surpresa, não havia. Não havia nenhum grupo ou aula de Contato Improvisação em oferta na cidade.
Foi isto que fez com que eu testemunhasse a repetição da própria história do espalhamento do CI pelo mundo: uma dançarina ou dançarino que conhece o CI em algum lugar que não é onde vive, que retorna ao seu local de moradia e precisa, como única forma de continuar praticando, reunir pessoas e ensinar o que sabe. Afinal, saber um pouco, é mais do que saber nada.
Neste ponto da vida, eu guardava 9 anos de prática em meios amadores e profissionais, nacional e internacional. Tinha tido uma breve experiência pedagógica, no contexto do meu trabalho na baixada fluminense, no programa Estratégia de Saúde da Família. Ensinei CI como parte das ações de Educação Popular em Saúde da Equipe do PSF Campo do América, em Mesquita/RJ. Mas isto é uma outra história.
Foi assim que iniciei a prática docente profissional no meio da Dança. Aí, já tinha me tornado bailarina criadora pelo Ateliê Coreográfico de Regina Miranda, diplomado bacharel em Dança na Faculdade Angel Vianna (RJ) e recém certificada professora de DanceAbility. Os meus outros itinerários educacionais, com atravessamento de áreas de conhecimento, também já são uma outra história.
2011
Este foi o primeiro cartaz colado por Barão Geraldo para convidar as pessoas a virem para as aulas, já com o desejo de formação de turma.
Estas aulas aconteceram na Academia Linha de Frente, que foi uma academia de artes marciais parceira de muitos anos, que existiu até 2019 na rua de trás da banca central.
Poucas pessoas participaram, mas muitas pessoas ficaram sabendo que estava no território alguém movendo o Contato Improvisação. Tiveram práticas em grupo e também uma contratação para aulas particulares, o que não estava previsto, mas que foi muito interessante e que acabou acontecendo outras vezes ao longo desta década.
Estas aulas aconteceram até Junho, e em Agosto iniciou uma nova parceria, que durou até 2017, com o Espaço Cultural Casa do Lago, unidade da pró-reitoria de extensão universitária da Unicamp.
A parceria com a Casa do Lago foi fundamental para a introdução e consolidação do pólo de Contato Improvisação em Campinas. Foi graças a ela que eu pude encontrar de forma contínua pessoas interessadas em estudar comigo a Improvisação de Dança a partir de “Contact Improvisation e outros métodos geniais”, termo que criei em torno de 2018 para falar do trabalho.
Oficina de DanceAbility – Agosto a Dezembro 2011
A primeira oficina oferecida à comunidade na Casa do Lago foi de DanceAbility (Alessi, 2011). O DanceAbility é o método de Improvisação Coletiva de Dança sistematizado por Alito Alessi, seu desdobramento das pesquisas de Contact Improvisation com Steve Paxton e outras pessoas.
Na década de setenta nos Estados Unidos o movimento de contracultura chegava até o meio da Dança pós moderna questionando. Um dos questionamentos era sobre o corpo que podia dançar. E no meio do Contact Improvisation estava também a máxima de que todo corpo pode dançar. Alessi radicalizou esta premissa, incluindo em seu trabalho corpos de habilidades mistas (Alessi, 2011). Descobriu que sim, todo corpo pode dançar, mas não aquela dança que estavam dançando. E a partir daí desdobrou o DanceAbility, inicialmente com Karen Nelson, seguindo até hoje, mais de 30 anos de trabalho.
A oficina de DanceAbility durou todo o segundo semestre. É verdade que a montagem de um grupo de habilidades mistas como o método gostaria, não aconteceu. A chegada de pessoas cadeirantes ou pessoas cegas, por exemplo, requer uma logística de comunicação e realização que estava além do disponível nas políticas de extensão universitária praticadas na Casa do Lago. Mas foi um bom começo para o desenvolvimento de pedagogia para a Improvisação de Dança a partir de Contact Improvisation & outros métodos geniais.
Geografias de cinema
Durante o segundo semestre de 2011 frequentei uma disciplina do doutorado em Educação chamada Geografias de cinema, com Wenceslao de Oliveira (2011), do grupo de pesquisas OLHO – Laboratório de Estudos Audiovisuais, onde fomos provocadas a uma série de experimentos audio visuais que friccionassem nossa linguagem artística com o audiovisual, para pensar a produção do espaço.
Convidei Raquel Minako, que participava da oficina de DanceAbility e dançava Contato Improvisação, para uma manhã de dueto para captação de imagens de dança, que depois editei tendo em vista o exercício de geografias de cinema. Maximis e Gábor Basch fizeram as captações de imagens. A seguir algumas fotos e vídeos publicados na época.
Em outubro de 2011 Raquel Minako ofereceu, também na Casa do Lago, algumas práticas de CI, experimentando materiais que tinha vivenciado em uma incursão por festivais na Europa. Francesco Picciallo, italiano residente em Campinas, criou o primeiro grupo na rede social facebook para a comunicação das atividades em Campinas. Focalizou uma prática também.
O ano terminou e a parceria com a Casa do Lago se firmou. Para 2012 convidei Raquel para compartilharmos uma oficina de Improvisação de Dança ao longo do primeiro semestre. Foi neste período também que o projeto das Jams sessions de Contato Improvisação mensais começou em Campinas e nunca mais parou, exceto pela pandemia de 2020.
Referências
Alessi, Alito. Manual para certificação de professores DanceAbility. Florianópolis, 2011. Mimeo.
OLIVEIRA, Wenceslao de. Geografias de cinema. Disciplina de pós graduação. Faculdade de Educação/UNICAMP, 2011.
A próxima postagem traz o ano de 2012 – Casa do Lago, solo de Dança no Tugudum , e estágio de pesquisa no exterior em Montreal, no Canadá. Veja a postagem n.2.
————– Projeto histórias e temporalidade do processo de consolidação de Campinas como um pólo de ensino e pesquisa em Contact Improvisation. Realização Mucíná – Aquela que Dança, produzido para o canal Cultura Abraça Campinas, com apoio de recursos da Secretaria Municipal de Cultura de Campinas ————— Inclui a série no blogs.unicamp.br/chao e o perfil na rede social instagram @ciforadoeixo
Doutora na área de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte (Brasil/UNICAMP, Canadá/UQAM e Moçambique/UEM), dançarina e coreógrafa indisciplinar, bacharelou-se em Dança na Faculdade Angel Vianna (Rio de Janeiro) e bailarina criadora no Ateliê Coreográfico sob a direção de Regina Miranda (RJ/NYC). É especialista em Saúde Pública pela Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, mestre em Ciências da Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e atuou por 10 anos nas políticas públicas de saúde, inclusive a implantação do programa integral de atenção à saúde dos povos indígenas aldeados no Parque do Xingu, pela Escola Paulista de Medicina da UNIFESP. Na área da Dança trabalhou com muita gente competente no meio profissional internacional da dança contemporânea. É improvisadora mais do que tudo, bem que gosta de uma boa coreografia. Esteve em residência artística em Paris por 3 anos, com prêmio do Minc. Mulher de sorte, estudou de perto com Denise Namura & Michael Bugdahn, da Cie. À fleur de peau (Paris). Pela vida especializou-se no Contact Improvisation (Steve Paxton), onde conheceu as pessoas mais interessantes do mundo. Estudou pessoalmente com Nancy Stark Smith, Alito Alessi (DanceAbility), Daniel Lepkoff, Andrew Hardwood, Cristina Turdo e toda uma geração de colegas que começou ensinar Contact na mesma época que ela. Interessa-se por metodologia de pesquisa em arte, processos de criação de obras e ensino-aprendizagem e formação profissional em Improvisação de Dança. Estudou no Doctorat en études et pratiques des arts (Montreal, no Canadá) com o privilégio da supervisão de Sylvie Fortin. É formada no Método Reeducação do Movimento, de Ivaldo Bertazzo (BR). Seu vínculo com a Unicamp é de ex aluna da Faculdade de Ciências Médicas e da Faculdade de Educação. Suas pesquisas triangulam a dança contemporânea no Brasil, Canadá e Moçambique. Idealizou, fundou em 2016, e dirige a plataforma interdisciplinar de ensino e pesquisa em prática artística Mucíná - Aquela que Dança. E-mail: marilia.carneiro@alumni.usp.br