Texto escrito por Ana Arnt, Marcelo Mori e Maurílio Bonora Junior para a Força Tarefa da Unicamp
O que pode uma universidade, frente à maior crise sanitária das últimas décadas?
Há quem diga que as universidades são encerradas em si mesmas. Bem como, não conseguem atuar em um mundo fora dos seus muros – muros estes nem sempre visíveis. Há quem diga que a primeira menção à palavra universidade teria sido usada pelos sumérios, por volta de 3.500 a.C.. Sendo definida como um espaço para desenvolvimento da escrita e da matemática.
Ao longo da história foram vários os momentos em que a universidade foi conceituada e repensada. Há inúmeros registros de “a primeira universidade” em diferentes sociedades e civilizações. Entretanto, as universidades sempre estão atreladas a ideais de conhecimentos, técnicas, tecnologias, sendo espaço de proliferação de perspectivas para a sociedade e seu desenvolvimento.
As universidades são, assim, espaços de produção de conhecimentos, a partir de pessoas que se formam, estudam, dialogam e aprendem sobre o mundo e seus fenômenos. E muitas vezes, também, parecem ausentes de debates mais amplos na sociedade. Podemos dizer que muitas vezes ficamos alheios às problemáticas cotidianas – tanto quanto muitas vezes não temos condições reais de resolver problemas práticos como gostaríamos.
Os espaços de pesquisa em tempos de crise
O estudo não atravessa
o alvorecer,
não reduz o alvorecer
para passar ali
da noite para o diaO estudo se
recolhe no alvorecer,
se mantém em suspenso
no centro mesmo do alvorecer
(Jorge Larrosa, 2003)
A pesquisa, ou o estudo, se faz no limiar entre as observações do mundo e dos seus fenômenos, a busca por respostas às nossas perguntas e as relações sociais possíveis a partir destes conhecimentos. A pesquisa se faz “no centro mesmo do alvorecer”. Entre a iminência de cores de cada dia, que vislumbram formas e compreensões potenciais e a incerteza pelos excessos de penumbras.
Este espaço do alvorecer pode parecer poético e desconectado da realidade. No entanto, ele se configura mais como um espaço de silêncio e distanciamento necessário, para compreender os detalhes de acontecimentos iminentes. O alvorecer é o espaço do estudo, da criação de possibilidades da pesquisa tornar-se ação: o alvorecer é espaço de potência.
São em tempos de crise que se buscam soluções ágeis. Através de ações coletivas, a partir da diversidade de saberes, característicos do que é uma universidade. Conhecimento e tecnologia se tornam imprescindíveis para que possamos seguir vivendo nosso cotidiano. Se é verdade que a universidade é um espaço que constrói ambos, no centro do alvorecer e suas nuances, e se é verdade que não estamos apartados do mundo, na vivência rotineira de dias e noites, a COVID-19 foi o momento de imersão, em que o alvorecer pareceu borrar-se com os dias e as noites. Seja para compreender a crise, seja para atenuá-la, a universidade precisava se fazer presente.
Foi nessa trajetória, dentro destes ideais, que a Força Tarefa da Unicamp contra a COVID-19 se idealizou:
UNICAMP como espaço de potência
Isto é, a universidade que foi, que é e que idealiza ser: instância de ciência e conhecimento, com e para a sociedade em que estamos inseridos. É por nós idealizarmos a universidade como este espaço de potência que desde a chegada da pandemia mergulhamos nos meandros de diferentes campos de atuação, reunindo forças, articulando estratégias, buscando, enfim, ações coletivas em tempos de isolamento.
Assim, a Força Tarefa se constitui como um movimento de pessoas. Isto é, a partir de seus saberes, rotinas e laboratórios, mostrou que a idealização de uma potência não se faz com rankings publicados em páginas de notícias que se amarelam com o tempo. As potências são atemporais. Pois mostram que mesmo em silêncio, arquitetam atividades capazes de mudar tantas vidas quantas forem possíveis.
O alvorecer
Enquanto aparentemente fechávamos nossas portas, dia 13 de março de 2020, o interior da universidade já fervia em ideias que viraram ações: o que nosso arredor necessitava com urgência? Como o mundo vinha enfrentando este vírus e quais eram as dificuldades emergenciais? As pessoas estavam compreendendo a severidade daquele momento, que persiste até hoje? De onde estavam retirando as informações para enfrentar a COVID-19 com segurança e saúde?
Estas eram algumas das perguntas que nortearam a nossa universidade. A organização da Força Tarefa partiu de grupos de pesquisadores, professores, estudantes e funcionários inquietos frente à crise que crescia sem impedimentos… muitas vezes dos próprios governos. Foram 11 frentes de trabalho elaboradas. Parece muito. Mas a ideia era exatamente criar condições para que nossas ideias – em diferentes campos e perspectivas – se transformassem em ações que fossem ao mesmo tempo abrangentes e específicas. Todavia, era também fazer muito mais do que isto, nosso trabalho foi sobre salvar vidas, todos os dias.
A Universidade Pública, no seu cotidiano, cumprindo seu papel
Sem nossa abertura a novas parcerias e novas ideias, empresas e laboratórios continuariam restritos em sua capacidade de atuar no enfrentamento à COVID-19, em seu cubículo, sala ou laboratório. Sem nosso cooperativismo, a produção científica da UNICAMP não seria páreo para a competição internacional e não poderia oferecer alternativas ágeis, seja no aspecto tecnológico ou farmacêutico, num contexto nacional ou global. Além disso, sem nossa empatia, demandas de diagnósticos e de soluções tecnológicas, com mão de obra nacional, partidas de comunidades vulneráveis – muitas vezes esquecidas ou deixadas de lado em momentos de crise – não seriam cumpridas, ou estariam estacionadas até o momento. Sem a formação de pesquisadores, a sociedade estaria sem conhecimento necessário para enfrentar a maior crise que vivemos neste século, e nos últimos 80 anos.
Em suma, tudo foi força motriz e condição de possibilidade para a Força Tarefa da UNICAMP existir: a universidade como potência é feita de pessoas que fazem do pensamento, ação. Assim, potência é fazer do alvorecer nossa rotina ao longo dos dias. Somos uma organização que começou de baixo para cima e tornou-se parte essencial da instituição. Ao longo de todo este período, tivemos o propósito de servir à sociedade como a universidade pública deve servir. Isto é, com empatia, coletividade e cooperação, conhecimento técnico e disponibilidade para tempos de crise, representando um dos pilares mais sólidos de uma sociedade desenvolvida.
O futuro
Assim, como o alvorecer, a universidade, potência que foi e que é, continuará sendo: pesquisas continuarão sendo feitas para entendermos o funcionamento do vírus, testes serão realizados para se diagnosticar pessoas, vacinas serão estudadas e testadas para salvar vidas, tecnologias serão desenvolvidas e ações sociais, efetivadas. E o trabalho da Força-Tarefa permanecerá. Bem como, seu legado vai persistir. Mesmo que essa não exista mais como instância oficial, mesmo que as pessoas parem de chamá-la assim, os reflexos de todos esses 19 meses de trabalho, de pensamento, dúvidas, relações e realizações, tudo isso persiste. Assim, todo este momento, potente por si, abre portas para mais perguntas a serem feitas e respondidas. E como o alvorecer, com uma miríade de novas cores e formas, surge uma nova geração: de pessoas, de conhecimentos, de tecnologias, para seguir e manter a potência.
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Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19
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