Culinária de precisão
No restaurante catalão El Celler de Can Roca, nomeado este ano como o segundo melhor restaurante do mundo (aqui) e dono de três estrelas do ilustre Guia Michelin, 35 cozinheiros trabalham para servir 45 pessoas. Tal proporção elevada cozinheiro/cliente tem uma explicação: os pratos são executados e montados com incrível precisão, como mostrou Joan Roca na última segunda-feira (12) em Harvard. Já escrevi aqui no blog e no iG Ciência sobre estes populares encontros que mesclam Ciência e Culinária.
Joan Roca falou e cozinhou em Harvard na última segunda-feira.
Roca, chef de cozinha e um dos donos do restaurante, é conhecido por ter desenvolvido tecnologias que revolucionaram a culinária, como o destilador batizado de rotary evaporator, que permite extrair aromas de diversos alimentos. Ele e sua equipe já destilaram camarão, cogumelo, eucalipto, entre outros. Arriscaram até a destilar terra. Sim, terra. A terra fica “cozinhando” em temperaturas baixas e tudo que evapora vai sendo captado em outro frasco. Os “destilados de terra” são então usados para compor alguns dos pratos servidos no restaurante. O que um prato com aroma/gosto de terra despertaria em você?
A culinária do El Celler de Can Roca procura despertar memórias, vivências, emoções contrastantes, usando tanto a tradição da cozinha catalã quanto técnicas modernas.
Durante a palestra Roca falou em catalão, com tradução consecutiva. Ele começou mostrando vídeos do sous vide cooking, uma técnica polivalente que permite o controle rigoroso da temperatura do alimento durante o cozimento, usando um tipo de banho-maria (sim, bem parecido ao do laboratório). Ele mostrou uma apetitosa receita de linguado estilo mediterrâneo, onde os filés foram enrolados em filme plástico, embalados a vácuo em um plástico mais resistente e mergulhados no banho-maria a 55oC por 4 minutos. Junta-se ao peixe um bala de caramelo com óleo de oliva como recheio, além de molhos diversificados com laranja, azeitonas verdes, erva-doce, pinhão.
Ao cozinhar os alimentos assim, não há oxidação e garante-se a consistência por conta do controle da temperatura. Como não há evaporação, nutrientes e sabores são mantidos e não há perda de peso (o alimento não encolhe). Além disso, o processo simplifica e agiliza o atendimento.
Surpresa é um elemento importante nos pratos lá servidos. Imagine morder uma bola que tem toda a cara de uma beterraba, mas na verdade é um melão cozido sous vide em molho de beterraba. Haja criatividade!
Para montar os pratos com a precisão exigida, os cozinheiros usam pinças para pescar ingredientes, seringas e conta-gotas para adição de molhos e aromas. Todos os ingredientes são milimetricamente arranjados no prato.
Como possivelmente jamais irei ao El Celler de Can Roca, ao menos posso dizer que comi um salmão sous vide preparado pelo Joan Roca. Estava um delícia! Uma textura incrível.
Salmão cozido sous vide, acompanhado de maçãs verdes e óleo de baunilha, foi servido para a plateia.
A fusionchef by Julabo é uma das empresas que comercializa os caros equipamentos para sous vide cooking (aqui).
Usando baixas temperaturas no cozimento, Roca consegue produzir pratos incríveis. Para cozinhar, são mesmo necessárias altas temperaturas? O ovo que recebeu um banho de nitrogênio líquido (-200oC) ficou com a gema e a clara sólidas como as de um ovo cozido, segundo demonstração no começo da palestra.
Afinal, o que é cozinhar?
Atualização: o vídeo da palestra está disponível aqui.
Os médicos da escola de medicina de Harvard revelam… Recebi tais dicas de saúde como propagand
Os médicos da escola de medicina de Harvard revelam…
Recebi tais dicas de saúde como propaganda para assinatura de revista editada pela Harvard Medical School. Resolvi não assinar a tal revista, mas guardei as “revelações” dos médicos de Harvard.
OBS: clique na figura para ver cada imagem separadamente (slide show).
Vidreiro na ciência, vidreiro na arte
Incrível o que pode ser criado ao se soprar e manipular vidros com destreza.
As flores de vidro da exposição permanente no Museu de História Natural de Harvard encantam pela delicadeza e precisão. “Mãe, isso não foi feito de vidro”, disse minha filha mais velha enquanto caminhava pelo abafado espaço. Os três mil modelos, representando mais de 830 espécies de plantas, foram criados entre os anos 1887 e 1936 pelos artesãos Leopold Blaschka e seu filho Rudolph, a pedido do professor George Lincoln Goodale, fundador do Museu de Botânica. Goodale queria modelos de plantas em tamanho real para ensinar botânica.
Plantas de vidro no Museu de História Natural de Harvard.
Já as instalações criadas pelo artista Dale Chihuly arrepiam por suas cores e formas exuberantes. A exposição Chihuly: Through the Looking Glass, no Museum of Fine Arts em Boston, vem atraindo a atenção de milhares de visitantes. Escutei vários “uaus” enquanto apreciava, arrepiada, a exposição.
Ikebana boat, exposição de Chihuly no MFA (Boston).
Levei meu pai à exposição do Chihuly e comentei com ele que escreveria no blog sobre o contraste da liberdade de Chihuly e precisão dos Blaschka: vidreiro na arte, vidreiro na ciência. Como bioquímico nato que é, meu pai logo falou: “você precisa falar do cientista vidreiro Otto Warburg”. Ele arrancou logo a sua canetinha de sempre do bolso e desenhou o esquema abaixo:
O frasco acima, conhecido como frasco de Warburg ou respirômetro, permitiu aos bioquímicos medir a respiração celular, o consumo de oxigênio e a produção de CO2. Bom, detalhes deixo para quando a inspiração bioquímica chegar.
Seguem mais fotos das plantas de vidro e dos vidros de Chihuly.
Candelabro com pés de sapo, Chihuly.
Mais plantas de vidro…
Teto inspirado no fundo do mar (veja o polvo lá), Chihuly.
Plantas de vidro… é de vidro mesmo?
Chihuly…
Tem certeza de que é de vidro?
Candelabro de Chihuly.
Mais plantas de vidro.
“Pinheiro” de Chihuly no MFA.
Sim, é de vidro.
Transglutaminase na cozinha
Na semana passada aprendi que uma proteína bem conhecida do pessoal das biológicas tem um papel um tanto… eu diria… inusitado quando nas mãos de um chef de cuisine. Foi em Harvard, durante evento que coloca chefs ao lado de cientistas, como parte do curso “Ciência e Culinária”.
Salumi de camarão. Juntinhos assim por conta da transglutaminase. Foto gentilmente cedida por Jo Horner.
Em bioquímica a gente estuda que proteínas podem se juntar a outras proteínas, formando grandes complexos. É o que acontece quando o sangue coagula, evitando perda de sangue no local do ferimento: proteínas se juntam umas às outras formando uma malha com plaquetas agregadas. Nesse caso, são as transglutaminases que fazem as pontes entre as proteínas, grudando-as. Elas ligam o aminoácido lisina com glutamina, tanto dentro da mesma proteína ou na molécula vizinha.
Grudar é o atributo das transglutaminases que chefs usam em suas receitas. Activa RM, também conhecido como “cola de carne”, é o nome da transglutaminase para uso em culinária. Veja o que a empresa que a comercializa, Ajinomoto, diz sobre seu produto:
Transglutaminase pode:
– ligar pedaços de carne a frio
– colar bacon a superfícies de carne
– melhorar a textura de queijos
– reduzir perda de água em iogurte
– e por aí vai…
Macarrão de queijo só deu certo por conta da transglutaminase. Foto gentilmente cedida por Jo Horner.
Resultado de pôr ciência e culinária em marinada.
Bactérias foram destaque da cerimônia de premiação do Ig Nobel
Participei ontem da 20a cerimônia de premiação do Ig Nobel. Satirizando o aclamado Prêmio Nobel, a equipe do Annals of Improbable Research (AIR) homenageia, todos os anos, pesquisas que fazem rir, e, em seguida, pensar. Os dez vencedores de 2010 (veja lista abaixo) foram anunciados durante a cerimônia no teatro Sanders (lindo!), que fica no campus da Universidade de Harvard. A intenção de tal premiação é celebrar o inusitado e estimular o interesse do público por ciência, medicina e tecnologia.
Este ano o tema foi “bactérias”. Marc Abrahams, editor do AIR, me disse que eles procuram escolher temas cujos nomes as pessoas reconheçam, mas que nunca param para pensar sobre o assunto. “Você, por exemplo, está coberta de bactérias”, disse.
Antes da cerimônia oficial começar, tais microrganismos foram homenageados com um concerto de piano “bactérias patogênicas”, acompanhado por um “coro bacteriano”. Conforme a pianista tocava, crescia a lista de bactérias listadas na tela, presentes na boca, pele, intestinos delgado e grosso de humanos.
Palco lotado, bagunça organizada. Os vencedores entraram no palco segurando uma corda, como as crianças que saem a passeio com a escola. Mais um tributo às bactérias: as gêmeas Evelyn Evelyn cantaram uma música composta exclusivamente para o evento, descrevendo vários nomes científicos de bactérias.
Richard Losick, professor da Universidade de Harvard, proferiu um curtíssimo discurso que, a meu ver, deveria ter sido o tom das homenagens às bactérias. Losick ressaltou que vivemos em perfeita harmonia com zilhões de bactérias espalhadas pelo nosso corpo, descreveu a importância delas para o desenvolvimento do nosso sistema imune e suas influências em nossas emoções. “Somos mais bactérias que humanos? Foi você quem decidiu vir aqui hoje à noite ou foram suas bactérias?” Risadas por todo lado!
Richard Losick, professor da Universidade de Harvard
Até ópera bacteriana teve, descrevendo a saga de uma bactéria que vive no dente de uma mulher. Além de contar sobre a convivência com vizinhos, e da invenção de um telescópio por galileococos – possibilitando que as bactérias vissem que os humanos são cobertos por bactérias -, houve até uma explicação sobre a formação de biofilmes (stand on the shoulders of giant piles of bacteria).
Os ganhadores do IgNobel receberam o prêmio das mãos de cientistas laureados com o verdadeiro Prêmio Nobel: Sheldon Glashow (Física, 1979), Roy Glauber (Física, 2005), Frank Wilczek (Física, 2004), James Muller (Paz, 1985) e William Lipscomb (Química, 1976), que este ano completará 91 anos de idade.
Impressionou vê-los no palco, totalmente entregues às brincadeiras e participando de tudo: varrendo os aviões de papel do chão, vestindo sutiã e carregando bactérias gigantes de pelúcia. Hilário.
Uma forma de divulgação científica repleta de risos!
Frank Wilczek, James Muller e Sheldon Glashow segurando bactérias de pelúcia
Roy Glauber varrendo os aviões de papel, tradição do Ig Nobel.
Aí vai a lista dos ganhadores do Ig Nobel 2010:
Obs: o interessante é comparar a descrição do prêmio com o título do trabalho original
Engenharia
– “Pelo aperfeiçoamento de um método de limpar secreção nasal de baleias usando um helicóptero guiado por controle remoto”
– Karina Acevedo-Whitehouse, Agnes Rocha-Gosselin e Diane Gendron, cientistas do Reino Unido e do México
– Trabalho publicado no periódico científico Animal Conservation (resumo aqui). O título do trabalho fala sobre uma ferramenta não-invasiva para monitoramento de doenças em baleias e sua importância para programas de conservação.
Medicina
– “Pela descoberta de que os sintomas da asma podem ser tratados com uma volta numa montanha-russa”
– Simon Rietveld; Ilja van Beest, cientistas holandeses
– Trabalho publicado na Behaviour Research and Therapy (resumo aqui). O título original afirma que estresse emocional positivo interfere com a percepção da dispnéia.
Planejamento de transporte
– “Pelo uso de micetozoários (microrganismos que parecem “lodo”) para determinar rotas ideais de malhas ferroviárias”
– Grupo de cientistas japoneses e Dan Bebber e Mark Fricker (Reino Unido)
– Trabalho publicado na Science (resumo aqui).
Física
– “Pela demonstração de que em calçadas com camadas de gelo, durante o inverno, as pessoas escorregam e caem muito menos se vestirem a meia do lado de fora de seus sapatos”
– Lianne Parkin, Sheila Williams e Patrícia Priest, cientistas da Nova Zelândia
– Trabalho publicado na New Zeland Medical Journal (resumo aqui). Título original vai na linha da prevenção de quedas de inverno: teste randomizado e controlado de uma nova intervenção.
Paz
– “Pela confirmação da crença de que falar palavrão alivia dores”.
– Richard Stephens, John Atkins e Andrew Kingston, cientistas do Reino Unido
– Trabalho publicado na Neuroreport (resumo aqui)
Saúde Pública
– “Pela determinação experimental de que micróbios ficam aderidos às barbas de cientistas”
– Manuel Barbeito, Charles Mathews e Larry Taylor, pesquisadores do Industrial Health and Safety Office, nos Estados Unidos
– Trabalho original publicado em 1967 na Applied Microbiology (resumo aqui).
Química
– “Pela contestação da velha crença de que óleo e água não se misturam”
– Eric Adams (MIT), Scott Socolofsky (TAMU, Texas) e Stephen Masutani (Hawai)
– Relatório (resumo aqui).
Gestão
– “Pela demonstração matemática de que organizações seriam mais eficientes se promovessem pessoas ao acaso”
– Alessandro Pluchino, Andrea Rapisarda, Cesare Garofalo, cientistas italianos
– Artigo publicado na Physica A (resumo aqui)
Biologia
“Pela documentação científica de felação em morcegos”
– Cientistas chineses e Gareth Jones da Universidade de Bristol (Reino Unido)
– Artigo publicado originalmente na PLoS One (artigo aqui)
Vida, morte e imortalidade: desvendando a história das células Hela
Assim que recebi um email da livraria de Harvard avisando que Rebecca Skloot participaria lá de uma discussão sobre o seu mais novo livro, nem pensei duas vezes e enfrentei a congelante noite para conhecê-la. Com voz suave e envolvente, a jornalista norte-americana fez a plateia refletir sobre temas de ciência e seus bastidores, propriedade intelectual e patentes de células, a precária comunicação entre médicos e pacientes, entre outros. O livro intercala tais discussões com uma narrativa que prende o leitor (sabe quando um livro não te larga?), resultado de uma profunda investigação sobre a vida de Henrietta Lacks: uma mulher negra que viveu nos Estados Unidos entre os anos de 1920 e 1950, da qual foram extraídas células cancerosas que originaram a primeira linhagem imortal de células humanas (HeLa). O impacto de tal façanha na ciência médica moderna foi profundo e vasto, muito embora a família de Lacks tivesse vivido um enorme silêncio (e falta de informação) sobre sua importante contribuição.
Acredito que muitos cientistas que estão neste momento crescendo células HeLa em placas de cultura no laboratório não têm ideia da sofrida história de vida de Henrietta Lacks.
Tamanha motivação virou uma resenha para a Ciência&Cultura.