Como resposta à pandemia do coronavírus, diversos grupos de pesquisa têm procurado uma vacina ou um tratamento contra a COVID-19. Com isso, sempre aparecem novas notícias no jornal sobre medicamentos que são “a aposta” para curar essa doença. Você já se perguntou qual caminho um medicamento deve percorrer para sair do laboratório e ir até a prateleira da farmácia? Vamos explicar aqui como funciona o descobrimento (e o redescobrimento) de medicamentos para doenças ocasionadas por vírus!

Mais rápido e mais barato, o que é o reposicionamento de fármacos?

Criar um medicamento do zero demanda muito tempo  e é caro. O tempo médio para um princípio ativo ser sintetizado em laboratório, virar medicamento e ir parar nas prateleiras da farmácia é de 12 anos e custa milhões de dólares! 

Em tempos de pandemia, não possuímos tanto tempo assim para achar uma solução, e uma alternativa é o que chamamos de reposicionamento de fármacos.

O reposicionamento é uma forma de pesquisa que investiga se um medicamento que já é bem conhecido possui alguma atividade contra uma doença que ainda não tem tratamento.  Essa estratégia tem sido utilizada principalmente para identificar tratamentos para doenças que não possuem tanto investimento, como malária, leishmaniose, e doenças virais transmitidas por mosquitos. 

O reposicionamento começa com uma pesquisa in vitro, normalmente em uma cultura de células, com objetivo de  verificar se o medicamento conseguiu atuar naquela infecção. Caso o resultado seja positivo, mais alguns testes são necessários para entender como esse medicamento atua na doença, determinar a dose e a periodicidade que ele deve ser administrado aos futuros pacientes. Após a validação dos testes, o remédio será seguro para realizar os testes clínicos. Esses testes possuem um número controlado de pacientes, e depois que os testes são finalizados, é possível dizer se o reposicionamento deu certo ou não. Reposicionar fármacos é tomar um atalho para encontrar uma resposta para uma doença.

No caso do tratamento da COVID-19 temos muitos candidatos para reposicionamento.  O remdesivir, medicamento desenvolvido para o tratamento de casos de Ebola, o lopinavir e o ritonavir, utilizados em coquetéis anti-HIV, e claro, a cloroquina e a hidroxicloroquina,  utilizadas no tratamento de malária e lúpus. Possivelmente nas próximas semanas outros candidatos possam surgir e ganhar destaque na mídia.

Todo medicamento de reposicionamento é seguro e é efetivo? Não!

Mesmo sendo uma alternativa mais rápida do que o descobrimento de um novo medicamento, o reposicionamento precisa ser validado em diferentes experimentos e grupos de pessoas, e os efeitos a longo prazo também devem ser estudados! 

Depois que foi divulgado um estudo experimental que utilizava cloroquina, houve um aumento substancial na venda deste composto, ocasionando problemas como a falta do medicamento para pacientes que fazem uso regular, diversos casos de intoxicação por má administração e até mortes! 

Quer saber mais sobre a cloroquina? Se liga nestes links que selecionamos para vocês 🙂

Desmistificando a Cloroquina:
Nigéria registra intoxicações por cloroquina


Estudo associa hidroxicloroquina a maior risco de morte por Covid-19

Homem morre após automedicação com cloroquina nos EUA

Maior estudo sobre cloroquina e hidroxicloroquina demonstra que aumentam risco de arritmias e morte

Mesmo com as notícias de possíveis tratamentos, é preciso ter calma.  Ainda estamos na etapa de testes clínicos e apenas um grupo de pessoas realizou esse tratamento. Em um primeiro estudo com poucas pessoas, a própria cloroquina demonstrou ser um candidato ao tratamento, mas agora um estudo com mais de 96 mil pacientes indica que ela é ineficiente. Assim como qualquer medicamento, os tratamentos contra COVID-19 devem ser realizados apenas por meio de orientação médica e seguindo sempre as orientações dos órgãos regulamentadores e científicos.

Ficou curioso para entender como funciona o descobrimento de um  novo medicamento? Aqui embaixo a gente te explica:

O processo começa com o estudo do agente causador da doença e de etapas que são importantes para a evolução do quadro clínico. Algumas etapas importantes em doenças causadas por vírus são o momento de infecção, de replicação do vírus dentro da célula e de liberação das novas partículas. Com esse entendimento, é possível definir quais moléculas (naturais ou sintetizadas) serão capazes de realizar uma interferência e impedir, ou amenizar, a doença. O mecanismo de ação dos compostos pode ocorrer protegendo o corpo daquilo que está fazendo mal, atuando diretamente na morte do patógeno, ou em alguma outra etapa importante da infecção. Após esses estudos, é realizada a síntese em laboratório e a caracterização dos compostos de modo a verificar qual a composição exata deles. 

Depois de sintetizados, esses princípios ativos são testados em ensaios in vitro. Um ensaio in vitro é como uma horta: As células cultivadas são como as plantas; a terra e os nutrientes são o que chamamos de meio de cultura, e todo esse cultivo ocorre geralmente em placas de vidro ou plástico. Os ensaios in vitro são muito importantes pois conseguimos controlar diversos fatores que não conseguiríamos em outros ensaios, definir uma quantidade exata de células, fazer observações ao microscópio e o mais importante, reduzir a quantidade de experimentos em animais. 

No ensaio in vitro são realizados testes para verificar se o princípio sintetizado tem efeito ou não. Em uma doença ocasionada por vírus, verificamos se aquele composto foi capaz de proteger a célula, ou se aquele composto conseguiu diminuir a quantidade do vírus naquele experimento. Além disso, também verificamos se aquele composto está sendo tóxico para a cultura de células afinal, não adianta reduzir a quantidade do vírus, mas ao mesmo tempo matar as células.

Depois de finalizados os experimentos in vitro, devemos partir para os modelos in vivo,ou seja, em modelos animais, pois a dinâmica do composto em um sistema vivo é diferente de um sistema fechado de cultura de células. Num corpo possuímos diversos tipos de células, que podem interagir de formas diferentes com esse possível princípio ativo. São nos testes in vivo que também verificamos as doses de segurança dos medicamentos, evitando uma possível overdose e também onde se reconhecem em parte os efeitos colaterais relacionados a substância administrada..

Estabelecidos todos os parâmetros de segurança, passamos finalmente para os testes clínicos. Os testes clínicos são realizados depois da aprovação de um conselho de ética, e sempre com a autorização do paciente ou de um responsável. São testes realizados com escolha aleatória de pessoas, e sempre contando com um grupo controle, que não receberá o tratamento. Nesses testes é que realizamos a validação final dos medicamentos, e, aí sim ele pode ser considerado efetivo no tratamento de uma doença.

Ainda não temos nenhum medicamento, novo ou de reposicionamento, que seja a cura para a COVID-19. A previsão é de que os resultados dos testes clínicos já iniciados sejam divulgados nos próximos meses, incluindo a iniciativa coordenada pela Organização Mundial da Saúde chamada “Solidariedade”. Por hora, os únicos métodos realmente efetivos de combate a pandemia são o distanciamento social e medidas básicas de higiene!

Quer saber mais sobre o tema? Aqui embaixo temos algumas sugestões para você continuar a aprender:
Novos Remédios para velhas doenças
Como surge um novo medicamento?
OMS lança estudo global para testar 4 medicamentos contra Covid-19

Referências em inglês:

MCCAUSLAND, Phil. CDC warns against using form of chloroquine that killed man, sickened his wife. 2020. Acesso em: 03 mai. 2020.

WOUTERS OJ, McKee M, LUYTEN, J. Estimated Research and Development Investment Needed to Bring a New Medicine to Market, 2009-2018JAMA. 2020;323(9):844–853. doi:10.1001/jama.2020.1166


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Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


editorial


Alexandre Borin

Alexandre Borin, biólogo, mestrando em Imunologia pelo programa de Genética e Biologia Molecular da UNICAMP em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).

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