Um pólo de Contato Improvisação em Campinas – ano 2014 – n.4

Material for the spine, a movement study, de Steve Paxton

Meu primeiro campo em Moçambique terminou e voltei a Campinas. Já era 2014. Durante 9 meses escrevi o texto de qualificação da tese para o programa de Pós em Educação da FE/Unicamp, enquanto iniciei a prática docente e de pesquisa em uma atividade que chamo de “Estudo dirigido da obra Material for the spine de Steve Paxton” (Carneiro, 2014a).

 

Steve Paxton em Material for the spine. Fotoprint.

O MFS (Paxton, 2008), abreviação do título da obra, é um DVD-Room interativo no qual Paxton apresenta seu desdobramento pessoal da pesquisa seminal que propôs em 1972, chamada Contact Improvisation. Paxton explica que MFS parte de CI, mas não é CI. E que ele espera que em algum momento retorne a CI. Em português a obra é chamada “Material para a coluna, um estudo do movimento”.

Estudo dirigido de Material para a coluna de Steve Paxton, com Marília Carneiro. Espaço Cultural Casa do Lago/Unicamp, 2014. Fotoprint.

Eu entro em MFS para trazer ele a CI. Busco a obra paxtoniana (não só MFS, mas toda obra) como caminho, método, para entrar no corpo do aluno e ajudá-lo a dançar esta dança. Para isto crio os estudos dirigidos. A obra é de grande complexidade. Eu decifro a obra e levanto hipóteses. Com meus alunos verificamos na prática o que faz sentido e o que não, agregamos os saberes de todos neste empirismo. Saímos com teses, novas hipóteses, perguntas.

É um processo de investigação científica que de tempos em tempos é levado à cena, dando lugar a uma investigação artística e criação de obras coreográficas que são compartilhadas com o público em geral. Estes modos de fazer a prática docente, como pesquisa e estudo do método, são o meu desdobramento pessoal de CI.

No primeiro semestre de 2014 orientei dois grupos, em dois espaços diferentes dentro da Unicamp, ambos no âmbito da Extensão Universitária, em torno do meu “Estudo dirigido de MFS de Steve Paxton”.

LabFEF – o tatame chão de nuvens da Unicamp

Prática de Contact Improvisation com Marília Carneiro, LabFEF/Unicamp, 2014. Fotoprint.

No mesmo instante em que conheci o Laboratório Integrado de Ensino, Pesquisa e Extensão da Faculdade de Educação Física da Unicamp, quis dar aulas ali. Graças ao apoio do Prof. Dr. Odilon Roble, da FEF, isto se tornou possível de 2014 a 2017.

O espaço físico é muito importante para o estudo de Contact Improvisation. As dimensões olímpicas do LabFef e o tablado propulsor, mostraram sua influência no processo de ensino aprendizagem.

Os equipamentos de Ginástica Olímpica e fotos de Nadia Comaneci ao redor do tablado, traziam também um ar histórico, pois Paxton e Nancy Stark Smith, foram ginastas. Histórico também no fio de minha vida, pois pratiquei Ginástica Olímpica quando criança.

A estrutura física do LabFef convidou a novas tomadas de risco em termos da exploração da forma dançada do Contact Improvisation. A pergunta geradora de Paxton, “como sobreviver à queda?”, feita ali, nos permitiu descobertas motoras que não nos permitíamos no piso de mármore recoberto de placas de borracha que tínhamos na Casa do Lago, espaço onde também seguimos as atividades. 

Aperitivo – vídeo teaser das aulas de CI no LabFEF.

Comunidade de prática

 

Jam session de Contact Improvisation com focalização de Marília Carneiro, Espaço Cultural Casa do Lago/UNICAMP, Campinas, 2014. Foto de Liliane Bordignon.

Pela primeira vez dois horários por semana para as aulas de Contato Improvisação (e outros métodos genais) existiram. Eram 6h de aulas por semana, além de 1 Jam session mensal, de 3h. A expansão do trabalho era objetiva: 27h de práticas por mês, às vezes mais, por algum extra, como uma Mostra de filmes históricos e artísticos.

Foi em 2014 que pessoas, alunas e alunos, passaram a frequentar todas as práticas, deslocando-se da Casa do Lago para o LabFef, mesmo chegando atrasados ou saindo mais cedo por causa dos compromissos fora dali. Não eram muitas pessoas, mas o suficiente para dar início a uma comunidade de prática.

A comunidade de prática, que hoje é a Comunidade de Prática da Mucíná – Aquela que Dança, foi a situação de prática que levou ao desenvolvimento de camadas menos superficiais da pedagogia. Com as pessoas estudando continuamente – como num grupo de pesquisa dos tantos que existiam a nosso redor na universidade, pude observar as qualidades que meu material pedagógico imprimia nos estudantes e ampliar meu repertório para atender às necessidades que surgiam a cada encontro.

Um estado de descoberta e invenção no campo educacional havia se instalado. Estudantes dos mais variados cursos estavam ali e encontravam sentido em incluir cotidianamente em suas passagens pela universidade, as aulas de Contact Improvisation. Foi aí que começou a criação do curso de formação da Mucíná em Contato Improvisação.

Jams sessions

A seguir alguns materiais de divulgação das Jams sessions, sessões de Improvisação coletiva que comportam Contato Improvisação, que focalizei em 2014, no primeiro ciclo de expansão do trabalho em torno de CI em Campinas. Os documentos de divulgação do acervo mostram que nesta época comecei a nomear as Jams, indicando o FOCO que daria na minha FOCALIZAÇÃO. Isto segue até 2019, quando os nomes passam a ser dados pelas improvisadoras presentes na sessão, no momento final da Jam, quando fazemos a colheita (Smith apud Kotten & Smith, 2008:90).

 

Cartaz de orientação aos presentes na Silent Jam, Casa do Lago/UNICAMP, 2014.

OND Experimento cênico com material técnico

Em 2014 criei um novo solo de Dança Contemporânea, a partir dos Estudos dirigidos do Material para a coluna (Paxton, 2008) e motivada pelas teorias de metodologia de pesquisa em Artes sobre as quais estava debruçada para a escrita do texto de qualificação o doutorado, especialmente a PAC, Prática Analítica Criativa (RICHARDSON & St. PIERRE, 2005; CARNEIRO, 2016).

Em linhas gerais, a pergunta colocada é: como posso apresentar a obra de Paxton para um público leigo, em um solo de dança, no palco? Eu crio a obra e apresento no Desguste Tugudum de 2014, com apoio de Valéria Franco e Dalgalarrondo.

As conversas com o público provocadas pelo solo mostram que esta é uma boa maneira de compartilhar com a sociedade os processos de pesquisa em prática artística. Seguem algumas fotos de “OND. Experimento cênico com material técnico” (Carneiro, 2014b).

Divlgação na imprensa. Disponível em http://www.campinas.com.br/cultura/2014/09/cia-tugudum-promove-noite-com-danca-musica-e-artes-visuais

Referências

Carneiro, M.C.G. Estudo dirigido da obra Material for the spine de Steve Paxton (workshop), 2014a.

Carneiro, M. OND. Experimento cênico com material técnico (obra coreográfica), Campinas, 2014b.

Smith, N.S. UnderScore. IN: Kotten, D. & Smith, N.S. Caught falling: the confluence of Contact Improvisation, Nancy Stark Smith, and other moving ideas. Contact editions: Northampton, 2008:90.

Paxton, S. Material for the spine. A movement study. ContreDanse, Paris, DVD-Room interativo, 2008.

RICHARDSON, L. & St. PIERRE. Writing, A methody of inquiry. IN:DENZIN, N.K. & LINCOLN, Y.S. (org). The sage handbook of qualitative research. 3a edição, Thousand Oaks, London, New Delhi: Sage Publications, 2005, pp. 959-978.


A próxima postagem traz o ano de 2015 – O amadurecimento da pedagogia para integrar novatos em nossa comunidade de prática e a ampliação do escopo do trabalho para Improvisação de Dança a partir de Contact Improvisation & outros métodos geniais Veja a postagem n.5.

————– Projeto histórias e temporalidade do processo de consolidação de Campinas como um pólo de ensino e pesquisa em Contact Improvisation. Realização Mucíná – Aquela que Dança, produzido para o canal Cultura Abraça Campinas, com apoio de recursos da Secretaria Municipal de Cultura de Campinas ————— Inclui a série no blogs.unicamp.br/chao e o perfil na rede social instagram @ciforadoeixo

Mucíná - Aquela que Dança | marilia.carneiro@alumni.usp.br | Website | + posts

Doutora na área de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte (Brasil/UNICAMP, Canadá/UQAM e Moçambique/UEM), dançarina e coreógrafa indisciplinar, bacharelou-se em Dança na Faculdade Angel Vianna (Rio de Janeiro) e bailarina criadora no Ateliê Coreográfico sob a direção de Regina Miranda (RJ/NYC). É especialista em Saúde Pública pela Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, mestre em Ciências da Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e atuou por 10 anos nas políticas públicas de saúde, inclusive a implantação do programa integral de atenção à saúde dos povos indígenas aldeados no Parque do Xingu, pela Escola Paulista de Medicina da UNIFESP. Na área da Dança trabalhou com muita gente competente no meio profissional internacional da dança contemporânea. É improvisadora mais do que tudo, bem que gosta de uma boa coreografia. Esteve em residência artística em Paris por 3 anos, com prêmio do Minc. Mulher de sorte, estudou de perto com Denise Namura & Michael Bugdahn, da Cie. À fleur de peau (Paris). Pela vida especializou-se no Contact Improvisation (Steve Paxton), onde conheceu as pessoas mais interessantes do mundo. Estudou pessoalmente com Nancy Stark Smith, Alito Alessi (DanceAbility), Daniel Lepkoff, Andrew Hardwood, Cristina Turdo e toda uma geração de colegas que começou ensinar Contact na mesma época que ela. Interessa-se por metodologia de pesquisa em arte, processos de criação de obras e ensino-aprendizagem e formação profissional em Improvisação de Dança. Estudou no Doctorat en études et pratiques des arts (Montreal, no Canadá) com o privilégio da supervisão de Sylvie Fortin. É formada no Método Reeducação do Movimento, de Ivaldo Bertazzo (BR). Seu vínculo com a Unicamp é de ex aluna da Faculdade de Ciências Médicas e da Faculdade de Educação. Suas pesquisas triangulam a dança contemporânea no Brasil, Canadá e Moçambique. Idealizou, fundou em 2016, e dirige a plataforma interdisciplinar de ensino e pesquisa em prática artística Mucíná - Aquela que Dança. E-mail: marilia.carneiro@alumni.usp.br

Compartilhe: