Hipótese alpha: 14.09.2016- Manhã nublada


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          Esta escrita-dança, hoje, é acompanhada de música. Ouço Los Hermanos,

banda que compôs várias trilhas sonoras de minha vida. Acordei meio nostálgica. Fico

presa ao passado, o CI me afeta porque me traz para o presente, estar presente, o

estado presente. Tirei a música.

          O ensaio de ontem foi o 5º das cinco vezes que trabalharíamos com nosso trio. I

não foi, também está com piolhos. Mas C foi! A primeira vez que dancei com ela no dia

em que mostramos o material desenvolvido durante estes cinco encontros… Dançar com

C é inusitado, não segue muito as regras, as estruturas e os padrões. Acho ótimo porque

eu sigo, então com esta quebra, me desloco e me faz despertar  o lado mais

improvisadora. Como no momento em que ela começou a bater na minha cara de leve,

eu virava o rosto e repetia o movimento aumentando a intensidade e comprimento dele

ou colocou a boca meio que beijando-lambendo o meu braço, nesse eu pensei “What the

fuck?” e ri. Isso na primeira dança do dia.

         A estrutura do ensaio desta vez proposta pela diretora foi uma hipótese para

realizarmos no dia da performance. A dinâmica entre os trios é passar o protagonismo.

Começa em L no piano, vai pra C um solo, E outro solo e um duo entre elas, passa para

o grupo CDR, depois FLV e, por fim, FR que termina com palmas. Nesse processo,

entendo que, nós como improvisadorxs temos que manter nosso estado de atenção para

nosso corpo, para minha dança, para dança com x outrx, a dança com o público, para a

dança do próximo grupo para sabermos quando passarmos o protagonismo e indicar

essa passagem para o público, para pequena dança em nós, para dar suporte para a

dança do outro trio e para o espaço no geral. Tentar construir uma redoma concentrando

toda nossa energia, presença, atenção nesse espaço em que dançamos e em que o

público está presente. Construir essa atmosfera pela nossa dança, para sustentar a nossa

dança e para que o público sinta esse estado ou se afete com ele. Já faz um tempo que M

fala sobre ajudar a dança do outro olhando, agia sem saber bem o que seria isso, mas

prestava mais atenção e tentava me permitir a empatia do movimento que ela tanto fala

também.

       Mas o que é atenção? Segundo Wikipedia (essa fonte não é boa, mas como ele

explica este conceito é interessante), seria é “um processo cognitivo pelo qual

o intelecto focaliza e seleciona estímulos, estabelecendo relação entre eles”. Distingue

duas maneiras: uma espontânea, vigilância, que estamos sem perceber a toda hora e a

ativa, voluntária que focaliza a energia para determinado para estímulo. Complementa

que o grau de concentração depende do interesse, do estado de ânimo e das condições

gerais do psiquismo.

         A partir disso é interessante pensar o meu estado no terceiro encontro e em

consequência, o quarto. No terceiro e quarto, o desanimo acarretou um estado com uma

atenção-ativa trabalhando em 40% afetando minha qualidade de movimento, deixando-a

mecânica e com interesse-fake no movimento que estava fazendo. Entretanto, no quarto

encontro, com o warm up consegui transformar o estado em que cheguei para um estado

atento, revelando-se na dança que tive durante o aquecimento. O problema foi não

conseguir manter este estado nos rounds porque o estado desanimado se sobrepôs.

Desta maneira, o que tentei fazer de maneira não racionalizada foi manter a

atenção concentrada-ampliada e responder aos estímulos do espaço pela

cinestesia/propriocepção. Descobrir que cinestesia não é sinestesia foi esclarecedor!

Cinestesia é, segundo o Wikipedia, “a capacidade em reconhecer a localização espacial

do corpo, sua posição e orientação, a força exercida pelos músculos e a posição de cada

parte do corpo em relação às demais, sem utilizar a visão. Este tipo específico

de percepção permite a manutenção do equilíbrio postural e a realização de diversas

atividades práticas.” ou segundo o dicionário piberam, sensibilidade dos movimentos.

Diferentemente de sinestesia: junção de percepções sensoriais.

Mais interessante é a etimologia da palavra “atenção” vem do latim “attendere”

que significa “prestar atenção, observar” e literalmente esticar-se para. Formado por

“ad” + “tendere” significa alongar-se, estender, esticar. E a raiz da palavra tem relação

com do grego “teinein "to stretch," tasis "a stretching,

tension," tenos "sinew," tetanos "stiff, rigid," tonos "string," hence "sound, pitch;"” 1 .

Aparece outra palavra que usamos no CI: o “tônus”. Utilizamos-a para descrever um

estado de firmeza do músculo. “Manter o tônus elevado”. Atenção, esticar, alongar,

tônus. E o significado da palavra “esticar” é “, alongar o corpo ou parte dele,

procurando estendê-lo o máximo possível , puxar até ficar o mais teso ou estendido, e fazer durar ou durar mais, render ou render mais.” 2 Tendo em vista este

significado, lembro da imagem que M falou depois das 17h, sobre a dança de F, algo

como, puxar todo o fio do momento, do movimento até se esgotar  

        Conhecendo um pouco dessa improvisadora, associo esse seu modo de dançar

muito com o seu próprio jeito. Todos os improvisadorxs tem seu jeito próprio de dançar.

Alguns mais parecidxs com outrxs e outrxs bem singulares. Pensando agora, é possível

perceber (alguns de forma mais clara) quem desenvolveu seus movimentos dentro da

dança e da linguagem Contato Improvisação e quem tem repertório de outras linguagens

de movimento. As duas improvisadoras pertencentes ao meu trio são um exemplo.

Trazem muitas referências de fora e tem características/jeitos de movimento bem

marcadas e individuais (pelo menos na esfera em que estamos). Provavelmente, eu

também trago muitas referências de fora, pergunto-me qual é o meu jeito de dançar? Se

eu fosse olhar pra a minha dança como pessoa que vê, o que veria? Um olhar de fora

sobre a dança que danço. Sinto essa necessidade de referência-orientação. Preciso ver

vídeos das nossas danças. Há outra pergunta que me faço: será por isso difícil encontrar

uma conversa com I? Como lidar/utilizar/ explorar com essas várias referências de fora

no momento de uma dança de CI? Eu só sei dizer sobre a minha dança com meu olhar

dentro de mim, preciso ver a minha dança com meu olhar fora de mim.

Palavras: cinestesia, propriocepção, atenção, esticar, estados, jeitos

Hipótese alpha – Criação de Constanza Paz Espinoza Varas

 

1 http://www.etymonline.com/index.php?term=tenet&allowed_in_frame=0

2 esticar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-

2013, http://www.priberam.pt/dlpo/esticar [consultado em 15-09- 2016].

 


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Nascida em São Paulo, em uma família tradicional japonesa, que me incentivava quando criança às artes orientais, odori e karaokê. Depois de uma caminhada que tomou trajetos inesperados, me formei em Ciências Sociais, Bacharelado em Antropologia, pela Unicamp, em 2015. Nesse período, encontrei o meu corpo em uma aula de Contato Improvisação oferecida por Marília Carneiro, na Casa do Lago, em 2014. Corpo desperto, ele se tornou o seu próprio caminho. Em busca de novas aventuras, encontrei a Cia. do Circo, onde meu corpo foi transformado em um campo com potência e pode experimentar diferentes relações com o peso, espaço e limites no tecido, trapézio e contorção desde novembro de 2014. Em 2015, comecei a me apresentar com a Cia. do Circo em eventos. O meu corpo também está sendo transformado com as técnicas de Klauss Vianna apreendidas nas aulas de Jussara Miller há um ano. Incorporei-me no projeto dirigido por Marília Carneiro, o Ciper- ContactImprovisation&Performance, grupo de pesquisa em performance de Contato Improvisação, em que participei como improvisadora e escritora.

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