Um ano atrás a OMS declarou que a COVID-19 passou ao status de pandemia. Desde então, cientistas ao redor do mundo estão em busca de um tratamento específico para essa doença, sem muito sucesso até o momento. 

No começo, a principal estratégia de busca utilizada foi o reposicionamento de fármacos. Assim, essa alternativa utiliza remédios já aprovados para uso em certas doenças, e tenta tratar novas doenças com o mesmo remédio. Por serem remédios conhecidos, já existem diversos estudos de como agem no corpo, e quais doses são seguras de serem tomadas. Dessa forma, eles necessitam de menos investimento de tempo e dinheiro para as pesquisas com as novas doenças, como a COVID-19. Contudo, a “pressa” para encontrar uma resposta contra a pandemia provocou a disseminação de algumas informações equivocadas que acabaram sendo adotadas como verdade absoluta por parte da população. 

Testes in vitro

Boa parte dos experimentos iniciais realizados com esses remédios foram feitos em um sistema in vitro. Ou seja, isso significa que os cientistas cultivaram células em pequenas placas, e fizeram os testes. Em situações normais, depois que os testes in vitro são feitos, os remédios acabam em uma etapa de testes em animais. Esses testes se fazem necessários. Pois, diferente de um sistema in vivo, ou seja, em um animal, os experimentos em culturas de células são muito controlados e não representam toda a complexidade que um corpo possui. Assim, muitas coisas podem apresentar resultados promissores nos testes com células, mas falham quando testados para os animais.

No contexto da Pandemia, esses remédios de testes de reposicionamento podem pular a etapa de segurança e acabam nos estudos clínicos com humanos. Afinal já conhecia-se a relação de segurança do remédio. Só não sabíamos se ele funcionava para COVID-19. Dois grandes estudos clínicos foram realizados, o SOLIDARITY, organizado pela OMS e o RECOVERY, organizado pela Universidade de Oxford. Entretanto, foram nesses estudos clínicos, realizados com milhares de pessoas, que os resultados mostraram que a maioria dos remédios falharam. 

Um pouco de calma, antes de sair tomando remédio nunca fez mal a ninguém…

Mas por que não podemos tomar esses remédios, ao passo que eles constam na bula como seguros, mesmo sem um efeito comprovado? Primeiro que ser seguro, não quer dizer “de qualquer jeito” e “tomando enquanto eu estiver com vontade ou a pandemia durar” (o que acabar primeiro).

Segundo, que mesmo aqueles aprovados e vendidos em farmácias possuem uma dose e um tempo certo de administração. Por exemplo, você já reparou que todo remédio possui uma bula que relata efeitos adversos que podem ser simples, ou até mesmo muito graves? 

Já existem relatos de pessoas que tiveram problemas de saúde decorrente do uso profilático de remédios sem prescrição médica, como por exemplo ivermectina e cloroquina. Em uma entrevista dada ao Jornal “O Globo”, o médico hepatologista Paulo Bittencourt informou que 27% das hepatites agudas graves ou fulminantes são de origem de medicamentos. 

Além disso, outros problemas podem surgir, como por exemplo a falta desses remédios para quem realmente precisa tomar. Assim, cria-se uma falsa sensação de segurança, e as pessoas param de adotar medidas que realmente funcionam para o enfrentamento da pandemia, como uso de máscaras e distanciamento social. E também, investir em um remédio que não funciona significa que o dinheiro disponível para o combate a pandemia está sendo mal gasto

Abaixo, preparamos uma lista com as principais tentativas de tratamento utilizadas durante esse primeiro ano de pandemia. 

Hidroxicloroquina e Cloroquina

A dupla de remédios mais comentada em 2020, e também uma das mais pesquisadas. São remédios desenvolvidos para o tratamento de malária e algumas doenças inflamatórias, como artrite reumatóide e lupus. Tudo começou com um estudo in vitro na China e um estudo clínico na França, que indicavam que o remédio reduzia a carga viral e também sintomas graves em pacientes com COVID-19. Esses estudos deram esperança para que outras pessoas pesquisassem mais.

Todavia, o problema é que em outras células, o vírus realiza a infecção e a entrada por um sistema diferente daquele que foi observado na China. No corpo humano, o vírus pode usar ambas as formas de infecção e entrada nas células, e por isso esses remédios não funcionam!
Atualmente, esses remédios são contra indicados pela Organização Mundial da Saúde.

Ivermectina

Esta segue polêmica! A ivermectina é remédio aprovado para uso no tratamento de parasitas em humanos, e dependendo da dose ela é dada até para pets. A história da ivermectina e a COVID-19 começou com um estudo realizado na Austrália em meados de abril de 2020, que demonstrou que a ivermectina tinha ação em culturas de células. Depois, esse estudo foi refutado por outros, já que as doses necessárias eram mais altas que a faixa de segurança do remédio para o tratamento no corpo humano. 

Remdesivir

Remédio criado para o tratamento de Ebola e de Hepatite C. Ele é um antiviral que age no processo de produção de novos vírus, se ligando a molécula de RNA que está sendo produzida nas células infectadas. Em outubro de 2020 a FDA (organização americana de administração de remédios e comidas) aprovou seu uso emergencial em adultos e crianças com mais de 12 anos que estão internadas com COVID-19. Os resultados de estudos clínicos mostram que ele pode reduzir o tempo de internação dessas pessoas. 

Mas esse não é aquele que a Anvisa liberou ontem mesmo? Sim, No dia 12 de março de 2021 a ANVISA aprovou o uso de Remdesivir em pacientes hospitalizados acima de 12 anos com necessidade de oxigênio. Logo mais teremos atualização sobre este tópico.

Lopinavir e Ritonavir

Essa dupla de remédios foi aprovada como tratamento para HIV, e algumas pesquisas mostraram que eles também poderiam agir atrapalhando a multiplicação do coronavírus dentro de células. No entanto, os estudos clínicos foram desanimadores e a OMS suspendeu novos estudos com esses remédios em Julho de 2020. Todavia, ainda está sendo pesquisado se a combinação desses remédios com outros, algo como um coquetel, podem ajudar a reduzir a gravidade da doença. Mas, o NIH (Instituto Nacional de Saúde dos EUA) não recomenda o uso desses medicamentos. 

Azitromicina

Azitromicina é um antibiótico utilizado para tratar doenças causadas por bactérias. Por possuir uma ação anti inflamatória, ele passou a ser considerado como um candidato para estudos clínicos que observavam se como esse remédio poderia reduzir os sintomas dos pacientes. Contudo, em dezembro de 2020 comprovou-se que pacientes que usaram esse remédio não tiveram nenhuma melhora significativa em relação a pacientes que não tomaram esse remédio. Além disso, vale lembrar que o uso descontrolado de antibióticos pode ocasionar o surgimento de bactérias super resistentes a tratamentos, e ninguém quer sair de uma pandemia de vírus e entrar numa era de superbactérias, não é mesmo? 

Dexametasona

Umas das principais formas de minimizar o quadro de gravidade de um paciente é através da minimização dos sintomas. Assim, os corticosteróides estão sendo utilizados como remédios para reduzir a resposta do sistema imune ao vírus, que chamamos de “tempestade de citocinas”. As citocinas são pequenas moléculas do nosso próprio corpo, e que aumentam a resposta do sistema imune. Todavia, quando temos uma quantidade muito grande dessas moléculas, como uma tempestade, elas podem acionar uma resposta tão grande do nosso sistema imune que resultam na danificação de diversos órgãos, dentre eles o pulmão.

A dexametasona é um desses remédios capazes de reduzir a inflamação e a resposta do sistema imune, além de ser um remédio barato. No entanto, sempre importante ressaltar que o NIH recomenda o uso de dexametasona em pacientes hospitalizados. Essa recomendação se dá a partir dos resultados obtidos no estudo RECOVERY, em que 6 mil pacientes hospitalizados foram divididos no grupo tratado com procedimentos “padrão” ou com dexametasona, e aqueles que receberam dexametasona tiveram uma melhora maior do que a do grupo “padrão”. 

Interferon

Os interferons são proteínas que nosso sistema imune produz naturalmente. Ao encontrar um vírus, o corpo produz Interferons do tipo beta. Além da produção natural, também existem tratamentos em que os médicos receitam a administração dessas proteínas aos pacientes. O tratamento com essas moléculas procura estimular uma resposta do sistema imune, ativando as células para que elas combatam a infecção, e dessa forma reduzam as chances de agravamento da doença.

Colchicina

Remédio utilizado no tratamento de gota, e testado por pesquisadores da USP de Ribeirão Preto e por pesquisadores da Inglaterra. Ela demonstrou resultados promissores em reduzir a quantidade de pessoas que precisam ir para hospitais, mas ainda não se sabe como ela ajuda no tempo, no controle da gravidade da doença e na redução de sintomas. 

Os pesquisadores da USP acreditam que ela ajuda principalmente a reduzir a inflamação do pulmão, e que isso está relacionado com a redução no tempo de sintomas de pacientes com as formas moderada e grave da doença. Na Inglaterra, um novo estudo clínico será feito com pacientes no início da infecção por COVID-19. 

Terapia com soro e plasma convalescente

O sangue de pacientes que já tiveram COVID-19 está repleto de anticorpos que o sistema imune dessa pessoa produziu como resposta à doença. O soro é a parte do sangue em que ficam esses anticorpos, e é possível coletar essa parte e dar para pacientes que ainda estão em tratamento. Isso acontece também quando alguém precisa tomar um soro para a picada de uma cobra, por exemplo. 

Um estudo, publicado em Janeiro de 2021, mostra que pacientes que receberam o soro em até 3 dias depois de começar a sentir os sintomas tiveram uma chance 48% menor de desenvolver um quadro severo de COVID, quando comparado com pacientes que não receberam soro. 

Dessa forma, o FDA autorizou de forma emergencial o uso de soro de pacientes para tratamento de COVID-19 em Agosto de 2020. Aqui no Brasil, o Instituto Butantan já pediu a autorização da ANVISA para começar a disponibilizar soro e plasma para o tratamento da COVID-19 no país.

Por fim, e o desenvolvimento de novos remédios?

E porque não começar a falar sobre o desenvolvimento de novos remédios, que sejam específicos para a COVID-19? Graças à ciência de base, que estudou os mecanismos de infecção e a biologia do vírus, agora podemos desenvolver remédios que funcionem efetivamente contra a COVID-19. Em suma, nos resta esperar os resultados de várias pesquisas que ainda estão sendo desenvolvidas! 

Para saber mais:

Notícias sobre tratamentos e reposicionamento: 

Estudo sugere que pessoas em “tratamento precoce” tiveram taxas mais altas de infecção por covid-19 em Manaus

SARS-CoV-2 Seroprevalence and Associated Factors in Manaus, Brazil: Baseline Results from the DETECTCoV-19 Cohort Study – Abstract

46 entidades médicas brasileiras emitem manifesto e reforçam uso de máscara

OMS: Hidroxicloroquina não funciona contra Covid-19 e pode causar efeito adverso

Médicos alertam sobre uso de ivermectina contra Covid-19, após suspeita de paciente com hepatite aguda

Harvard Health: Treatments for COVID-19

Coronavirus cure: What progress are we making on treatments?

Coronavirus Drug and Treatment Tracker

Ensaio Clínico Mundial da OMS

Repurposed antiviral drugs for COVID-19 –interim WHO SOLIDARITY trial results

Hidroxicloroquina e Cloroquina

Chloroquine or Hydroxychloroquine | COVID-19 Treatment Guidelines

4 July 2020 News release WHO discontinues hydroxychloroquine and lopinavir/ritonavir treatment arms for COVID-19

Notícia: Jamil Chade – OMS: cloroquina não funciona e orçamento investido deve ser redirecionado

Chloroquine does not inhibit infection of human lung cells with SARS-CoV-2

Antiviral Therapy | COVID-19 Treatment Guidelines

Ivermectina 

The FDA-approved drug ivermectin inhibits the replication of SARS-CoV-2 in vitro

Remdesivir

Mechanism of SARS-CoV-2 polymerase stalling by remdesivir

Remdesivir for the Treatment of Covid-19 — Final Report | NEJM

Anvisa aprova uso de remdesivir contra covid-19 e diz que remédio reduz tempo de hospitalização

Lopinavir e Ritonavir

Lopinavir/Ritonavir and Other HIV Protease Inhibitors | COVID-19 Treatment Guidelines

Azitromicina

Azithromycin in Hospitalised Patients with COVID-19 (RECOVERY): a randomised, controlled, open-label, platform trial

RECOVERY trial finds no benefit from azithromycin in patients hospitalised with COVID-19 — RECOVERY Trial

Dexametasona

Potential health and economic impacts of dexamethasone treatment for patients with COVID-19

Colchicina

Estudo avalia eficácia da colchicina contra a covid-19 e hidroxicloroquina não faz parte da análise

Second UK trial to study gout drug colchicine as COVID-19 treatment

Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


editorial


Alexandre Borin

Alexandre Borin, biólogo, mestrando em Imunologia pelo programa de Genética e Biologia Molecular da UNICAMP em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).

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