Hipótese delta: 16.08.2016 – 1º Encontro

         


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         Fui selecionada. Eu e mais nove improvisadores (eu e mais uma como improvisadora e texto),

mais um no desenho, um no desenho e texto, um no vídeo e outra como ensaiadora/assistente

de direção (não faço ideia o que isso significa). Percebo uma tentativa de Marília de aproveitar

a todos os inscritos.

           Todos os ensaios, segundo Marília, seguirão um ritual: chegamos, montamos os EVA’S( o

tatame) e temos 50 minutos de warm up, ou seja, um aquecimento, momento para chegarmos,

ficarmos presente, sentimos nosso corpo, centralizarmos e concentrarmos, fazer o que tivemos

que fazer para nos preparar o para o estado de dança. A maioria deita no chão, respira, se

alonga, massageia-se, medita e aos poucos vão se mexendo, encontrando com outros corpos

até entrar neste estado desperto para dançar. Algumas técnicas que me ajudam é o

alongamento (extremamente necessário para não lesionar meu corpo), deitar e soltar o peso do

meu copo pela respiração, me acalmando, trazendo a minha atenção para o meu corpo,

mapeando-o, respirando-o, e aos poucos vou me movendo. Ainda experimento maneiras de

alcançar este estado aquecido e nem sempre consigo.

          Inicia-se oficialmente esta jornada dirigida por M. O que está na cabeça dela, o que ela esta

pensando em fazer com a gente é um mistério. Juntos em uma roda, ela nos mostra uma lista

com os nomes dos participantes, rasga em quatro pedaços e os nomes que ficam em cada um

será as pessoas com quem trabalharemos durante cinco semanas. Meu nome se encontra, não

ao acaso, com mais de duas improvisadoras, estas têm outras formações artísticas, assim

como eu. Dança contemporânea, teatro e circo. Será por isso que M nos colocou juntas? O que

essas informações corporais podem contribuir ou atrapalhar nas nossas práticas de CI?

Depois, M passa de grupo em grupo, entregando um livro e passando orientações. Para gente,

ela nos entrega o livro A Varanda do Frangipani de Mia Coutro e pede para assistirmos o filme

O último voo do flamingo. A instrução sobre o uso deste material é vaga, não é para construir

nada diretamente a estas narrativas, somente ver se elas influenciam ou não em alguma coisa

da nossa dança. Hora da prática. Como os outros grupos, teremos três rounds de alguns

minutos e uma performance para os outros presentes. Estamos em duas, a terceira integrante

está viajando.

Hipótese delta – Criação de Constanza Paz Espinoza Varas

       1º round: Dancei uma vez com I, há dois anos atrás. Tento sentir e perceber sua dança. O que

me orienta nesta dança é: o que ela pode me oferecer? Dançar com ela é feminino, doce, sutil

e selvagem. Felina. Ela tem cabelos pretos lisos longos. Ora me atrapalham. Fico em cima sem

querer, puxo, prendo, mas percebo que ele é uma parte do corpo e tem um movimento próprio

de cabelo. Assim, uma coisa que ela me coloca é: como podemos utilizar o cabelo na dança?

        2º round: A investigação continua. Sinto uma dança estética, penso em alguns momentos que

se estivesse vendo, acharia bonito o que estávamos fazendo na hora. Há um diálogo quando

uma de nós imita o movimento uma da outra. Os movimentos que me chamaram atenção nesta

dança são quando separadamente ficamos paradas em uma posição, esperamos e juntamente

giramos e paramos em outra posição. Exige escuta para ser sincronizado. Pergunto- me: como

posso abrir mais os espaços, me abrir mais, para que sua dança entre na minha?

            3º round: Entrou pelos cabelos. Deitadas no chão com a cabeça uma do lado da outra, nossos

cabelos se misturam, enrolo-me nele. Qual é o meu cabelo e qual é o dela? Cabelos lisos

pretor envoltos formam uma correnteza de cabelos. A partir do cabelo fomos construindo nossa

dança. Teve, novamente, repetições e o movimento para-espera- gira-para.

Performance: Foi mais difícil. Além de me esforçar para estabelecer uma relação com I tinha o

público. Sugestão dada: olhar para o ele. Dançamos os elementos explorados nos rounds:

cabelos, giros, imitação de movimentos. Demorou a passar, a dança nunca terminava.

No geral, acredito que foi uma dança que explorou os três níveis (chão, médío, alto), mas

ficamos mais no chão e ocupou principalmente a região central do tatame. Uma dança que teve

momentos com contato entre os corpos e sem, com muitos movimentos intensos e amplos,

mas também houve uns sutis, principalmente com os braços. Não houve levantamentos, tentei

um, mas não rolou.

            Assistimos as danças dos outros grupos.

            A última parte do ensaio ocorre fora da Casa do Lago. Comentamos sobre as danças. Primeiro,

com a minha parceira. Ouvindo ela, fico surpresa em ver como ela experiência essa mesma

dança de forma diferente. Outra subjetividade. Disse ter sentido falta de senti um tema, um

“lugar comum” entre nós. Um lugar comum para que haja criação, um exemplo, seria os sons(

um suspirar profunda, dela, e um cantarolar, meu) que fizemos no 2º round. Perguntou-se onde

está a terceira integrante. A partir do comentário dela, sinto que precisamos investigar mais

sobre “o que seria estes lugares em comuns e esta criação?” e “em que momento ela sente

que cria?”.

             Ouvindo as falas de outros improvisadores, me chama atenção para palavras como “conexão”,

“sintonia”, “unicórnio”. Palavras que quando comecei a fazer CI muito fazia parte do meu

vocabulário no pensamento contatense e até aquele momento, não havia pensado nelas.

Fazia quase um ano que não dançava CI, fui me aproximando novamente no final do semestre

passado. Esta minha segunda entrada no CI, entro com um corpo diferente da primeira. Antes,

não havia dançado, corpo adormecido; agora, corpo desperto e atravessado por outras práticas

corporais. Carregado de informações pulsantes loucas para serem utilizadas. Assim, percebo-

me dançando insanamente. Não porque quero, mas porque esses conhecimentos aprendidos

com muita disciplina ao verem uma liberdade de tatame inteiro para serem utilizadas como

querem, se inquietam. Várias vezes, me pego dançando sem muito cuidado e escuta com o

corpo do outro, acreditando que assim como um trapézio, este corpo dará conta dos meus

movimentos. Por outro lado, isso traz uma qualidade interessante e nova que é a objetividade

em relação às pessoas com quem danço, sem o caráter pessoal e subjetivo. Como isso reflete

e quais os efeitos dessa objetividade na minha dança? Objetividade no sentido da minha dança

também. CI pode ser um jeito de se conhecer melhor, de estar a relação com o outro,

prazeroso, um modo mais sensível de estar no mundo uma forma, de troca, de comunicação,

de expressão, de produzir conhecimento para vida, uma terapia, mas acima disso tudo, CI é

dança. Afirmo isso, mas confesso que não sei mais discorrer sobre isso. Outra questão

presente.

 

Palavras para deixar anotadas: ritmo, quebra de monotonia, deslizamento, cênico, jogo.

 


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Nascida em São Paulo, em uma família tradicional japonesa, que me incentivava quando criança às artes orientais, odori e karaokê. Depois de uma caminhada que tomou trajetos inesperados, me formei em Ciências Sociais, Bacharelado em Antropologia, pela Unicamp, em 2015. Nesse período, encontrei o meu corpo em uma aula de Contato Improvisação oferecida por Marília Carneiro, na Casa do Lago, em 2014. Corpo desperto, ele se tornou o seu próprio caminho. Em busca de novas aventuras, encontrei a Cia. do Circo, onde meu corpo foi transformado em um campo com potência e pode experimentar diferentes relações com o peso, espaço e limites no tecido, trapézio e contorção desde novembro de 2014. Em 2015, comecei a me apresentar com a Cia. do Circo em eventos. O meu corpo também está sendo transformado com as técnicas de Klauss Vianna apreendidas nas aulas de Jussara Miller há um ano. Incorporei-me no projeto dirigido por Marília Carneiro, o Ciper- ContactImprovisation&Performance, grupo de pesquisa em performance de Contato Improvisação, em que participei como improvisadora e escritora.

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