A Síndrome de "Jurassic Park"

Temos pouco mais de um ano antes de contemplarmos Jurassic World nos cinemas, o quarto filme da saga Jurassic Park, filme que fez parte da infância de todos que cresceram nos fins dos anos 80 e anos 90. O que mais nos chamava atenção eram os dinossauros sofisticados ágeis e inteligentes que contrastavam com todos os outros filmes e livros acessíveis até 1993. E agora, será que JW trará a mesma sensação?
A resposta provavelmente é não. Veja o porquê adiante.

Portão do Jurassic Park, na Isla Nublar (1º filme).

Sou fã incondicional de Jurassic Park, cujos filmes na infância foram determinantes no boost de interesse pela área, o que resultou em minha escolha profissional pela Paleontologia. Portanto, não tenho nada contra a saga. Pelo contrário, adoro.

A questão é que JP foi uma faca de dois gumes para nós. Primeiramente, foi excelente para divulgarmos nossa ciência com as teorias mais recentes até 1990. Porém, ao tornar-se um clássico instantâneo, estagnou e bloqueou a entrada de avanços científicos na mídia popular. Ainda hoje apresentam dinossauros com aparência obsoleta reptiliana no estilo 90’s. E isso não  ficou só para JP: espalhou-se para toda forma de mídia: jogos eletrônicos, filmes, livros, seriados etc.

E qual é o impacto disso? Até hoje tenho debates com colegas de outras áreas de pesquisa para convencê-los de que as Aves são dinossauros! Inclusive, entre paleontólogos já utilizam-se os termos “dinossauros não-avianos” e “dinossauros avianos” para referirem-se entre os dois grandes grupos.

Para que JW tivesse o mesmo impacto impressionante em 2015 que JP1 teve em 1993, não bastam

T. rex atacando saurópode no filme mudo “Mundo Perdido”, 1925.

apenas efeitos especiais epilépticos, roteiro massa e atores talentosos, e sim dinossauros no estilo do século XXI, com penugens, postura, forma e comportamento aprimorados.

Colin Trevorrow foi o jovem escolhido para dirigir a nova trilogia. Adorei a escolha: um diretor de filme independente, criativo e fã da série original. Infelizmente, por pressão e saudosismo do público geral e, inclusive, dos fãs doentes saudosistas da franquia ele deverá apresentar dinossauros com o look 1993 novamente.

T. rex no filme “King Kong”, 1933.

Dentre os inúmeros erros que continuarão sendo apresentados na série, separei alguns que merecem destaque:

1) Penas e penugem. O público geral costuma dizer que se dinos apresentassem penas nos filmes não dariam medo a ninguém. Nunca estiveram tão errados em sua nostalgia. Há 10 anos apresentou-se uma descoberta de fóssil de Velociraptor mongoliensis apresentando estrias de inserção de penas em sua ulna. Desde então, houve um bum de descobertas de diversos Dromaeosaurídeos (raptores). A atual discussão da filogenia desse grupo de dinossauros é uma das mais quentes na área! E então como deveriam ser os dinossauros corretamente interpretados nos dias de hoje? Eles pareciam galinhas, então, porque têm penas? Não. Eu teria mais medo, ainda, de um dinossauro emplumado. Os Raptores deveriam ser algo assim:

Interpretação artística de um Raptor genérico. Autoria indicada na imagem. Não parece assustador para você?

Tiranossauróides também têm sido encontrados com penas. Foi o caso do Yutyrannus, uma forma basal do grupo encontrado na China, já apresentando longas penugens semelhantes às do avestruz. A visão atual de como um T. rex deveria ser é como abaixo:
T. rex emplumado em ataque. Visão mais cientificamente acurada até o presente. Não é assustador? Artista indicado na imagem.

2) Anatomia. O público nostálgico não consegue se desvincular do formato dos dinos dos anos 90. As “mãos” de terópodes como o T. rex e o Velociraptor dos filmes apresentam-se de uma maneira errônea. O punho dos raptores dobrava-se lateralmente, como o das aves. Os punhos dos terópodes como o Tiranossauro eram voltados para o peito, como se estivessem segurando uma bola de basquete. A postura de mãozinha de faraó egípcio que ainda é apresentada hoje em filmes e jogos já é uma visão ultrapassadíssima.

3) “Se ficar parado, ele não te enxerga”. hahaha, vai nessa. Essa ideia errada é talvez a que mais liga JP aos anos 80′ e 90’s. Terópodes como o T. rex eram quase como águias gigantes: infalíveis na detecção de sua presa. E ainda havia o extra do olfato de abutre. Junta isso e faz um combo em um animal como o T. rex. Eles não era estúpidos. Sabiam o que estavam fazendo e eram bons nisso. Seja na caça, ou no oportunismo.

A falta de humildade dos homens perante os dinossauros nos iludiu por muitas décadas como se a causa do outro grupo ter ido à extinção fosse a sua estupidez, falta de capacidade para caçar, fugir e outras baboseiras. Só porque um grupo como os dinossauros não-avianos extinguiu-se não significa que eram inferiores a nós, ou menos competentes evolutivamente. Afinal, dinos não-avianos viveram por mais de 165 milhões de anos na Terra, e nós, meros 160 mil (mais de 1.000 vezes menos tempo) e já estamos comprometendo nossa existência futura.

Terópode retrô em “Vale de Gwangi”, 1960’s.

Para concluir, os dinossauros no cinema, desde os anos 1920’s, evoluíram de acordo com as descobertas científicas. Porém, o efeito paradoxal que Jurassic Park gerou fez com que a imagem desses animais se fixasse no tempo, 20 anos atrasada. Isso dificulta o trabalho que nós, paleontólogos, viemos fazendo para apresentar as novas descobertas ao público.

Portanto, vocês, quando assistirem ao quarto filme da série, estejam sabidos de que estão vendo uma versão 1993 colorida dos nossos queridos colegas mesozoicos e que, na vida real, eles eram bem distintos. Seria como ter assistido ao primeiro filme, em 1993, só que ao invés de ter aparecido aquele Tiranossauro massa, tivéssemos sido surpreendidos pelo GWANGI!

Bã bã bã bã! Dinos retrôs atacam!
Bã bã bã bã! Dinos retrôs atacam!

A falta de surpresa no look dos dinos não deveria tirar o ânimo e a motivação para assistir ao filme em 2015, pois a história parece muito interessante, um recomeço.

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A Paleontologia brasileira no cinema

iconO curta-documentário produzido pelos Colecionadores de Ossos, sob direção de Tito Aureliano, foi selecionado e participará de um dos maiores festivais audiovisuais do país, o Cine-PE. A Paleontologia brasileira invade as telonas pela primeira vez, falando sobre fósseis, ciência, preservação do patrimônio e sustentabilidade. O curta, “Tesouros do Araripe: os fósseis e a comunidade” tem 9’03” e será apresentado no dia 26 de abril no Teatro Guararapes, Centro de Convenções, em Olinda, PE.

cine-pe-2014

O Cine-PE é conhecido por ter o maior público de todos os festivais do mesmo gênero no Brasil. Esse ano ele inovou, internacionalizando o evento, que conta com a participação de curtas e longas italianos, portugueses, argentinos, dos Estados Unidos – como “O Grande Hotel Budapeste”, dirigido por Wes Anderson – e ainda outros países.

“Tesouros do Araripe” concorrerá na categoria “Curtas Pernambucanos” e fala sobre um projeto desenvolvido pelo Laboratório de Paleontologia da UFPE (PALEOLAB), coordenado pela Profa. Alcina Barreto, no município de Exu, interior de Pernambuco. A produção do vídeo é um dos resultados desse projeto, que visa a musealização do município de Exu e preservação do patrimônio paleontológico do Estado de Pernambuco. O projeto foi financiado pela Pró-Reitoria de Extensão da UFPE (PROEXT) e continua sendo desenvolvido em parceria com a Prefeitura do Município.

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Veja a programação e leia mais sobre o Cine-PE na página do G1: AQUI.
Assista a primeira versão do curta-documentário em nossa página no youtube: AQUI.