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Fui selecionada. Eu e mais nove improvisadores (eu e mais uma como improvisadora e texto),
mais um no desenho, um no desenho e texto, um no vídeo e outra como ensaiadora/assistente
de direção (não faço ideia o que isso significa). Percebo uma tentativa de Marília de aproveitar
a todos os inscritos.
Todos os ensaios, segundo Marília, seguirão um ritual: chegamos, montamos os EVA’S( o
tatame) e temos 50 minutos de warm up, ou seja, um aquecimento, momento para chegarmos,
ficarmos presente, sentimos nosso corpo, centralizarmos e concentrarmos, fazer o que tivemos
que fazer para nos preparar o para o estado de dança. A maioria deita no chão, respira, se
alonga, massageia-se, medita e aos poucos vão se mexendo, encontrando com outros corpos
até entrar neste estado desperto para dançar. Algumas técnicas que me ajudam é o
alongamento (extremamente necessário para não lesionar meu corpo), deitar e soltar o peso do
meu copo pela respiração, me acalmando, trazendo a minha atenção para o meu corpo,
mapeando-o, respirando-o, e aos poucos vou me movendo. Ainda experimento maneiras de
alcançar este estado aquecido e nem sempre consigo.
Inicia-se oficialmente esta jornada dirigida por M. O que está na cabeça dela, o que ela esta
pensando em fazer com a gente é um mistério. Juntos em uma roda, ela nos mostra uma lista
com os nomes dos participantes, rasga em quatro pedaços e os nomes que ficam em cada um
será as pessoas com quem trabalharemos durante cinco semanas. Meu nome se encontra, não
ao acaso, com mais de duas improvisadoras, estas têm outras formações artísticas, assim
como eu. Dança contemporânea, teatro e circo. Será por isso que M nos colocou juntas? O que
essas informações corporais podem contribuir ou atrapalhar nas nossas práticas de CI?
Depois, M passa de grupo em grupo, entregando um livro e passando orientações. Para gente,
ela nos entrega o livro A Varanda do Frangipani de Mia Coutro e pede para assistirmos o filme
O último voo do flamingo. A instrução sobre o uso deste material é vaga, não é para construir
nada diretamente a estas narrativas, somente ver se elas influenciam ou não em alguma coisa
da nossa dança. Hora da prática. Como os outros grupos, teremos três rounds de alguns
minutos e uma performance para os outros presentes. Estamos em duas, a terceira integrante
está viajando.

1º round: Dancei uma vez com I, há dois anos atrás. Tento sentir e perceber sua dança. O que
me orienta nesta dança é: o que ela pode me oferecer? Dançar com ela é feminino, doce, sutil
e selvagem. Felina. Ela tem cabelos pretos lisos longos. Ora me atrapalham. Fico em cima sem
querer, puxo, prendo, mas percebo que ele é uma parte do corpo e tem um movimento próprio
de cabelo. Assim, uma coisa que ela me coloca é: como podemos utilizar o cabelo na dança?
2º round: A investigação continua. Sinto uma dança estética, penso em alguns momentos que
se estivesse vendo, acharia bonito o que estávamos fazendo na hora. Há um diálogo quando
uma de nós imita o movimento uma da outra. Os movimentos que me chamaram atenção nesta
dança são quando separadamente ficamos paradas em uma posição, esperamos e juntamente
giramos e paramos em outra posição. Exige escuta para ser sincronizado. Pergunto- me: como
posso abrir mais os espaços, me abrir mais, para que sua dança entre na minha?
3º round: Entrou pelos cabelos. Deitadas no chão com a cabeça uma do lado da outra, nossos
cabelos se misturam, enrolo-me nele. Qual é o meu cabelo e qual é o dela? Cabelos lisos
pretor envoltos formam uma correnteza de cabelos. A partir do cabelo fomos construindo nossa
dança. Teve, novamente, repetições e o movimento para-espera- gira-para.
Performance: Foi mais difícil. Além de me esforçar para estabelecer uma relação com I tinha o
público. Sugestão dada: olhar para o ele. Dançamos os elementos explorados nos rounds:
cabelos, giros, imitação de movimentos. Demorou a passar, a dança nunca terminava.
No geral, acredito que foi uma dança que explorou os três níveis (chão, médío, alto), mas
ficamos mais no chão e ocupou principalmente a região central do tatame. Uma dança que teve
momentos com contato entre os corpos e sem, com muitos movimentos intensos e amplos,
mas também houve uns sutis, principalmente com os braços. Não houve levantamentos, tentei
um, mas não rolou.
Assistimos as danças dos outros grupos.
A última parte do ensaio ocorre fora da Casa do Lago. Comentamos sobre as danças. Primeiro,
com a minha parceira. Ouvindo ela, fico surpresa em ver como ela experiência essa mesma
dança de forma diferente. Outra subjetividade. Disse ter sentido falta de senti um tema, um
“lugar comum” entre nós. Um lugar comum para que haja criação, um exemplo, seria os sons(
um suspirar profunda, dela, e um cantarolar, meu) que fizemos no 2º round. Perguntou-se onde
está a terceira integrante. A partir do comentário dela, sinto que precisamos investigar mais
sobre “o que seria estes lugares em comuns e esta criação?” e “em que momento ela sente
que cria?”.
Ouvindo as falas de outros improvisadores, me chama atenção para palavras como “conexão”,
“sintonia”, “unicórnio”. Palavras que quando comecei a fazer CI muito fazia parte do meu
vocabulário no pensamento contatense e até aquele momento, não havia pensado nelas.
Fazia quase um ano que não dançava CI, fui me aproximando novamente no final do semestre
passado. Esta minha segunda entrada no CI, entro com um corpo diferente da primeira. Antes,
não havia dançado, corpo adormecido; agora, corpo desperto e atravessado por outras práticas
corporais. Carregado de informações pulsantes loucas para serem utilizadas. Assim, percebo-
me dançando insanamente. Não porque quero, mas porque esses conhecimentos aprendidos
com muita disciplina ao verem uma liberdade de tatame inteiro para serem utilizadas como
querem, se inquietam. Várias vezes, me pego dançando sem muito cuidado e escuta com o
corpo do outro, acreditando que assim como um trapézio, este corpo dará conta dos meus
movimentos. Por outro lado, isso traz uma qualidade interessante e nova que é a objetividade
em relação às pessoas com quem danço, sem o caráter pessoal e subjetivo. Como isso reflete
e quais os efeitos dessa objetividade na minha dança? Objetividade no sentido da minha dança
também. CI pode ser um jeito de se conhecer melhor, de estar a relação com o outro,
prazeroso, um modo mais sensível de estar no mundo uma forma, de troca, de comunicação,
de expressão, de produzir conhecimento para vida, uma terapia, mas acima disso tudo, CI é
dança. Afirmo isso, mas confesso que não sei mais discorrer sobre isso. Outra questão
presente.
Palavras para deixar anotadas: ritmo, quebra de monotonia, deslizamento, cênico, jogo.
Encontre os capítulos anteriores que compõe esta novela em https://www.blogs.unicamp.br/mucina/category/series/hipoteses-para-o-leitor-uma-novela-performatica-gestual. Para receber as notificações no seu email, cadastre-se no RECEBA A MUCíNá na barra lateral. Ou siga pela página no Facebook. E não se esqueça de deixar o seu comentário abaixo!;)
Nascida em São Paulo, em uma família tradicional japonesa, que me incentivava quando criança às artes orientais, odori e karaokê. Depois de uma caminhada que tomou trajetos inesperados, me formei em Ciências Sociais, Bacharelado em Antropologia, pela Unicamp, em 2015. Nesse período, encontrei o meu corpo em uma aula de Contato Improvisação oferecida por Marília Carneiro, na Casa do Lago, em 2014. Corpo desperto, ele se tornou o seu próprio caminho. Em busca de novas aventuras, encontrei a Cia. do Circo, onde meu corpo foi transformado em um campo com potência e pode experimentar diferentes relações com o peso, espaço e limites no tecido, trapézio e contorção desde novembro de 2014. Em 2015, comecei a me apresentar com a Cia. do Circo em eventos. O meu corpo também está sendo transformado com as técnicas de Klauss Vianna apreendidas nas aulas de Jussara Miller há um ano. Incorporei-me no projeto dirigido por Marília Carneiro, o Ciper- ContactImprovisation&Performance, grupo de pesquisa em performance de Contato Improvisação, em que participei como improvisadora e escritora.