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A rainha das “cobras-cegas”

Pesquisadores brasileiros em parceria com colegas australianos descreveram recentemente, o fóssil de uma espécie de “cobra-cega”, que viveu no Sudeste do Brasil há mais de 85 milhões de anos. Além de o fóssil ser muito importante para o entendimento da evolução do grupo, a espécie é a maior já encontrada entre as cobras-cegas vivas ou extintas. Boipeba tayasuensis, como foi batizada, tinha cerca de 1 metro de comprimento, e sua descoberta preenche uma grande lacuna na história evolutiva das serpentes Scolecophidia.

Boipeba tayasuensis, uma grande cobra-cega do Cretáceo do Brasil. Arte de Jorge Blanco.

O fóssil de Boipeba foi encontrado no município de Taiaçu no Oeste do Estado de São Paulo, próximo à Monte Alto, localidade já conhecida pela ampla ocorrência de fósseis do Período Cretáceo. O principal responsável pelo estudo foi Thiago S. Fachini, estudante de doutorado, orientado pela Professora Annie S. Hsiou, ambos da USP de Ribeirão Preto. O estudo ainda contou com a participação de outros dois colegas brasileiros, Silvio Onary e Mário Bronzati, e dois pesquisadores australianos.

O trabalho foi publicado dia 19 de novembro na revista iScience e baseia-se na descrição de uma vértebra bem distinta, grande, para uma “cobra-cega”, e com um formato notavelmente achatado. Daí o nome Boipeba, que significa “cobra-achatada” em Tupi-Guarani. O epíteto específico, “tayasuensis”, faz referência ao município de Taiaçu, assim, a combinação do nome da nova espécie fóssil significa “cobra-achatada de Taiaçu”.

A distinta vértebra de Boipeba tayasuensis (Fachini et al. 2020).

Boipeba tayasuensis era uma serpente de médio porte, com comprimento estimado em 1 metro, tamanho bastante semelhante ao de outras cobras fósseis do mesmo período. O interessante, todavia, é o fato de Boipeba ser uma serpente Scolecophidia, ou seja, um tipo de “cobra-cega”. Atualmente, as cobras-cegas são pequenas serpentes escavadoras, de hábitos essencialmente subterrâneos, que tem os seus olhos bastante reduzidos. As espécies atuais de Scolecophidia não ultrapassam 30 cm de comprimento, o que torna Boipeba uma gigante das cobras-cegas. Mesmo as outras formas fósseis conhecidas não têm tamanho comparável ao da “cobra-achatada de Taiaçu”. O fato de ela ser tão grande dá uma pista aos pesquisadores sobre as tendências evolutivas do grupo. A “miniaturização” em Scolecophidia pode ter sido uma tendência mais recente, acompanhando fatores ambientais e ecológicos.

Mas não é só o tamanho que torna Boipeba importante. Fósseis de serpentes são muito raros no Cretáceo, ainda mais na Bacia Bauru, unidade geológica na qual ela foi encontrada. Outros fósseis associados à serpentes já haviam sido descobertos, mas este é o primeiro descrito formalmente como espécie. Boipeba, portanto, amplia o nosso conhecimento sobre a diversidade de organismos do Cretáceo da Bacia Bauru e torna a rede ecológica deste antigo paleoambiente mais complexa.

No Cretáceo brasileiro, o único outro registro inequívoco de uma espécie de serpente é de Seismophis septentrionalis, do Cenomaniano do Maranhão (Bacia de São Luís-Grajaú). Tetrapodophis amplectus, comumente referida como a “cobra com patas” do Aptiano-Albiano da Bacia do Araripe, é questionada por muitos autores e tem uma história bastante complexa (leia mais sobre isso aqui).

Outro aspecto que destaca a descoberta de Boipeba para a Ciência é a idade do seu fóssil. Ela é a espécie mais antiga de cobra-cega já descoberta. Os registros mais antigos de Scolecophidia até então encontrados, eram datados do final do Paleoceno e início do Eoceno da Europa e África (cerca de 56 milhões de anos atrás). Contudo, análises moleculares estimavam o surgimento do grupo para o Cretáceo. Boipeba confirma essa hipótese. A diversificação inicial das cobras-cegas pode ter acontecido na América do Sul e o Brasil pode ter sido um dos palcos principais deste evento evolutivo.

Boipeba estende o registro de Scolecophidia para o Cretáceo Superior do Brasil, preenchendo uma lacuna no espaço e no tempo para a compreensão evolutiva do grupo. As previsões moleculares agora ganharam sustento de evidências paleontológicas.

Boipeba é mais uma descoberta recente que demonstra como o território brasileiro é importante para a Paleontologia mundial. As contribuições que o artigo de Boipeba traz são fundamentais para os estudiosos de evolução de serpentes e, com certeza, atrairão a atenção de paleontólogos do mundo para os estratos rochosos do interior de São Paulo.

NOTA: o grupo mais popularmente conhecido como “cobra-cega” são as cecílias, ou gimnofionas, que são um tipo de anfíbio. As Scolecophidia, um grupo de serpente, todavia, também podem ser chamadas de “cobras-cegas” por conta de seus olhos reduzidos.

Referência:

Fachini, T. S., Onary, S., Palci, A., Lee, M. S. Y., Bronzati, M., Hsiou, A. S. CRETACEOUS BLINDSNAKE FROM BRAZIL FILLS MAJOR GAP IN SNAKE EVOLUTION. iScience, 1-40. doi: https://doi.org/10.101 /j.isci.2020.101834

Vespersaurus: Um novo dino brasileiro

Estudo publicado nesta quarta-feira (26/06/19) na revista Scientific Reports, do grupo Nature, apresenta uma nova espécie de dinossauro brasileiro, que viveu no Período Cretáceo, há cerca de 90 milhões de anos.

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Reconstrução em vida de Vespersaurus paranensis. Crédito da imagem: Rodolfo Nogueira.

O fóssil foi encontrado no município de Cruzeiro do Oeste, PR, e foi estudado por paleontólogos das universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Maringá (UEM), além de pesquisadores do Museo Argentino de Ciências Naturales e do Museu de Paleontologia de Cruzeiro do Oeste. A nova espécie foi nomeada Vespersaurus paranaensis.

Vesper (do latim) significa oeste/entardecer, em referência ao nome da cidade onde foi descoberto o fóssil, e paranaensis faz uma homenagem ao Estado do Paraná, já que este é o primeiro dinossauro paranaense descrito.

Os fósseis da nova espécie de dinossauro pertencem a um grupo de dinossauros carnívoros chamados de Noasaurinae. Os Noasaurinae são abelissauros diferentões, de pequeno porte, encontrados desde a Argentina até Madagascar (com possíveis registros na Índia). Estes terópodes viveram em uma época em que os continentes do sul ainda estavam unidos, formando o Gondwana, e transitavam de um lado para o outro, cruzando um imenso deserto que existia entre o Brasil e a África.
Restos de Noasaurinae já eram conhecidos para o Brasil (veja Lindoso et al., 2012 e Brum et al., 2016), mas este é o material mais completo encontrado até o momento. É também o material mais completo de dinossauro terópode descrito para o Brasil até agora, com quase metade do esqueleto encontrado.

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Representação tridimensional do esqueleto de Vespersaurus paranensis indicando (em cor sólida) os ossos que foram encontrados. Crédito da imagem: Rodolfo Nogueira.

O novo dinossauro possuía vértebras pneumáticas, que conferiam leveza ao seu esqueleto, como nas aves viventes, e um braço muito reduzido (com menos da metade do comprimento da perna). Porém, a sua característica anatômica mais peculiar eram os pés. Seu peso era praticamente todo suportado por um único dedo central, sendo o animal funcionalmente monodáctilo, como os cavalos. Os dedos que flanqueavam o dígito central, por sua vez, possuíam grandes garras em forma de lâmina, que deveriam servir para cortar e raspar carne.

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Pata direita de Vespersaurus paranensis como preservada na rocha, note a garra do quarto dedo em forma de lâmina. Foto de Paulo Manzig.

As rochas do noroeste paranaense, nas quais Vespersaurus foi preservado formaram-se em ambientes desérticos, o que sugere que o animal deveria ser adaptado a esse tipo de clima. Na década de 70, em rochas relacionadas, o paleontólogo Giuseppe Leonardi descobriu uma ampla assembleia de pegadas fósseis. Algumas, feitas por um pequeno dinossauro bípede, carnívoro, aparentemente monodáctilo. À época não se conhecia nenhum animal com tais características ao qual elas pudessem ser atribuídas. Muito tempo depois, o produtor parece ter sido encontrado.

Figura-5
Reconstrução em vida do pé de Vespersaurus paranensis. Crédito da imagem: Rodolfo Nogueira.

Vespersaurus paranaensis não é primeira espécie cretácica a ser encontrada no noroeste do Paraná. No mesmo sítio fossilífero em Cruzeiro do Oeste foram descobertos também o lagarto Gueragama sulamericana e inúmeros indivíduos do pterossauro Caiuajara dobruskii. A descoberta de mais uma espécie fóssil em Cruzeiro do Oeste deve impulsionar as pesquisas paleontológicas na região.

Veja o artigo:

Langer et al., 2019. A new desert-dwelling dinosaur (Theropoda, Noasaurinae) from the Cretaceous of south Brazil. Scientific Reports https://www.nature.com/articles/s41598-019-45306-9

Demais referências:

Brum, A.S., Machado, E.B., de Almeida Campos, D. and Kellner, A.W.A., 2016. Morphology and internal structure of two new abelisaurid remains (Theropoda, Dinosauria) from the Adamantina Formation (Turonian–Maastrichtian), Bauru Group, Paraná Basin, Brazil. Cretaceous Research60, pp.287-296.

Lindoso, R.M., Medeiros, M.A., de Souza Carvalho, I. and da Silva Marinho, T., 2012. Masiakasaurus-like theropod teeth from the Alcântara Formation, São Luís Basin (Cenomanian), northeastern Brazil. Cretaceous Research36, pp.119-124.

Finalmente, o mamífero do Cretáceo do Brasil!

Brasilestes stardusti é o seu nome, em alusão ao Brasil e a Ziggy Stardust, um personagem criado pelo músico britânico David Bowie, falecido em 2016, ano em que o fóssil foi descoberto.

Brasilestes

O fóssil em questão tem apenas 3,5mm e trata-se de um único dente pré-molar. Pode não parecer grande coisa, mas é uma descoberta há muito tempo esperada. Tanto que, apesar de não escrever há muito tempo no blog, achei que isto, particularmente, merecia uma comemoração!

A publicação do material foi feita hoje, na revista científica Royal Society Open Science e conta com a participação de pesquisadores brasileiros da UFG, USP e Unicamp, além de paleontólogos argentinos e estadunidenses. O estudo foi liderado pela Dra. Mariela Castro (UFG), especialista em mamíferos fósseis e, com certeza, uma grande fã de Bowie.

O pequeno dente, tão importante, foi encontrado nas rochas ricas em fósseis do interior do estado de São Paulo, mais especificamente, no município de General Salgado, oeste paulista. Estas rochas datam do final Período Cretáceo, entre 80 e 75 milhões de anos, época em que os dinossauros ainda reinavam soberanos nos ecossistemas terrestres. Isso torna Brasilestes o mais antigo mamífero conhecido para o Brasil.

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Com um tamanho reconstituído aproximado do de um gambá atual (cerca de 50cm de comprimento), Brasilestes certamente se esquivou das passadas de gigantes pescoçudos herbívoros e fugiu das ferozes mandíbulas de uma miríade de crocodilos terrestres, uma pequena amostra da paleofauna que habitava o interior de São Paulo no final do Cretáceo.

Até a presente data, nenhum vestígio corporal de mamífero fóssil havia sido apropriadamente descrito para as rochas cretácicas do Brasil. Na verdade, para todas as rochas da Era Mesozoica brasileira. O fóssil “do tal mamífero”, sempre havia sido o “Santo Graal” da paleontologia brasileira, buscado incansavelmente por vários grupos de pesquisadores. Por isso, é uma alegria ele ter sido finalmente encontrado.

Para não dizer que este é realmente o primeiro registro corporal de mamífero cretácico do Brasil, o fóssil de um pequeno pedaço de mandíbula com um único dente inserido havia sido encontrado em rochas do mesmo contexto geológico na década 1990. Apesar de publicado há tempos, o material não foi descrito apropriadamente na época, e encontra-se, até hoje, inacessível para a grande maioria dos paleontólogos brasileiros.

O outro registro fossilífero atribuído a mamíferos mesozoicos do Brasil ou, pelo menos, de organismos “mamaliformes”, são as pegadas fósseis da chamada Formação Botucatu, uma unidade geológica que representa um antigo deserto que existiu no interior de São Paulo há  pelo menos 130 milhões de anos. Estas pegadas (assista um vídeo nosso falando sobre isto aqui) são mais antigas do que Brasilestes, mas, infelizmente, nunca puderam ser atribuídas com certeza a um mamífero verdadeiro.

Brasilestes é muito importante, porque fornece a primeira identificação mais precisa sobre um mamífero do Cretáceo do Brasil. A morfologia do dente encontrado indica que o mesmo pertencia a um mamífero Tribosphenida, ou seja, um mamífero do grupo que reúne os placentários e marsupiais.

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Os mamíferos tribosfênidos contam com diversos registros no Cretáceo do hemisfério norte. Porém, no hemisfério sul, apenas haviam sido encontrados na Índia, em Madagascar e no norte da América do Sul. A descrição de Brasilestes stardusti veio preencher uma lacuna importante no registro de mamíferos mesozoicos, ressaltando a importância do Brasil para a compreensão da história evolutiva do grupo.

Por mais absurdo que possa parecer descrever uma nova espécie com base em um único dente, essa é uma situação muito comum para mamíferos fósseis. O registro fossilífero desse grupo é relativamente raro e, majoritariamente baseado na ocorrência de dentes isolados, lembrando que dentes são elementos muito resistentes e preservam-se com maior facilidade do que ossos. Por esta razão, para mamíferos fósseis, características da dentição são muito utilizadas como caracteres diagnósticos de espécies

A equipe envolvida no trabalho também realizou outras análises no fóssil para ajudar em sua identificação, como a avaliação da microestrutura do esmalte dentário.

A cobertura de esmalte encontrada, com cerca de 20 mícrons, é bem mais fina do que a dos dentes de outros mamíferos mesozoicos (entre 100 e 300 mícrons). Além disso, poucas espécies de mamíferos atuais têm característica semelhante, entre eles, alguns Xenarthra (ordem que inclui os tatus, tamanduás e preguiças). Esta observação suscita uma possível relação entre Brasilestes e este grupo de mamíferos. A divergência (ou origem) dos xenartros, calculada por meio da técnica chamada de “relógio molecular”, teria se de dado exatamente nessa época, há pelo menos 85 milhões de anos.

Os mamíferos eram elementos relativamente raros em ecossistemas da Era Mesozoica. Ocupavam nichos secundários, eram, via de regra, pequenos e predominantemente generalistas. A maioria, talvez tivesse hábitos noturnos e fosse arborícola ou fossorial. Essas são algumas razões para os fósseis de Brasilestes serem tão raros. Provavelmente estes organismos eram entidades pouco abundantes em seu paleoecossistema e/ou tinham tamanhos muito pequenos para que seus elementos ósseos delicados fossem preservados e/ou vivessem longe da área favorável para preservação de fósseis.

Tenho certeza de que esta publicação traz novas esperanças aos paleontólogos brasileiros. Que mais fósseis sejam encontrados em breve e ajudem a responder as questões que Brasilestes trouxe à tona (veja mais aqui). Para fechar, vale sempre a pena lembrar, que os mortos têm muita história para contar. Este, especificamente, marcou seu nome na “calçada da fama” da paleontologia nacional, tal qual o grande artista David Bowie deixou sua marca no famoso passadiço hollywoodiano.

Referência:

Castro MC, Goin FJ, Ortiz-Jaureguizar E, Vieytes EC, Tsukui K, Ramezani J, Batezelli A, Marsola JCA, Langer MC. 2018 A late Cretaceous mammal from Brazil and the first radioisotopic age for the Bauru Group. R. Soc. open sci. 5: 180482.  http://dx.doi.org/10.1098/rsos.180482

Mais sobre o novo gigante brasileiro e as pesquisas de dinossauros no Brasil

Elaine Batista Machado, doutoranda no programa de pós-graduação em Zoologia da UFRJ, fala um pouco mais sobre Brasilotitan, o mais novo dino brasileiro, e nos conta sobre as perspectivas futuras quanto ao estudo de dinossauros no Brasil.

Col.: Quais as relações desse novo animal com os dinos já conhecidos no nosso país?

Elaine: A nova espécie, Brasilotitan nemophagus, é a nona espécie de titanossauro brasileiro (contando somente as que são consideradas válidas), e dentre todas estas, este é apenas a terceira a apresentar material craniano. Brasilotitan nemophagus é também a segunda espécie de titanossauro da região de Presidente Prudente, SP, e a quinta proveniente da Formação Adamantina (Bacia Bauru).

Titanossauros
Reconstituição artística de titanossauros

Col.: O que Brasilotitan traz de novo? O que o torna uma importante descoberta?

Elaine: Um dos pontos principais desta nova espécie é a presença da mandíbula preservada, que é bastante peculiar. Diferente da maioria das espécies a mandíbula do Brasilotitan possui uma forma “quadrada”, sendo semelhante à dos titanossaurideos Bonitasaura salgadoi e Antarctosaurus wichmannianus. Além da mandíbula, este dinossauro apresenta também novas características nas vértebras cervicais, que o diferencia dos demais.

Col.: Algum outro aspecto interessante desse animal que você queira destacar?

Elaine: Um aspecto interessante que pode ser observado é que em parte dos ossos desse animal foram encontradas marcas de mordidas, o que indica que ele foi vítima de predadores ou necrófagos.

CT Scan do dentário de Brasilotitan, mostrando um dos alvéolos dentários com três dentes inseridos.
CT Scan do dentário de Brasilotitan, mostrando um dos alvéolos dentários com três dentes inseridos.

Neste estudo, além da descrição formal da nova espécie, pudemos também realizar algumas observações sobre as estruturas internas dos ossos através de tomografias. Nas vértebras foi possível ver o padrão de estrutura pneumática camelada comum a titanossaurídeos, enquanto que no dentário pode-se observar a presença de até 3 dentes dentro de um mesmo alvéolo, o que nos dá a ideia de quão rápida era a troca dentária desse animal.

Col.: O que, na sua opinião, ainda temos por descobrir quanto aos dinos do Brasil? Quais os próximos passos?

Elaine: As perspectivas futuras sobre o conhecimento dos dinossauros brasileiros são boas pelos seguintes motivos: O Brasil tem um enorme potencial para a preservação dos fósseis, suas bacias fossilíferas são não somente ricas, mas extensas – algumas abrangendo vários estados; e outro é que cada vez mais vemos o crescimento de interesse e também incentivos a pesquisas na área.

Devemos lembrar que a paleontologia no Brasil ainda é uma área de pesquisa recente se comparada com outros países, e esperamos que com o tempo e investimento muitas outras descobertas fantásticas sejam realizadas.

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Elaine B. Machado é doutoranda do programa de pós-graduação em Zoologia da UFRJ, pelo Setor de Paleovertebrados do Museu Nacional. Seus estudos são focados em paleontologia de dinossauros e ela já participou de diversas escavações e da descrição de outros dinossauros brasileiros, como Oxalaia quilombensis.

Os Colecionadores de Ossos agradecem a atenção e disposição de Elaine em conversar conosco!

Referência:

MACHADO, E.B.; AVILLA, L.S.; NAVA, W.R.; CAMPOS, D.A.; KELLNER, A.W.A.. (2013). “A new titanosaur sauropod from the Late Cretaceous of Brazil”. Zootaxa 3701 (3): 301–321. DOI:10.11646/zootaxa.3701.3.1.

Não deixe de ler também “A descoberta de um titã”, postagem anterior à essa, que também fala sobre o novo dino brasileiro e apresenta uma entrevista com o seu descobridor, William R. Nava.

Ilustração (Titanossauros): autoria de Aline Ghilardi.

Um bicho tinhoso!! Conheça o mais novo predador do Cretáceo do Brasil

Durante do Cretáceo Superior, há cerca de 80 milhões de anos atrás, a região hoje correspondente ao noroeste do estado de São Paulo e Triângulo Mineiro em Minas Gerais, abrigava uma rica e diversificada fauna de crocodiliformes terrestres  (parentes distantes dos crocodilos e jacarés atuais), que prosperava em meio aos gigantes dinossauros.

Recentemente uma nova espécie de crocodiliforme desse período foi descoberta em uma cidade do interior de São Paulo. Descrita por pesquisadores brasileiros, o novo animal, com o crânio extraordinariamente bem preservado, ganhou um nome de dar medo: Gondwanasuchus scabrosus. Quer entender o por quê desse estranho nome de batismo? Vamos primeiro conhecer um pouco mais sobre esse animal:

Gondwanasuchus scabrosus_Rodolfo Nogueira
Arte de Rodolfo Nogueira.

– Texto por Thiago Marinho –

O mais novo representante dos crocodiliformes terrestres do Cretáceo do Brasil, Gondwanasuchus scabrosus, é um pequeno predador da Família Baurusuchidae, composta por importantes predadores e carniceiros que poderiam até mesmo competir por presas com pequenos dinossauros. Essa nova espécie foi descrita com base em um crânio parcialmente completo e muito bem preservado, proveniente de rochas da Formação Adamantina do município de General Salgado, noroeste do estado de São Paulo. Gondwanasuchus não passaria de 1,30 m de comprimento, mas o que esses animais não tinham em tamanho, tinham em adaptações que os tornavam eficientes predadores.

O nome do gênero, Gondwanasuchus, faz alusão a distribuição da família dos baurussuquídeos, restrita a regiões do antigo supercontinente Gondwana (que durante o Cretáceo agrupava a América do Sul, África, Madagascar, Índia, Oceania e Antártica) e, suchus, que significa crocodilo. O nome que define a espécie, scabrosus, é uma palavra em Latim que significa “tinhoso”, um apelido dado pelos pesquisadores que descreveram a espécie, devido à aparência “mal-encarada” do animal.

Figure 5 colourO fóssil de Gondwanasuchus scabrosus é representado por um crânio parcialmente completo, que foi encontrado em 2008 em associação a um grande indivíduo de Baurusuchus salgadoensis, um crocodiliforme também da família dos baurussuquídeos. Gondwanasuchus scabrosus convivia não só com outros baurussuquídeos, mas também com crocodiliformes herbívoros da família dos esfagessaurídeos. A presença de esfagessaurídeos e o fato de os depósitos da Formação Adamantina no município de General Salgado serem basicamente compostos por paleossolos (solos que foram preservados no registro geológico), sugerem que pelo menos algumas partes do habitat de Gondwanasuchus eram compostas por áreas com vegetação  arbustiva e arbórea.

Crânio peculiar:

O crânio de Gondwanasuchus  é altamente comprimido lateralmente, como o de muitos dinossauros carnívoros – bastante diferente dos crocodilos atuais! Suas narinas eram posicionadas lateralmente na região anterior do focinho e o animal possuía grandes órbitas oculares voltadas para frente.

Dentes modificados:

Crânio em vista lateral anterior dorsal e ventralOs dentes posteriores de G. scabrosus são altamente comprimidos e com bordas serrilhadas, como os dentes de alguns dinossauros carnívoros. Outra peculiaridade da dentição desses animais é a presença de profundas estrias que percorrem os dentes da base para o topo, possivelmente garantindo uma maior resistência a quebra durante o processo de caça e alimentação.

Visão especializada:

Os olhos de Gondwanasuchus scabrosus eram  destacadamente voltados para frente, diferentemente do observado na maioria dos outros crocodiliformes, que possuem os olhos orientados lateralmente. Essa característica permitia que esses animais tivessem visão binocular, ou seja, eles poderiam enxergar tridimensionalmente, o que seria muito útil para uma melhor avaliação da distância dos objetos observados e melhor precisão de seus ataques.

Quer mais detalhes? Clique no infográfico para ampliar!

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Interessado em mais informações sobre esse animal?? Escreva pra gente (colecionadoresdeossos@gmail.com)!! Thiago da Silva Marinho, o primeiro autor do artigo, é membro aqui do Colecionadores de Ossos!! 

Thiago da Silva Marinho

Biólogo pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Mestre e Doutor em Geologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), hoje é professor efetivo da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
Desenvolve estudos com ênfase em arcossauros mesozóicos, especialmente crocodyliformes e dinossauros.
Clique aqui para ver o Currículo Lattes.
 
 

MARINHO, T. S. et alGondwanasuchus scabrosus gen. et sp. nov., a new terrestrial predatory crocodyliform (Mesoeucrocodylia: Baurusuchidae) from the Late Cretaceous Bauru Basin of Brazil. Cretaceous Research. 2013 (on-line).