Caapora, o retorno…

Hora de despertar! Flagrante de um bugio (Alouatta clamitans) tirando um cochilo no meio do dia no Jardim Botânico de São Paulo, que aliás e um excelente lugar encravado na selva de concreto para se fotografar vida selvagem. Foto: Luciano Moreira Lima

Após um longo período de hibernação o Caapora desperta. Os leitores antigos perceberão que as recentes mudanças no visual do seu habitat natural aqui no Scienceblogs Brasil são apenas uma das novidades dessa nova fase. Agora, além deste que lhes escreve, Luciano Lima, fazem parte do “corpo editorial” do Caapora os amigos e também zoólogos Guilherme Garbino e Rafael Marcondes, os quais aproveito para agradecer por terem aceitado o convite para fazer parte desse projeto cujo único ressarcimento é a oportunidade de aprender através do compartilhamento de conhecimento.

O Caapora pretende continuar a fazer jus ao seu significado em tupi, “aquele que vive no mato”, levando seus leitores em jornadas pelas matas, cerrados, caatingas e brejos desse país e cumprindo o seu papel sócio-ambiental de divulgar informações sobre as camadas menos conhecidas da biodiversidade ofuscadas pela popular fauna carismática.  

Ao lado podem ser encontradas informações mais detalhadas sobre Rafael e Guilherme e sobre mim, já que minha vida deu um bom upgrade desde as últimas palavras compartilhadas por aqui há mais de dois anos. 

Mais Megamouth: press release e fotos inéditas

Atendendo a pedidos, abaixo seguem fotos inéditas do Megachasma
pelagios
encontrado no litoral fluminense e um press release
(português/inglês) que pode ser usado como base para aqueles que
quiserem divulgar a descoberta em jornais, revistas e blogs. Vale
ressaltar que as fotos são da autoria de Bruno Rennó

Press release Português


Tubarão
raríssimo é encontrado na costa do Rio de Janeiro

Animal
com mais de 5 metros de comprimento é apenas o terceiro da sua
espécie já registrado no Oceano Atlântico

Pesquisadores
da FIOCRUZ encontraram recentemente um raríssimo
tubarão-de-boca-grande (
Megachasma
pelagios
)
encalhado em uma praia do município de Arraial do Cabo, no Estado do
Rio de Janeiro. O animal encontrado tratava-se de um macho adulto com
cerca de 5,4 metros de comprimento e aproximadamente uma tonelada de
peso. O espécime em questão corresponde ao terceiro
tubarão-de-boca-grande já assinalado para o Oceano Atlântico, e
somente ao 43º representante da espécie conhecido em todo o mundo.

Segundo
os biólogos Luciano Moreira Lima e Bruno Rennó, responsáveis pela
descoberta e pesquisadores do Projeto Aves, Quelônios e Mamíferos
Marinhos da Bacia de Campos, “o tubarão-de-boca-grande é
considerado um dos tubarões mais raros do mundo. Apesar de poder
atingir até 5,5 metros de comprimento e possuir uma aparência
inconfundível, com uma cabeça desproporcionalmente grande que lhe
confere a aparência de um girino gigantesco, a espécie foi
descoberta pela ciência apenas na década de 1980”. Ainda segundo
os biólogos, outra particularidade desta espécie é que apesar do
seu tamanho enorme ela é inofensiva, se alimentando exclusivamente
de plâncton o qual é capturado de uma maneira única entre todos os
tubarões, mas bastante similar a forma com que algumas baleias obtém
seu alimento.

A
descoberta do tubarão-de-boca-grande nas areias fluminenses ocorreu
durante um dos monitoramentos regulares de praia conduzidos para o
estudo de aves, tartarugas marinhas, baleias e golfinhos no âmbito
do Projeto Habitats – Heterogeneidade Ambiental da Bacia de Campos,
coordenado pelo CENPES/Petrobras. A necropsia do espécime, realizada
ainda na praia, revelou uma provável morte por causas naturais.

Para
Salvatore Siciliano, pesquisador da Escola Nacional de Saúde
Pública/FIOCRUZ e coordenador da equipe responsável pela
descoberta, “este achado demonstra a importância dos
monitoramentos regulares de praia para o estudo da fauna marinha e o
quanto ainda falta conhecermos sobre a biodiversidade da costa
brasileira”.

A
descoberta realizada no início de julho deste ano foi divulgada na
edição de setembro da revista Ciência Hoje
(http://www.ciencia.org.br) e um artigo científico contendo detalhes
do achado está em preparação. Fotos inéditas do
tubarão-de-boca-grande encontrado em Arraial do Cabo podem ser
vistas no blog de divulgação científica Caapora
(http://scienceblogs.com.br/caapora).


Para
maiores informações contatar

Luciano
Lima

calyptura[arroba]gmail.com

Projeto
Aves, Quelônios e Mamíferos Marinhos da Bacia de Campos



English press release


Extremely
rare shark found

on the coast of Brazil

With
more than 5 meters, the specimen represents only the third of its
species ever found on the Atlantic Ocean.

Researches
from the
Fundação
Oswaldo Cruz in Rio de Janeiro, Brazil, recently found an extremely
rare Megamouth Shark washed ashore on the northern coast of Rio de
Janeiro state. The specimen is an adult male with more than 5 meters
and nearly 1 ton, and corresponds to the third record of
Megamouth
in the Atlantic Ocean and the 43
rd
for the whole world.

According
to Luciano Lima and Bruno Rennó, authors of the discovery and
researchers of the Project Marine Birds, Turtles and Mammals from the
Campos Basin, the
Megamouth
is considered one of the rarest sharks in the world. Despite its
large size, reaching up to 6 meters in total length and an
unmistakable appearance due to its enormous head resembling a
tadpole, the species was only described in the early 80’s.
Biologists say that another particularity of such species is its
gentle behaviour, much probably related to its feeding strategy,
preying upon tiny zooplankton, captured just like whales do.

The
discovery of such specimen on the coast of Brazil occurred during
regular monitoring surveys on beaches of central-north coast of Rio
de Janeiro State conducted for surveying marine birds, turtles and
mammals for the large Program Habitats – Environmental
Heterogeneity of Campos Basin, coordinated by CENPES/PETROBRAS. The
necropsy conducted on the beach revealed that the specimen had
probably died from natural causes.

According
to Salvatore Siciliano, researcher at Escola Nacional de Saúde
Pública/FIOCRUZ and coordinator of the research team involved in
such
finding, this “unique and spectacular creature clearly demonstrates
the importance of regular monitoring of stretches of coast and how
much we still need to know about the biodiversity of the Brazilian
coast”.

The
finding of such large specimen was first announced in the Brazilian
magazine for popularization of science Ciência Hoje
(http://www.ciencia.org.br) while the article is in preparation for a
specialized article. Unpublished pictures of the
Megamouth
shark form Arraial do Cabo can be seen in the science blog Caapora
(http://scienceblogs.com.br/caapora).


For
further information please contact

Luciano
Lima

calyptura[at]gmail.com

Project Marine Birds,
Turtles and Mammals of Campos Basin

mega2_caapora.JPG

mega5_caapora.JPGmega4_caapora.JPG

mega3_caapora.JPG

Tubarão raríssimo encontrado no litoral do Rio de Janeiro

Em julho deste ano Salvatore Siciliano, Bruno Rennó e eu fizemos uma incrível e inesperada descoberta zoológica. Encontramos um exemplar com mais de cinco metros de comprimento do raríssimo tubarão Megachasma pelagios (popularmente conhecido como tubarão-de-boca-grande, em português, e Megamouth, em inglês) encalhado nas areias de uma das praias que monitoramos regularmente na costa centro-norte do Estado do RIo de Janeiro para o estudo de aves, quelônio e mamíferos marinhos.

A decoberta foi primeiramente divulgada na edição de setembro da revista de divulgação científica Ciência Hoje, abaixo segue o texto do artigo na íntegra e duas fotos do tubarão.

BIOLOGIA MARINHA: Um dos mais raros tubarões do mundo é encontrado na costa brasileira

Gigante dos mares em areias fluminenses

Em 9 de julho último, um macho adulto de Megachasma pelagios – raríssimo tubarão descrito pela primeira vez nos anos 80 – foi encontrado encalhado e recém-morto na Praia Grande, em Arraial do Cabo (RJ), pelo pesquisadores brasileiros que assinam esse artigo. O espécime representa o 43º exemplar de M. pelagios conhecido no mundo e apenas o terceiro registrado no oceano Atlântico. Um animal jovem havia sido capturado na costa de São Paulo em 1995 e outro achado no mesmo ano em Dakar, Senegal.

A descoberta foi feita durante um dos monitoramentos regulares de praia conduzidos pelo Projeto Aves, Quelônios e Mamíferos Marinhos da Bacia de Campos, realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública, da Fiocruz, dentro do Projeto Habitats – Heterogeneidade Ambiental da Bacia de Campos, coordenado pelo Centro de Pesquisas (Cenpes) da Petrobras.

Com 5,39 m de comprimento, o exemplar APARENTA ter morrido por causas naturais, uma vez que não foram encontradas marcas que pudessem ser atribuídas à captura em redes ou à colisão com embarcação a motor. A necropsia mostrou que o estômago do tubarão estava completamente vazio, o que pode indicar que ele não vinha se alimentando há algum tempo.

Megachasma2_caapora.JPG

Figura 1: Exemplar de Megachasma pelagios encalhado na Praia Grande, em Arraial do Cabo (RJ), em julho de 2009. Foto Bruno Rennó / Projeto Aves, Quelônios e Mamíferos Marinhos da Bacia de Campos.

Uma descoberta ao acaso

O primeiro Megachasma pelagios foi descrito em 1983. A descoberta aconteceu totalmente ao acaso, envolvendo um exemplar que se prendeu acidentalmente em uma âncora de um navio da marinha norte-americana ao largo de Oahu, Havaí, em 1976. Ao ser examinado por especialistas, revelou que não se tratava apenas de uma nova espécie, mas também de um novo gênero e família de tubarão, mais tarde denominada Megachasmidae. Foi considerada uma das descobertas zoológicas mais fantásticas do século 20, rivalizando até com o celacanto, conhecido como ‘fóssIL vivo’.

O nome do gênero é composto por um prefixo grego (mega = grande) e um sufixo latino (chasma = cavidade); pelagios vem do latim e significa ‘oceânico, do mar’. Considerado extremamente raro, cada registro do também chamado tubarão-de-boca-grande é documentado em detalhe e passa a integrar um catálogo internacional.

O Megachasma pelagios poder ser considerado um gigante dos mares, chegando a medir mais de 5,5 m de comprimento e passar de 1 tonelada, Megachasma pelagios tem uma aparência bizarra, o que o torna facilmente distinguível de qualquer outro tubarão. Como o seu nome bem diz, sua boca é extremamente grande, coberta por mais de 50 fileiras de pequenios dentes pontiagudos e curvados para trás, das quais apenas três são funcionais. Além disso, a nadadeira dorsal  elativamente pequena e a cauda com o lobo superior bastante alongado contribuem para dar um aspecto desproporcional ao animal, o que o torna facilmente distinguível de qualquer outro tubarão.

Diferente de qualquer outra espécie de elasmobrânquio e curiosamente semelhante às grandes baleias, como a jubarte (Megaptera novaeangliae), a estratégia de busca por alimento do tubarão-de-boca-grande envolve o engolfamento de zooplâncton. Ao se alimentar, o animal engolfa grande quantidade de água na cavidade bucofaringeal enquanto nada ativamente com a boca aberta. Para suportar esse volume de água e as presas nela contidas, a pele dos lados ventrais e laterais da boca, que é muito elástica, é distendida. Posteriormente, a boca se fecha, a água é expelida pelas guelras e o alimento, engolido. Dada a sua dependência por zooplâncton, o Megachasma pelagios realiza deslocamentos verticais diários na coluna da água acompanhando suas presas, podendo atingir até 180 m de profundidade.

Megachasma1_caapora.JPG

Figura 2: Detalhe da cabeça do exemplar de Megachasma pelagios encalhado na Praia Grande,
em Arraial do Cabo (RJ), mostrando a boca extremamente grande do animal. Foto Bruno Rennó / Projeto
Aves, Quelônios e Mamíferos Marinhos da Bacia de Campos.

Entre os mais raros do mundo

Passados 25 anos de sua descoberta, o Megachasma pelagios é ainda hoje considerado um dos tubarões mais raros do mundo. No total, somando-se os espécimes capturados, encontrados encalhados em praias e observados no mar, eram conhecidos até o momento 42 registros da espécie espalhados pelas zonas tropicais e subtropicais dos três oceanos. A maior parte dos espécimes encontrados concentra-se no Pacífico, seguido pelo Índico; no Atlântico, apenas dois exemplares haviam sido reportados.

Embora o ecossistema marinho corra sério risco de entrar em colapso por conta da superexploração de seus recursos, nosso conhecimento sobre os oceanos ainda é incipiente, fato nitidamente ilustrado por diversas descobertas fantásticas relacionadas à vida marinha nas três últimas décadas. Entre esses achados, o tubarão-de-boca-grande pode ser apontado como um dos mais notáveis e um exemplo vivo do nosso desconhecimento sobre a fauna marinha. Um artigo científico sobre o animal deverá ser apresentado em breve em uma revista especializada.

A descoberta de um novo M. pelagios na costa brasileira demonstra a importância do monitoramento regular de trechos de costa e de estudos de caracterização da biodiversidade marinha em longo prazo. Pesquisas dessa natureza podem ser apontadas como uma efetiva ferramenta para melhor compreender o desconhecido, mas criticamente ameaçado, ecossistema marinho.

Luciano M. Lima, Bruno Rennó e Salvatore Siciliano

Projeto de Monitoramento de Aves, Quelônios e Mamíferos Marinhos da Bacia de Campos

Sobre mulheres, preguiças e o monstro do Panamá

A notícia é assustadora e ganhou destaque em vários jornais essa semana…

“Segundo jornais panamenhos, quatro adolescentes entre 14 e 16 anos estavam em torno do lago, no sábado (12), quando viram uma criatura bizarra saindo de uma gruta. Assustados com sua aparência e com medo de serem atacados, os jovens atiraram pedras até matá-la e a jogaram na água. A notícia logo se espalhou pela cidade. Retirada do lago, a criatura foi apontada como um ET por moradores da região e pela imprensa local. Outros a descreveram como o personagem “Gollum”, da trilogia “O senhor dos anéis

As fotos mais ainda…

Thumbnail image for monstro.jpg

Se você já estava preparando para se esconder debaixo da cama com medo da invasão alienígena, pode ir se acalmando.

animalembryo051.jpg

A foto ao lado, retirada daqui, põe rapidamente fim ao mistério. A imagem mostra um feto de preguiça-de-três-dedos (Bradypus tridactylus). Embora o “monstro” do Panamá corresponda a uma preguiça adulta a foto do feto não deixa dúvidas quanto a sua real identidade. Além disso, observando com atenção a foto do suposto ET no canto superior esquerdo é possível ver as garras na ponta de uma das patas e alguns vestígios de pêlos na barriga. 

Um outro mistério seria como a preguiça de Cerro Azul perdeu quase completamento sua pelagem. As possibilidade são muitas, mas por ter sido encontrada as margens de um lago sou capaz de apostar o salário do meu chefe que a perda de pêlos é resultado da decomposição ter se iniciado dentro da água. Em diversas ocasiões já encontrei carcaças de gatos e cachorros “pelados” lançados a beira mar durante os monitoramentos de praia que realizamos pela costa fluminense em busca de aves, quelônios e cetáceos marinhos.   

O mais interessante, contudo, é que o alvoroço causado pela preguiça pelada panamenha não é  muito diferente do que aconteceu quando os primeiros europeus que chegaram a américa se depararam com preguiças vivas. Os primeiros cronistas a descreverem a natureza brasileira se surpreenderam com as feições quase humanas do estranho animal. Em 1560, o Padre José de Anchieta escreveu “a sua cara parece assemelhar-se alguma cousa de
rosto de uma mulher
“, já Fernão de Cardim, foi menos gentil com os elogios e afirmou que seu “rosto parece de mulher mal toucada”, seja lá o que quer dizer isso. A foto abaixo, retirada daqui, permite que os leitores tirem sua próprias conclusões entre as supostas semelhanças entre mulheres e preguiças. Eu achei particularmente interessante o espécime de preguiça pelada da ponta esquerda.

preguiça.jpg

Pois bem, como sempre, a mentira tem perna curta, ou melhor neste caso, braços longos.  

Feliz dia do Biólogo (atrasado)

Dinos in Rio 2009

Se você tem algum interesse por bichos pré-históricos e não foi ao Dinos in Rio 2009, perdeu!!

O evento foi realizado no Museu Nacional do Rio de Janeiro entre 24 e 30 de agosto. Além da exibição de obras de alguns dos mais renomados paleoartistas da América do Sul, a programação da 2 Exposição Internacional de Arte Paleontológica incluiu também diversas palestras ligadas ao tema.

Infelizmente, a falta de tempo não me permitiu assistir nenhuma das palestras, mas a exposição por si só já compensou a ida e volta de Búzios para o Rio na mesma manhã. Muitas das obras pareciam tão reais que davam a impressão que a qualquer momento iam criar vida e sair correndo ou voando pelos corredores do Museu Nacional.

Apesar de não voar, uma das obras em exposição, uma réplica feita utilizando técnica animatrônica do pterossauro brasileiro Tapejara imperator, era capaz de bater asas e foi uma das grandes atrações do evento. Outras obras que chamaram a atenção foram as reconstituições do Microraptor gui, Angataruma limai, algumas incríveis miniaturas em bronze de mamíferos do pleistoceno e diversas pinturas.

Confira abaixo algumas fotos…

IMG_0855.JPG

Dinos in Rio 2009

IMG_0836.JPG

Microraptor gui, obra do paleoartista Orlando Grillo

IMG_0865.JPG

Duelo de Titãs, Eremotherium x Smilodon, obra do paleoartista Maurílio Oliveira

IMG_0840.JPGAngaturama limai, obra do paleoartista Orlando Grillo

IMG_0860.JPGO menino e o pterossauro Tapejara imperator , obra do paleoartista Hugo Pailos

IMG_0853.JPGEsculturas em bronze

IMG_0870.JPGSkorpiovenator bustingorryi  x Homo sapiens

IMG_0898.JPGDa esquerda para direita, Paraphysornis rennoi, Paraphysornis brasiliensis, Paraphysornis limai

Arquivo Z – Mustela africana, a doninha-amazônica

Após alguns meses de silêncio forçado por conta de trabalho quase escravo – espero que meu chefe não leia isso -, o Caapora volta a ativa.
Desde que migramos para o ScienceBlogs, estava pretendendo iniciar uma série de postagens sobre animais brasileiros desconhecidos do público em geral, criaturas ofuscadas pela fama dos mico-leões, araras-azuis, tartarugas marinhas e demais integrantes da chamada “fauna carismática”. Pois bem, nada melhor que retomar as coisas cumprindo promessas do passado. Para inaugurar a série apresento a vocês uma doninha que poderia muito bem sofrer de crise de identidade.
Em 1735, o botânico sueco Carl Linné criou um novo sistema de classificação e nomenclatura dos seres vivos, o qual agrupava as espécies em ordem hierárquica e dava a cada uma delas um binômio exclusivo. Este engenhoso sistema foi capaz de colocar ordem no verdadeiro pandemônio que era a taxonomia e a sistemática até o início do séc. XVIII e acabou sendo tão bem aceito por zoólogos, botânicos e demais estudiosos de tudo o que é vivo, que mais de 200 anos após sua criação continua em uso praticamente sem alterações, uma impressionante façanha dentro da “metamorfose ambulante” que é a ciência.
Embora muitos pesquisadores estudiosos da biodiversidade, especialmente os não ligados diretamente a taxonomia, reclamem das mudanças ocasionais na nomenclatura e classificação de algumas espécies, um dos pilares do sistema criado por Linné é justamente a imutabilidade. De acordo com o “Principio da Prioridade” (artigo 23 do Código Internacional de Nomenclatura Zoológica), o nome válido de um táxon é o nome mais antigo disponível atribuído ao mesmo, ou seja, uma vez batizada uma espécie seu nome jamais poderá ser alterado. Os casos de mudanças mencionados acima geralmente se referem a mudanças ao nível de gênero e refletem avanços no conhecimento sobre o relacionamento entre diferentes táxons. Jamais são permitidas alterações no nome científico de uma espécie por motivos outros que não a mudança de gênero por conta de novos arranjos sistemáticos ou a aplicação direta de alguma das regras do ICZN.
Imagine você, um taxonomista do século XIX, funcionário de um museu europeu e que recebe de uma das colônias de seu país um carregamento de espécimes incluindo algumas espécies até então novas para ciência. A maioria dos exemplares não possui qualquer etiqueta com informações mínimas como local e data de coleta, e ao ver a palavra “África”escrita do lado de fora da caixa, você é tentado a acreditar que os animais provavelmente foram coletados em algum lugar do continente Africano, quando na verdade parte deles é provenientes da América do Sul. Situações aparentemente inusitadas como esta, ocorriam com certa freqüência em muitos museus europeus até o final do século XIX e foram responsáveis por inúmeras injustiças nomenclaturais, como é o caso do animal que inaugura a série de postagens sobre animais brasileiros pouco conhecidos.
A doninha-amazônica (Mustela africana) é uma das sete espécies brasileiras da família Mustelidae, a maior família da Ordem Carnívora com cerca de 55 espécies, e que além das doninhas, inclui animais como os furões, a irara, a lontra e a ariranha. Como prova de quão interessante são esses animais transcrevo abaixo a frase da apresentação de um amigo, que terá sua identidade preservada, retirada de um site de relacionamentos: “Meu nome é X, sou um humano como todos vocês que estão lendo este texto, mas o que eu queria mesmo era ser um mustelídeo”.
Com quase 50 cm da ponta da cauda, que corresponde a aproximadamente metade do tamanho do corpo, até a ponta do focinho a doninha-amazônica pode ser considerada relativamente grande quando comparada a outros representantes do gênero. Vista por cima, parece ser toda marrom-avermelhado escuro, mas o queixo, as partes inferiores da pata e a barriga são claras, esta última com uma extensa mancha castanha no meio. As solas das patas são peladas e os dedos dos membros anteriores são parcialmente unidos por membranas interdigitais demonstrando que a espécie pode apresentar hábitos semiaquáticos. Até onde pude constatar, não são conhecidas imagens da doninha-amazônica em seu ambiente natural ou mesmo de animais em cativeiro, apenas fotos de peles de museus como a do espécime tipo exibido abaixo.
mustela africana.jpg
A doninha-amazônica foi descrita em 1838 pelo zoólogo francês Anselm Gaëtan Desmarest, o exemplar tipo (foto acima) muito provavelmente deve ter sido coletado pelo famoso Alexandre Rodrigues Ferreira, o primeiro naturalista brasileiro, e foi um dos milhares de espécimes saqueados do Museu da Ajuda de Portugal e levado para o Museu de História Natural de Paris durante a Invasão Napoleônica. Sem saber a procedência correta do exemplar que tinha em mãos, Desmarest se limitou a indicar a localidade tipo como “d’Afrique” e tratou de batizar a nova doninha como Mustela africana.
Em 1897, Emílio Goeldi, célebre zoólogo cujo nome foi imortalizado no Museu Paraense Emílio Goeldi, descreveu a partir de exemplares coletados no Pará a doninha Mustela brasiliensis. Em 1913 Angel Cabrera demonstrou que a espécie descrita por Goeldi era a mesma que havia sido batizada por Desmarest em 1838, evidenciando assim o erro do zoólogo francês. Regra existe para ser cumprida, Mustela brasiliensis passou a ser tratado como sinônimo de uma espécie que já havia sido descrita anteriormente, e Mustela africana passou a ser o nome das doninhas amazônicas.
Passados mais de 150 anos de sua descrição, Mustela africana é, ainda hoje, considerado um dos mamíferos mais enigmáticos da América do Sul e sua distribuição ainda não é conhecida em detalhes. Os poucos dados existentes apontam para uma ocorrência restrita a Bacia Amazônica, com registros conhecidos para o Brasil, Equador e Peru. Injustiças nomenclaturais a parte, o caso da doninha-amazônica nos mostra que não apenas as aparências, mas também os nomes e os zoólogos enganam e se enganam. Assim sendo, só nos resta aceitar a tirania do Código Internacional de Nomenclatura Zoológica e nos conformar que a mais brasileira das doninhas será sempre “africana”!
Referências
Desmarest, A. G. (1818) Nouv. Diction. d’Hist. Nat., 19:376
Goeldi, E. (1897) Ein erstes authentisches Exemplar eines echten Wiesels
aus Brasilien. Zool. Jahrb., Abt. f. systematik, geogr. u. Biol.,
10:556-562, pi. 21, September 15, 1897.
Cabrera, A. (1913) Sobre algunas formas del género “Mustela.” Bol. d. 1. Real Soc.
Espaiiol d. Hist. Nat., 13:429-435, November, 1913.

Foto da semana – Diga ahhhhhhh (Leptophis sp)

Após uma semana explorando a selva de pedra carioca, nada melhor que estar de volta a Búzios e o que sobrou de sua Mata Atlântica. Embora já esteja morando há quase dois meses na minha nova residência ainda não tive tempo de conhecer todos os inquilinos que habitam o quintal ou os vizinhos que rondam pelas redondezas. No último sábado, enquanto virava e desvirava o churrasco, me deparei com esta belíssima cobra-cipó pendurada na bananeira ao lado da churrasqueira de onde me observava atentamente. De nada adiantou oferecê-la churrasco e cerveja, ela não estava de muito bom humor e tentou a todo custo me manter a distância com sua bocarra escancarada.

leptophis.JPG

O gênero Leptophis é composto por serpentes que são na sua maioria semi-arborícolas e de hábitos diurnos. Cerca de 90% da sua dieta é composta por pererecas que são capturadas por busca ativa entre folha e cavidade de árvores e bromélias. 

Foto da semana – Periquitão-maracanã (Aratinga leucophthalma)

Para fazer coro a foto do amigo Ciro Albano ganhadora do primeiro prêmio no concurso Avistar de fotografia de aves brasileiras deste ano, nada melhor que outra foto de Psittacídeo.

Aleucophtalmus.jpgApesar de muitíssimo mais comum que a raríssima arara-azul-de-lear (Anadorhynchus leari) ganhadora do concurso deste ano, o periquitão-maracanã (Aratinga leucophthalma), também popularmente conhecido como maritaca, pode ser facilmente observado nas áreas urbanas de muitas cidades brasileiras. Não obstante, a ubiquidade está longe de diminuir sua beleza, especialmente quando ilumidado por uma providencial luz de fim de tarde.

Resultados do 3° Concurso Avistar – Itaú BBA de Fotografia “Aves Brasileiras”

Acabam de ser divulgados os ganhadores do 3° Concurso Avistar – Itaú BBA de Fotografia – “Aves Brasileiras”. A belíssima foto abaixo,”Balé das Araras”, de autoria do amigo Ciro Albano, foi a grande ganhadora na categoria “Melhor Foto”. O restante das fotos premiadas podem ser conferidas no site do evento que este ano contou com mais de 6500 concorrentes. O Caapora aproveita ensejo para parabenizar Guto Carvalho, idealizador do concurso e do “Avistar – Encontro Brasileiro de Observação de Aves”, pelo indispensável trabalha que vem realizando em prol da popularização da observação de aves no Brasil.

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