“Em um período preocupante também em relação às mudanças ambientais, a COVID-19 traz lições importantes para os governantes em nível local”

O Brasil comprovou a força dos governos locais no combate à pandemia. É em nível local que os investimentos em projetos e programas estão sendo executados para recuperar a saúde e a economia das cidades. Isso traz indícios de soluções para uma outra crise, também de nível global, e que requer um esforço de igual amplitude: as mudanças climáticas.

Em 2021 teremos a Cúpula do Clima da ONU (COP-26) em Glasgow, na Escócia, a COP da Biodiversidade na China (COP-15) e o Fórum Mundial da Bioeconomia, no Brasil. Todos esses eventos reforçam a emergência do envolvimento do poder local na tomada de decisão em medidas de adaptação e mitigação de impactos climáticos.

Mas o que é possível adotar para garantir uma recuperação verde pós-COVID-19 agora mesmo,  pelo menos em nível local? O World Resources Institute (WRI) lançou no mês passado o relatório “Seizing the Urban Opportunity” sobre oportunidades que as cidades concentram, especialmente nas economias emergentes, já que são as que enfrentam desafios particularmente complexos agravados pela pandemia. Os seis países estudados – Brasil, México, Índia, China, Indonésia e África do Sul – representam 42% da população urbana mundial, produzem quase um terço do PIB global e 41% das emissões de CO²; a maior parte pelo uso de combustíveis fósseis.

As seis cidades pesquisadas no relatório Seizing the Urban Opportunity e seus principais desafios urbanos. Fonte: WRI – World Resources Institute

O coronavírus expôs nossas economias e comunidades a uma ampla gama de desafios, com particular impacto nas cidades e nas populações mais pobres. O desemprego disparou e a expectativa é de que até 150 milhões de pessoas caiam na pobreza extrema devido à pandemia. Os pobres urbanos vivem em condições de superlotação, sem acesso a serviços públicos de qualidade, segurança social ou transporte. Ao mesmo tempo, as cidades continuam sofrendo com ondas de calor, inundações e deslizamentos de terra à medida que os riscos climáticos aumentam de forma exponencial.

A partir desse cenário, o estudo centrou-se em três desafios para os governos locais: recuperação pós-pandemia, desenvolvimento de longo prazo e mudanças climáticas. 

O triplo desafio das cidades no pós-COVID-19. Fonte: WRI – World Resources Institute

As cidades são espaços vitais para resolver esse triplo desafio, mas precisam de liderança nacional e apoio para colocar em prática seu potencial de ação local. Mais da metade da população global (56%) vive em cidades, o que corresponde a 70% das emissões globais de gases de efeito estufa. Ao mesmo tempo, a urbe é o motor econômico dos países, produzindo 80% do PIB global, gerando oportunidades de emprego, além de serem catalizadoras de cultura e inovação.

Até 2030, trilhões de dólares serão investidos em infraestrutura urbana, em particular, nos setores de energia, transporte, construção civil, resíduos e materiais, que precisam ser direcionados a soluções carbono zero e socialmente inclusivas – o que é tecnicamente viável – para alcançarmos as NDCs do Acordo de Paris e manter o aumento da temperatura global abaixo dos 1,5°C.

Metade da possível redução de emissões urbanas encontra-se em cidades de pequeno e médio porte, que muitas vezes carecem de recursos financeiros e técnicos das cidades maiores e, portanto, precisam de apoio do governo nacional. No Brasil e na Índia, 42% do potencial cumulativo vêm de cidades com menos de 300 mil habitantes. Além disso, os governos nacionais controlam os domínios políticos que controlam os mecanismos regulatórios e de financiamento, acelerando o processo de descarbonização das cidades.

Assim, as escolhas dos governos locais durante a pandemia podem colocar seus países no caminho para um futuro mais próspero e resiliente ou acelerar a emergência climática. Investir em cidades compactas, conectadas e verdes podem gerar benefícios econômicos, sociais e ambientais. À medida que os governos nacionais aumentem seus compromissos climáticos rumo à COP-26, as cidades devem estar no foco de seus planos de desenvolvimento socioeconômico.

Ações de curto prazo no nível municipal

Há diversos caminhos quando pensamos em nível municipal, no entanto, dado o atual cenário socioeconômico, a solução precisa vir acompanhada de empregos, saúde e bem-estar. Algumas possibilidades viáveis e eficazes e que não necessitam de vultosos investimentos em infraestrutura incluem:

Mobilidade ativa, como andar de bicicleta e caminhar. A construção de ciclovias e áreas mais amigáveis para os pedestres podem contribuir para gerar fluxo e crescimento econômico local. A redução de congestionamento reduz a poluição do ar e sonora e motiva a retomada das cidades, que as tornam mais atraentes para se viver e trabalhar.

Eficiência energética, para reduzir o uso de energia fóssil. A formulação de políticas públicas pode contemplar uma matriz de energia limpa para reduzir custos e melhorar a competitividade da indústria, com significativa redução dos índices de poluição. 

Serviços ecossistêmicos urbanos. Isso inclui os parques e a qualidade ambiental que estimulam o lazer e o convívio social em áreas coletivas verdes. Essa natureza urbana engloba “serviços” como conforto térmico, absorção de dióxido de carbono, arborização para minimizar as ilhas de calor, e proteção de recursos hídricos.

Referência:

WRI, 2021. Seizing the Urban Opportunity: How can national governments recover from COVID-19, tackle the climate crisis and secure shared prosperity through cities? Disponível em: https://urbantransitions.global/urban-opportunity/seizing-the-urban-opportunity/

Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.

Este texto foi escrito originalmente no blog Natureza Crítica


Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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