Arquivo da tag: Crocodyliformes

Um bicho tinhoso!! Conheça o mais novo predador do Cretáceo do Brasil

Durante do Cretáceo Superior, há cerca de 80 milhões de anos atrás, a região hoje correspondente ao noroeste do estado de São Paulo e Triângulo Mineiro em Minas Gerais, abrigava uma rica e diversificada fauna de crocodiliformes terrestres  (parentes distantes dos crocodilos e jacarés atuais), que prosperava em meio aos gigantes dinossauros.

Recentemente uma nova espécie de crocodiliforme desse período foi descoberta em uma cidade do interior de São Paulo. Descrita por pesquisadores brasileiros, o novo animal, com o crânio extraordinariamente bem preservado, ganhou um nome de dar medo: Gondwanasuchus scabrosus. Quer entender o por quê desse estranho nome de batismo? Vamos primeiro conhecer um pouco mais sobre esse animal:

Gondwanasuchus scabrosus_Rodolfo Nogueira
Arte de Rodolfo Nogueira.

– Texto por Thiago Marinho –

O mais novo representante dos crocodiliformes terrestres do Cretáceo do Brasil, Gondwanasuchus scabrosus, é um pequeno predador da Família Baurusuchidae, composta por importantes predadores e carniceiros que poderiam até mesmo competir por presas com pequenos dinossauros. Essa nova espécie foi descrita com base em um crânio parcialmente completo e muito bem preservado, proveniente de rochas da Formação Adamantina do município de General Salgado, noroeste do estado de São Paulo. Gondwanasuchus não passaria de 1,30 m de comprimento, mas o que esses animais não tinham em tamanho, tinham em adaptações que os tornavam eficientes predadores.

O nome do gênero, Gondwanasuchus, faz alusão a distribuição da família dos baurussuquídeos, restrita a regiões do antigo supercontinente Gondwana (que durante o Cretáceo agrupava a América do Sul, África, Madagascar, Índia, Oceania e Antártica) e, suchus, que significa crocodilo. O nome que define a espécie, scabrosus, é uma palavra em Latim que significa “tinhoso”, um apelido dado pelos pesquisadores que descreveram a espécie, devido à aparência “mal-encarada” do animal.

Figure 5 colourO fóssil de Gondwanasuchus scabrosus é representado por um crânio parcialmente completo, que foi encontrado em 2008 em associação a um grande indivíduo de Baurusuchus salgadoensis, um crocodiliforme também da família dos baurussuquídeos. Gondwanasuchus scabrosus convivia não só com outros baurussuquídeos, mas também com crocodiliformes herbívoros da família dos esfagessaurídeos. A presença de esfagessaurídeos e o fato de os depósitos da Formação Adamantina no município de General Salgado serem basicamente compostos por paleossolos (solos que foram preservados no registro geológico), sugerem que pelo menos algumas partes do habitat de Gondwanasuchus eram compostas por áreas com vegetação  arbustiva e arbórea.

Crânio peculiar:

O crânio de Gondwanasuchus  é altamente comprimido lateralmente, como o de muitos dinossauros carnívoros – bastante diferente dos crocodilos atuais! Suas narinas eram posicionadas lateralmente na região anterior do focinho e o animal possuía grandes órbitas oculares voltadas para frente.

Dentes modificados:

Crânio em vista lateral anterior dorsal e ventralOs dentes posteriores de G. scabrosus são altamente comprimidos e com bordas serrilhadas, como os dentes de alguns dinossauros carnívoros. Outra peculiaridade da dentição desses animais é a presença de profundas estrias que percorrem os dentes da base para o topo, possivelmente garantindo uma maior resistência a quebra durante o processo de caça e alimentação.

Visão especializada:

Os olhos de Gondwanasuchus scabrosus eram  destacadamente voltados para frente, diferentemente do observado na maioria dos outros crocodiliformes, que possuem os olhos orientados lateralmente. Essa característica permitia que esses animais tivessem visão binocular, ou seja, eles poderiam enxergar tridimensionalmente, o que seria muito útil para uma melhor avaliação da distância dos objetos observados e melhor precisão de seus ataques.

Quer mais detalhes? Clique no infográfico para ampliar!

esse
Clique para ampliar

Interessado em mais informações sobre esse animal?? Escreva pra gente (colecionadoresdeossos@gmail.com)!! Thiago da Silva Marinho, o primeiro autor do artigo, é membro aqui do Colecionadores de Ossos!! 

Thiago da Silva Marinho

Biólogo pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Mestre e Doutor em Geologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), hoje é professor efetivo da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
Desenvolve estudos com ênfase em arcossauros mesozóicos, especialmente crocodyliformes e dinossauros.
Clique aqui para ver o Currículo Lattes.
 
 

MARINHO, T. S. et alGondwanasuchus scabrosus gen. et sp. nov., a new terrestrial predatory crocodyliform (Mesoeucrocodylia: Baurusuchidae) from the Late Cretaceous Bauru Basin of Brazil. Cretaceous Research. 2013 (on-line).

O mistério dos dentes fósseis

Em resposta ao Paleo-enigma 3:
Dentes
Acertou quem disse que esses dentes aí em cima pertenciam a um tipo de crocodilo extinto, o Yacarereani boliviensis. Isso mesmo, um c.r.o.c.o.d.i.l.o. Esses dentes aí (ambos!) são de um tipo de crocodyliforme terrestre do Período Cretáceo!

Yacarerani, um tipo de crocodilo extinto com hábitos terrestres que viveu no período dos dinossauros! Arte de Rodrigo Vega. Visite o portifolio: http://iririv.deviantart.com/
Yacarerani, Arte digital de Rodrigo Vega, da Argentina. Visite o portifolio aqui: http://iririv.deviantart.com/

Esse bichinho do tempo dos dinossauros, não muito maior que um gato, tinha uma dentição muito especial. Seus fósseis foram encontrados na Bolívia em 2002, mas  a espécie descrita apenas em 2009.

Quando falamos de crocodilos, é difícil fugir do esteriótipo que conhecemos dos seus representantes atuais. Porém, no passado, esse grupo de animais era  muito mais diverso e incluía espécies de diferentes formas, tamanhos e comportamentos.

Durante o período Cretáceo ou ainda o Jurássico, por exemplo, além de formas muito semelhantes aos crocodilos atuais, haviam espécies com hábitos essencialmente terrestres e outras até mesmo incrivelmente adaptadas ao ambiente marinho (Veja as figuras abaixo). Uns tipos de crocodilos eram tão diferentes, que foi até difícil reconhecê-los como da família.

Armadillosuchus, forma de crocodilo terrestre do Cretáceo brasileiro. Ilustração de Ariel Milani.
Armadillosuchus, forma de crocodilo terrestre do Cretáceo brasileiro. Ilustração de Ariel Milani.

Neptunidraco_ammoniticus
Neptunidraco ammoniticus, crocodilo marinho do Jurássico da Itália – Quem souber o nome do artista que fez essa arte incrível, me informe!

 No caso de Yacarerani, se somente os seus dentes tivesse sido encontrados, ele facilmente poderia ter sido confundido com outro tipo de animal. Ele e outros da sua linhagem tinham especializações na dentição muito semelhantes ao dos mamíferos atuais. A diferenciação dentária indica uma forma de alimentação muito especializada, e como é possível observar pelo registro fóssil, isso não é uma coisa exclusiva dos mamíferos.

Pakasuchus, pequeno crocodyliforme terrestre do Cretáceo da África. Observe na imagem a sua incrível especialização dentária.

Em alguns lugares, os crocodilos acabaram por se apoderar de nichos bastante distintos daqueles que conhecemos por meio de seus representantes atuais. Os dentes de Yacarerani, por exemplo, indicam uma dieta herbívora ou onívora. E ele não era o único! Muitas outras espécies encontradas sugerem a inclusão de plantas e/ou raízes ao seu cardápio!

Para o Cretéceo brasileiro, por exemplo, nas rochas da Bacia Bauru (sudeste do Brasil), são conhecidas mais de uma dezena de espécies de crocodilos terrestres com os mais variados morfotipos, que indicam hábitos de vida completamente distintos. Já foram reconhecidas formas exclusivamente carnívoras e outras com dentições e adaptações corporais muito peculiares, que podem indicar desde uma dieta herbívora e o hábito escavador até a durofagia (hábito de se alimentar de alimentos duros, como alguns tipos de sementes ou animais com concha ou exoesqueleto resistente).

A diversidade dos crocodyliformes foi muito maior no passado e há sugestões de que em alguns lugares eles possam ter dominado os ecossistemas terrestres em detrimento dos dinossauros. A maior parte dessa diversidade se perdeu no grande evento de extinção do fim do Cretáceo. Se não fosse por isso, a história dos crococyliformes poderia ter sido bem diferente.

A lição desse Paleo-enigma 3 é a de que precisamos ser bastante cautelosos na análise do registro fóssil. Há uma diversidade oculta, muitas vezes inesperada! O passado guarda criaturas que nunca imaginaríamos ter existido – completamente diferentes daquilo que conhecemos! Yacarerani e tantos outros crocodilos fósseis vêm nos contar uma história  há muito tempo esquecida sobre a sua linhagem.  Sem a Paleontologia isso talvez nunca pudesse ter sido recuperado…

Não se assuste com a semelhança de Yacarerani e seus parentes com os mamíferos atuais…. Os ecossistemas do passado podem parecer – à primeira vista -, muito diferentes daqueles que conhecemos hoje, mas ainda sim, guardavam semelhanças fundamentais. Os nichos ecológicos eram essencialmente os mesmos, o que aconteceu é que diferentes grupos foram revezando os papéis!

Para saber mais:

Novas, F. E.; Pais, D. F.; Pol, D.; Carvalho, I. D. S.; Mones, A.; Scanferla, A.; and Riglos, M. S. (2009). “Bizarre notosuchian crocodyliform with associated eggs from the Upper Cretaceous of Bolivia”Journal of Vertebrate Paleontology 29 (4): 1316–1320. doi:10.1671/039.029.0409.

O’Connor, P.M.; Sertich, J.W.; Stevens, N.J.; Roberts, E.M.; Gottfried, M.D.; Hieronymus, T.L.; Jinnah, Z.A.; Ridgely, R.; Ngasala, S.E.; and Temba, J. (2010). “The evolution of mammal-like crocodyliforms in the Cretaceous Period of Gondwana”. Nature 466 (7307): 748–751.doi:10.1038/nature09061PMID 20686573.