>Um Ovo e um Pterossauro

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Um novo fóssil de pterossauro do gênero conhecido como Darwinopterus foi encontrado na China. Com 160 milhões de anos, ele se encontra completo, mas não foi bem isso que chamou a atenção dos pesquisadores… Na base do quadril do animal pode-se observar um ovo inteiramente preservado! O pterossauro adulto teria morrido num trágico acidente antes de depositá-lo. Este seria o primeiro registro irrefutável de um pterossauro fêmea.
Figura 1. A fêmea de Darwinopterus com o ovo associado.
A nova descoberta foi a anunciada na Science por Lu e colaboradores. O ovo, inteiramente formado e com sua casca bem desenvolvida, demonstra que ele estava prestes a ser depositado. Já a asa esquerda quebrada do pequeno pterossauro-mãe indica que possivelmente ela pode ter se acidentado durante uma tempestade ou talvez uma erupção vulcânica, eventos comuns nesta parte da China por volta de 160 milhões de anos atrás (Período Jurássico).
Figura 2 e 3. Fóssil, detalhe da pelvis e detalhe do ovo.
Além da presença do ovo, o fóssil demonstra duas características esqueletais típicas já indicadas como pertencentes a pterossauros fêmeas: o quadril maior, para acomodar e permitir a passagem do ovo e a ausência de uma crista craniana. O fato de outros indivíduos de Darwinopterus já terem sido encontrados indica que a espécie é sexualmente dimórfica – os machos possuindo cristas bem desenvolvidas e as fêmeas não. É uma observação interessante que os autores assinalam poder ser extrapolada para outros pterossauros. Este critério, no entanto, deve ser aplicado com cautela. Há grupos de animais modernos que abrangem espécies proximamente relacionadas com e sem dimorfismo sexual evidente (i.e. bovídeos: em algumas espécies machos e fêmeas têm chifres). Não é todo pterossauro com crista a partir de agora que deve ser considerado macho….
Figura 4. Darwinopterus fêmea e macho – representação artística de Mark Witton
O ovo é relativamente pequeno e possui a casca coriácea, típica dos répteis. Ele é completamente diferente daquele das aves, que depositam ovos grandes e com casca endurecida. A descoberta não é surpreendente, já que ovos pequenos requerem menos investimentos em termos de material e energia – uma vantagem evolucionária interessante para voadores ativos e energéticos como os pterossauros, e talvez um importante fator na evolução daquelas espécies gigantes como Quetzacoatlus, de 10 metros de envergadura.
Referências a espécimes de pterossauros machos e fêmeas já haviam sido feitas na literatura (principalmente para Pteranodon), porém este é muito mais convincente, pela simples razão de ter sido fortuitamente fossilizado com o ovo.
O ovo infelizmente não apresenta nenhum traço do embrião porque não foi depositado em vida. Isso provavelmente só seria verificado se ele estivesse próximo ao momento do nascimento do animal.
O ovo está localizado logo atrás da pelvis do pequeno pterossauro. O fato dele não estar exatamente dentro do corpo do animal, no entanto, não é um problema, já que situações similares são comumente observadas também em ictiossauros fossilizados (e.g. répteis marinhos extintos, vejam aqui). Quando o corpo entra num estado inicial de decomposição e há produção de gases, a pressão destes cria uma força que pode empurrar os embriões formados e prontos para o nascimento – neste caso o ovo – para fora do corpo do animal.
Evidências de ovos de pterossauros já haviam sido encontradas também na China – dois deles, um de 121 milhões de anos com um embrião perfeitamente preservado; veja as referências – e Argentina, descoberto por Luis Chiappe e colegas em depósitos de 105 milhões de anos.
A discussão sobre a natureza dos ovos de pterossauros – de casca mole ou dura – ganhou mais um ponto a favor da primeira hipótese: a casca mole. Aqueles da China se mostraram de casca coriácea, enquanto que apenas o da Argentina demonstou possuir uma casca endurecida formada por cristais de calcita, como o das aves. O ovo da Argentina pode ter problemas relacionados com a preservação, mas a discussão irá continuar por muito tempo. Se existirem realmente diferenças na natureza dos ovos dos pterossauros, isso ainda haverá de ser elucidado com a descoberta de outros fascinantes fósseis em outras regiões do mundo.
Referências:

Lu, J., Unwin, D., Deeming, D., Jin, X., Liu, Y., & Ji, Q., 2011. An Egg-Adult Association, Gender, and Reproduction in Pterosaurs Science, 331 (6015), 321-324 DOI: 10.1126/science.1197323


Wang, X.L. & Zhou, Z.H., 2004. Pterossaur embryo from the Early Cretaceous. Nature, 429: 621.

Chiappe, L.M., Codorniu, L., Grellet-Tinner, G. & Rivarola, D., 2004. Argentinian unhatched pterosaur fossil. Nature, 432: 571-572.

Ji, Q., Ji, S.A., Cheng, Y.N., You, H.L., Lü, H.C., Liu, Y.Q. & Yuan, C.X., 2004. Pterosaur egg with a leathery shell. Nature, 432: 572.

Sobre o(a/s) autor(a/es):

Aline é bióloga, especialista em paleontologia de vertebrados e criadora da rede de divulgação científica "Colecionadores de Ossos". Atualmente é professora adjunta de Paleontologia do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em Natal, RN.

5 comentários em “>Um Ovo e um Pterossauro”

  1. >Eu não li o artigo. Há alguma referência sobre dimorfismo em Darwinopterus também em termos de tamanho corpóreo? Lembro que em Pteranodon o Bennett chamou a atenção para isso, o que poderia sugerir também um comportamento poligâmico.

  2. >Oi Felipe! Que bom que continua acompanhando!Então:Observe no supporting online material do artigo (disponível aqui: http://www.sciencemag.org/content/suppl/2011/01/19/331.6015.321.DC1/Lu.SOM.pdf) que o crânio do bicho com crista (ZMNH M8782 - o holótipo, descrito como Darwinopterus modularis) é um pouco maior em comprimento do que o do bicho descrito agora (ZMNH M8802). Aliás, os dois espécimes encontrados com crista que são ali citados são maiores do que aqueles sem a crista (Veja a tabela na página 13, colunas SL e CC). Não parece muito, mas não se pode afirmar nada sem verificar até que ponto a diferença é significativa neste caso.É uma hipótese interessante a do Bennet. Se este padrão for comprovadamente observado aqui, vamos ter um bom desenrolar dessa história.De fato é um padrão observado na biologia dos bichos a poligamia associada ao dimorfismo sexual no que se diz respeito a tamanho corpóreo.Obrigada pela ótima contribuição! Se puder acrescentar mais alguma coisa eu agradeço!

  3. >Prezado GPC,Obrigada pela contibuição! No entanto, prefiro manter o "seria", tendo em vista que a ciência se baseia em hipóteses que podem ser a qualquer momento refutadas, não em verdades absolutas.Veja que Kevin Padian, de Berkeley, por exemplo, cogitou a hipótese de que o que os autores do supracitado artigo referem-se como 'ovo', pode não ser um ovo. Ao que tudo indica deve ser, eu mesma estou convencida, mas ele permanece cético e argumenta que a estrutura é um pouco grande para a cavidade corporal do pterossauro e que os répteis geralmente depositam uma série de ovos de uma vez só. É outra hipótese que contrapõe a afirmação "***é*** uma evidência irrefutável de uma fêmea pterossauro".Várias "verdades absolutas" da paleontologia já caíram frente a novas evidências. É assim que a ciência funciona: não dogmática e não jornalística.Agradeço sinceramente pelo comentário!Um forte abraço de todos os colecionadores

  4. >Obrigado, AlineDe fato parece que o dimorfismo quanto ao tamanho corpóreo em Darwinopterus é presente, mas pouco pronunciado. Ao que parece as diferenças se restringiam ao caráter morfológico. No trabalho do Bennett (1992) dá pra perceber que a discrepância entre os morfótipos "macho" e "fêmea" é bem mais significativa. Com base nos dados que fornece fiz uma estimativa grosseira e cheguei a uma razão de 3/5 (algo em torno de 60%) de diferença entre supostas fêmeas e machos, algo bem próximo do que se encontra em pinípedes. No mesmo paper ele indica ter observado também um padrão parecido (tanto morfológico quanto em termos de tamanho) em espécimes de Nyctosaurus. E se não me engano (faz tempo que li o artigo) ele ainda levantava a possibilidade de um dimorfismo bem marcado em termos de tamanho em Quetzalcoatlus. O holótipo é enorme, mas os vários espécimes coletados depois na mesma formação representam um morfótipo bem menor (cerca de 50% - novamente estimativa minha, baseada nos dados da publicação). O padrão de fusão dos ossos da asa é típico de forma adulta, e as autapomorfias caracterizam pelo menos o mesmo gênero. O problema é que o holótipo não inclui pélvis e crânio para comparação. Se confirmado seria um dos casos mais extremos de dimorfismo de tamanho entre pterossauros.Me interessam muito esses estudos porque essa profusão imensa de gêneros e espécies é algo que me incomoda bastante. Veja o caso da diversidade taxonômica pterossauros da Formação Santana: para mim aquilo é pornográfico! Sem entrar no mérito do trabalho dos colegas, a variedade que se nota em muitos espécimes não me convence como justificativa para distinção taxonômica em termos biológicos, e não passa de uma sistematização artificial. Não tenho dúvidas de que se explicariam facilmente como resultado de desenvolvimento ontogenético, dimorfismo ou mesmo em termos de curva normal de variação fenotípica populacional. Para mim aqueles ecossistemas não sustentariam mais do que talvez 3 ou 4 variedades de pterossauros compondo unidades biológicas reais, com sorte.

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