Olá querido leitor, espero que esteja tudo bem com você. No último dia 5 de julho estreou nos cinemas o filme Homem-Formiga e a Vespa produzido pela Marvel Studios, sendo uma sequência de Homem-Formiga, de 2015, e o vigésimo filme do Universo Cinematográfico Marvel. O filme, segundo o site O GLOBO, arrecadou US$ 76 milhões na estreia nos Estados Unidos e segundo o site do G1, no Brasil, a arrecadação no primeiro final de semana de exibição somou R$ 13,4 milhões de bilheteria.
Honestamente, eu não sou um fã de quadrinhos. Por isso eu só conheci o Homem-Formiga no filme de 2015. Nesse filme, o Homem-Formiga é vivido pelo ladrão Scott Lang e conta com a ajuda do cientista Henry “Hank” Pym, que nos quadrinhos criou a fórmula que permitia encolher coisas e a testou em si mesmo, tornando-se o primeiro Homem-Formiga. Um ótimo resumo da história desse herói pode ser visualizada aqui.
Porém, quando eu assisti o filme, principalmente Homem-Formiga e a Vespa, não resisti em pensar o quanto seria sensacional nós termos uma tecnologia que permitisse você miniaturizar ou expandir objetos, de modo que eles funcionassem e mantivessem certas características nas escalas micro e macro. E ainda por cima, nós pudéssemos acessar as vantagens de cada escala.
Nós não temos [ainda] uma tecnologia assim. Porém, você consegue pensar em alguma tecnologia que se aproxime dessas características? Eu consigo [kkkkk].
Assim querido leitor saiu a ideia desse post. Eu pretendo nesse post e no próximo mostrar 4 semelhanças entre o Homem-Formiga e a Microfluídica. Eu me baseie em 4 características do Homem-Formiga: diminuição de tamanho, comunicação com formigas, força ampliada e ficar gigante. Já do lado da Microfluídica nós iremos conversar sobre fabricação de microdispositivo, controle de fluidos em microescala, leis de escala e estratégias de aumento de produção de microdispositivos.
Vamos dar uma olhada no Homem-Formiga e na Microfluídica.
Como o Homem-Formiga encolhe?
Você já parou para pensar o que ocorre fisicamente quando o Homem-Formiga encolhe?
Bom, algumas pessoas já [kkkkk]. O físico Rhett Allain escreveu um post no qual ele tenta elaborar uma teoria de como o Homem-Formiga poderia diminuir sem alterar as leis da Física [pelo menos eu acho!]. O post original, em inglês, está disponível aqui.
Como o físico aponta, existe um sério problema nesse encolhimento, principalmente em relação a massa e densidade do herói. Considerando que Scott Lang tenha 1,8 metro de altura e uma massa de 86 kg (conforme indicado na página Wiki da Marvel). O que acontece com sua massa quando ele encolher?
Bom, segundo o físico existem duas opções: ele poderia manter a mesma massa (ele tem uma força humana normal) ou poderia manter a mesma densidade e ter uma massa menor em tamanho de formiga. Porém, em ambos os casos nós teríamos problemas. Se a massa permanecer constante, no final do processo de encolhimento, o pequeno Homem-Formiga teria uma densidade que é 2,8 milhões de vezes a densidade de um humano normal.
Se a densidade permanecer constante, o pequeno Homem-Formiga teria uma massa aproximada de 30 mg. O problema com essa opção é: onde foi parar os 85,99997 kg? Se usarmos a equivalência massa-energia, E = mc2 em que c = 3 x 108 m/s, essa redução de massa produziria 7 x 1018 joules. Para se ter uma ideia desse número, a bomba de Hiroshima liberou uma energia de aproximadamente 63 x 1012 joules.
O físico resolve esses problemas dizendo que na verdade o Homem-Formiga não fica pequeno [Como assim?]. Em vez de ficar pequeno, o Homem-Formiga pula para outra dimensão. Nessa dimensão, o Homem-Formiga ainda é do mesmo tamanho, porém, ele parece menor para nós. Ou seja, todo mundo vê o Homem-Formiga como menor, mas ele não é. Nossa percepção desta dimensão faz parecer que ele seja pequeno.
Bom, na Microfluídica nós não precisamos invocar outra dimensão para entrar na escala micrométrica!
Como “encolher” na Microfluídica?
Existem vários métodos de se fabricar microdispositivos, dentre eles nós temos: fotolitografia; micromoldagem (micromolding) e impressão 3D.
A fotolitografia utiliza radiação UV ou raio-X para transferir um padrão projetado em uma fotomáscara (imagem fotográfica negativa de um molde) para um substrato (silício, quartzo ou vidro) pré-revestido com fotorresiste (polímero fotossensível), que após uma série de tratamento químico “adquirirá” o padrão exato [1].
Coltro et al. [2] resume esse processo da seguinte maneira: “o processo fotolitográfico consiste na escolha e limpeza do substrato, fotogravação dos microcanais em um polímero fotossensível (fotorresiste), corrosão do substrato e selagem dos microcanais“. Esse processo está representado na Figura 1.
Nessa figura Coltro e colaboradores mostram as principais etapas da construção de microdispositivos sobre substrato de vidro através da técnica de fotolitografia: (I) deposição de filmes metálicos e de fotorresiste sobre o substrato; (II) posicionamento da máscara e exposição à radiação UV; (III) revelação da imagem fotogravada no fotorresiste; (IV) corrosão das regiões da camada metálica não protegida pelo fotorresiste; (V) corrosão do substrato transferindo a configuração dos microcanais para o vidro e, (VI) remoção das camadas de fotorresiste e metal e selagem do microdispositivo.
A micromoldagem consiste na obtenção de um molde que contém o padrão microfluídico desejado. Este molde é utilizado para replicar o microdispositivo, transferindo a estrutura microfluídica do molde para o substrato, através de técnicas de replicação [1,2]. Algumas técnicas de replicação são: moldagem por injeção, estampagem a quente e litografia macia. Na moldagem por injeção, um polímero termoplástico é aquecido e pressionado (injetado) sobre um molde. A estrutura molde/polímero são resfriados, obtendo-se o subtrato com a estrutura microfluídica desejada. Na estampagem a quente, também é utilizado um molde mestre e um substrato de polímero plano. Esse substrato é aquecido acima das temperaturas de transição vítrea do material de substrato. A temperatura do vidro normalmente está na faixa de 50 °C a 150 °C. A força de estampagem (0,5 a 2 kN/cm2) é então aplicada no substrato sob condições de vácuo. Antes da liberação, o molde e o substrato são resfriados sob a força de estampagem aplicada [3].
A técnica de litografia macia, resumidamente, consiste da escolha do substrato sólido, fotogravação dos microcanais em um polímero fotossensível (fotorresiste), replicação dos dispositivos microfluídicos e selagem dos microdispositivos. O post “Fabricação de reatores de microcanais por litografia macia” descreve em detalhes esse método de fabricação de microdispositivos.
A impressão em 3D (ou manufatura aditiva) é uma técnica que fabrica objetos físicos de modelos digitais por processos aditivos através dos quais sucessivas camadas de material são depositadas para produzir o objeto final.
O processo começa com um modelo sólido tridimensional, que pode ser obtido por scanners (e.g., Fuel3D, Scanify, iSense, Cubify, etc.), baixado de redes sociais (e.g., thingiverse.com, grabcad.com, sketchfab.com, etc) ou através de computer-aided design (CAD) softwares (FreeCAD, Sketchup, Rhino3D, Autodesk Inventor, etc). Em seguida, esse modelo é fatiado em inúmeras camadas (dependendo da resolução) por softwares de fatiamento (e.g., Cura, Simplify3D, Slic3r, etc). Cada camada é criada através da deposição seletiva de material (e/ou energia para fundir a matéria-prima) para formar a peça impressa.
Um método bastante interessante que une de certa forma as vantagens da litografia macia com a impressão 3D é o ESCARGOT, desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Wageningen na Holanda. Nós já comentamos esse método no post “Microdispositivos fabricados por impressoras 3D e PDMS“.
O método ESCARGOT, resumidamente, consiste em extrusar um padrão de canais em Acrilonitrila butadieno estireno (ABS). O padrão dos canais é suspenso em Polidimetilsiloxano (PDMS) líquido e curados a 75 °C por 2 h. Após esse procedimento, o padrão dos canais em PDMS é imerso em acetona por 12 h, dissolvendo a estrutura. No final do processo é realizada uma limpeza do canal interno, criando de fato um dispositivo microfluídico PDMS.
Existem outros métodos de miniaturizar dispositivos que não foram citados aqui, como a gravura (etching), a microusinagem (micromachining), dentre outras. O leitor pode consultar um ótima literatura sobre esses métodos e outros em [3].
Como o Homem-Formiga se “comunica” com as formigas?
Segundo o site Provollone, no texto “Como funcionam os poderes do Homem-Formiga?”, o Homem-Formiga controla as formigas através do famoso capacete de Hank Pym. A explicação dado no site é que o capacete de Hank engana a formiga, fazendo-a acreditar que está recebendo uma informação e obrigando-a fazer uma tarefa específica.
No filme Homem-Formiga, Dr. Hank Pym utiliza um dispositivo de tecnologia auditiva para se comunicar diretamente com os tipos diferentes de formigas. E segundo o site EverydayHearing, esse dispositivo auditivo de alguma forma traduz o desejo do usuário através de pulsos eletromagnéticos a estímulos químicos que supostamente estimulam o sistema olfativo das formigas, e essencialmente permitem que você as controle.
Na Microfluídica, nós não precisamos de nenhum capacete super tecnológico para controlar os fluidos!
Como “controlar” os fluidos na Microfluídica?
Bom, primeiramente vamos dar uma olhada nos principais componentes de um sistema microfluídico. Basicamente, os componentes são: microdispositivos, sensores e controladores, em alguns casos equipamentos de monitoramento e as bombas, que são o que controlam de fato os fluidos. Um sistema básico está apresentado na Figura 2.
Os microdispositivos podem ser micromisturadores, microrreatores, microtrocadores de calor entre outros que nós discutimos semanalmente aqui no blog.
Os sensores incluem sensores de vazão, temperatura, pressão entre outros. O leitor pode consultar e comprar alguns [kkkkk] nos sites da empresa Dolomite e Darwin Microfluidics. Em relação ao controle, um dos mais utilizados é o de temperatura, apesar de que em algumas situações o controle de pressão também seja necessário (um exemplo de equipamento para esse controle está disponível aqui). Nos meus ensaios experimentais durante o doutorado, em determinados momentos eu utilizei uma simples chapa aquecedora para manter a temperatura constante.
Quando nós estávamos desenvolvendo um microtrocador de calor (post disponível aqui) nós desenvolvemos um sistema de aquecimento do microdispositivo a partir de placas de Peltier. Esse sistema era constituído de uma fonte de tensão, a qual fornecia uma diferença de potencial (V), um sensor de temperatura, um controlador digital de temperatura (Modelo MTB48, LOTI), e da placa de Peltier (Modelo HTC-50-12-15-4). Assim, os sensores e controladores que você vai usar depende muito da sua aplicação e dos seus recursos.
Em relação aos equipamentos de monitoramento, eu me refiro a equipamentos que lhe ajude a monitorar o seu processo. Nesse caso temos desde um simples microscópio digital da Dino-Lite que lhe permite observar o escoamento de fluidos dentro dos microdispositivos até métodos de detecção. Os principais métodos de detecção são os ópticos (UV-VIS), eletroquímicos e técnicas de caracterização off-line e on-line, como a cromatografia gasosa (CG), cromatografia líquida de alta performance (HPLC), espectrometria de massa (MS), FTIR e espectroscopia Raman.
Agora vamos falar de como controlar os fluidos. Normalmente, nós podemos controlar os fluidos nos microdispositivos através de bombas peristálticas, bombas de seringa e controladores ou bomba de pressão, além das bombas eletro-osmóticas e microbombas que não serão discutidas aqui (O leitor pode consultar a referência [2] para mais informações desses tipos de bombas).
As bombas peristálticas e/ou bombas de recirculação são utilizadas quando se faz necessário que as amostras circulem continuamente dentro do microdispositivo. O líquido está contido em um tubo flexível e compressões alternativas e relaxamentos atraem o líquido e resultam em fluxo. As bombas peristálticas operam sem contato com os fluidos, ou seja, o fluido que é bombeado e o próprio mecanismo de bombeamento da bomba estão completamente isolados uns dos outros pela parede dos tubos. Isso pode ser importante em aplicações em que existe o risco de contaminação e meios perigosos, como por exemplo, líquidos em temperaturas elevadas.
Bombas de seringa provavelmente são os mais utilizados meios de controle de fluidos na Microfluídica. Elas são baseadas em um sistema mecânico normalmente acionado por um motor elétrico de passo que empurra uma seringa a uma taxa fixa de deslocamento. Essas bombas podem ser classificadas em: bombas de seringa clássicas e bombas de seringa sem pulso (pulseless syringe pumps). Um exemplo de bomba seringa clássica é apresentado na Figura 2. Essa bomba é o modelo KDS 100 da kdScientific, que trabalha com seringas de 10 µm a 60 mL e vazões de 0,1 µL h-1 a 426 mL h-1. Dependendo do modelo podem ser de baixo custo. Entretanto, em vazões muito baixas podem gerar oscilações de vazão. As bombas de seringa sem pulso, oferecem desempenho de estabilidade de fluxo melhor. Por outro lado, bombas de seringa sem pulso oferecem desempenho de estabilidade de fluxo melhor. Um tipo de bomba seringa muito interessante é o dispositivo de dosagem de bomba de seringa (syringe pump dosing device) [exemplo disponível aqui].
O princípio de funcionamento das bombas de pressão é pressurizar os reservatórios da amostra para controlar a queda de pressão entre a entrada e a saída do sistema microfluídico. Os controladores de pressão são sistemas de controle de fluxo que pressurizam o tanque que contém sua amostra. Usando fluxos acionados por pressão, as mudanças de pressão se propagam dentro do microdispositivo sem delay, levando a um rápida troca de fluxo.
Por não conter partes mecânicas em movimento envolvidas, os fluxos acionados por pressão permanecem suaves, independentemente das taxas de fluxo. Controladores modernos de pressão permitem que você controle a pressão e a taxa de fluxo, integrando um medidor de vazão com um loop de feedback. Um exemplo de bomba de pressão microfluídica disponível no mercado é a AF1 da Elveflow. Essas bombas integram uma microbomba e um controlador de pressão de alta precisão. Esses controladores permitem a geração e controle preciso da pressão em microdispositivos sem linhas de gás comprimido ou compressores de gás. Outro exemplo dessas bombas é o Sistema de Controle de Fluxo Microfluídico MFCS ™ -EZ da Fluigent.
E assim querido leitor nós finalizamos a primeira parte da nossa aventura. Na semana que vem nós iremos continuar falando das semelhanças do Homem-Formiga e a Microfluídica.
Até o próximo post!
[1] SUN, B.;,JIANG, J; SHI, N.; XU, W. Application of microfluidics technology in chemical engineering for enhanced safety. Proc. Safety Prog., v. 35, p.365-373, 2016. DOI:10.1002/prs.11801
[2] COLTRO, W. K. T.; PICCIN, E.; CARRILHO, E.; JESUS, D. P. de.; SILVA, A. F. da.; SILVA, H. D. T. da.; LAGO, C. L. Microssistemas de análises químicas. Introdução, tecnologias de fabricação, instrumentação e aplicações. Química Nova, v. 30, p. 1986-2000, 2007. Link para o artigo.
[3] NGUYEN, N-T. Micromixers, Fundamentals, Design and Fabrication. William Andrew, 2012. Link para o livro.
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Mto legal. escrito de uma forma fluídica jeje. Bom ano novo! Abraços, nos vemos.
Muito bom, kkkk
Parabéns pelo seu post. É uma excelente oportunidade para divulgar a ciência que existe atrás da ficção. Muito bem escolhido o filme e muito bem explicado seus conceitos. Excelente!!
Obrigado Mauro pelo comentário. Devo postar a parte 2 em breve.
Conteúdo sensacional de bom!
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