A nova cara do Espinossauro

iconArtigo recém publicado remodela a nossa visão sobre o icônico Espinossauro. Isso mesmo, aquele dinossauro que aparece no filme Jurassic Park III tirando o couro do T. Rex. Ah, os amantes do T. rex vão adorar essa história…

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A nova concepção de Spinosaurus, arte de Davide Bonadonna

Os primeiros fósseis de Spinosaurus aegyptiacus (que, do latim, significa “lagarto com espinhos”) foram encontrados em rochas de idade cretácica, no Egito, no início do século XX, e descritos pelo paleontólogo alemão Ernst Stromer em 1915. Tratavam-se de partes do crânio, vértebras e costelas de um enorme dinossauro carnívoro, cujas mais destacadas característica eram o fato dele apresentar um focinho fino e alongado e prolongadas cristas vertebrais, formando uma espécie de vela nas costas do animal (daí seu nome).

0000000000000000000000000000000000000000000000000000Esse material, todavia, foi destruído durante a II Guerra Mundial, entre tantas outras barbaridades que se sucederam.

Novos fósseis provenientes do mesmo depósito geológico, porém, foram recuperados ao longo do tempo. Não tão completos, mas que permitiram o estudo e conhecimento da espécie, elevando-a como uma das maiores de dinossauros carnívoros de todos os tempos. –> Não é à toa que o bicho foi escolhido como grande “vilão” no terceiro filme da franquia “Jurassic Park” (acima).

O grupo ao qual Spinosaurus pertence, chamado “Spinosauridae”, não contém muito mais que meia dúzia de gêneros (três deles brasileiros: Irritator, Angaturama e Oxalaia), e sua anatomia é bem pouco conhecida, quando comparada com o que já se conhece sobre outros dinos carnívoros. Seus fósseis, em geral, são muito fragmentados e bastante escassos. Portanto, qualquer novo achado é bastante comemorado.

Spinosaurus_MonographA mais nova surpresa é um conjunto de fósseis de Spinosaurus recém descrito por Ibrahim e colaboradores, na revista Science, no último dia 11. Esses fósseis vieram questionar e buscam remodelar a nossa antiga visão sobre Spinosaurus e os espinossaurídeos.

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A forma como víamos os espinossauros já passou por grandes transformações ao longo do tempo. Veja por exemplo os primeiros esboços de Stromer sobre Spinosaurus (acima).

Ou algumas das reconstruções da década de 80 e início da década de 90:

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Novos achados foram, ao longo do tempo, complementando e aprimorando a visão que tínhamos desses animais. Não só quanto à sua anatomia, mas também quanto à sua paleobiologia e comportamento (veja, por exemplo, o artigo de Amiot e colaboradores, de 2010, que trouxe a tona a discussão sobre o modo de vida anfíbio desses animais).

A discussão sobre o hábito de vida semi-aquático em espinossaurídeos surgiu por volta de 2010
A discussão aprofundada sobre o hábito de vida semi-aquático em espinossaurídeos surgiu por volta de 2010

A novidade do novo artigo de Ibrahim e colegas é um conjunto de fósseis que vem completar o quebra-cabeça.

Baseado em materiais recolhidos no Marrocos, os cientistas foram capazes de reconstruir o esqueleto do animal com mais acuidade. A principal surpresa: as proporções do bicho.

Com o quadril pequeno e as patas traseiras excepcionalmente curtas, o animal apresenta proporções semelhantes a de vertebrados especializados em um modo de vida aquático. O que surpreende ainda é que com as novas proporções, o animal apresenta um novo centro de massa, o que o torna um quadrupede obrigatório em terra firme.

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– O novo design lembra muito as reconstruções retrôs de dinossauros e me fez lembrar os dragões de D&D (uma das artes oficiais acima, por Davide Bonadonna).

O que mudou também foi o posicionamento das vértebras, que foi reinterpretado e corrigido. Rearranjadas dessa nova forma, a cauda do animal fica menos robusta, porém mais livre. O que poderia ajudá-lo na propulsão para o nado, por exemplo.

O tamanho do bichão também foi recalculado. Em comprimento ele atingia até 15m, cerca de 2,5m a mais que os maiores exemplares do famoso Tyrannosaurus rex (pelo menos em uma coisa os fãs de Spinosaurus podem se orgulhar…).

Outra novidade ainda foram as adaptações encontradas na estrutura interna do esqueleto do animal. Com a medula mais densa, ele poderia ficar submerso mais facilmente, já que isso aumentaria o seu peso específico dentro da água.

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A nova cara de Spinosaurus não agradou muita gente, mas evidências são evidências, e o artigo de Ibrahim apresentou-as de forma muito convincente (acostume-se, a ciência não está nem aí para as suas preferências).

Alguns estudiosos questionaram o que foi apresentado, todavia, e acreditam que mais estudos devem ser feitos para comprovar o que foi proposto por Ibrahim e colaboradores. Entre as dúvidas, por exemplo, estão se o material encontrado pertence mesmo a um único indivíduo ou se eles formam uma quimera. Isso tornaria as proporções apresentadas incoerentes. A forma como foram recuperados os fósseis (parte comercializada por um negociante de fósseis à um museu e a outra parte encontrada no afloramento em que supostamente esse mesmo material foi recolhido), abre espaço a essa dúvida (veja alguns dos problemas do comércio de fósseis nessa recente postagem em nosso blog).

Outro problema levantado é que, mesmo que os fósseis pertençam realmente à um mesmo indivíduo, o que poderia ser elucidado por um estudo histológico, por exemplo, as proporções calculadas podem estar um pouco equivocadas quando rigorosamente comparadas aos do fósseis de Stromer (veja mais sobre esse problema apontado por Scott Hartman aqui).140911-spino_01422f11d69c0f65aa9dea11bf96ddd6.nbcnews-ux-960-440

Independente se certo ou não, é difícil crer que o animal fosse quadrúpede quando se observa os seus membros anteriores, e é isso que incomoda os tanto os fãs de Spinosaurus, quantos os pesquisadores. Parece pouco natural pensar nesse bicho como um quadrúpede obrigatório (é perdoável sentir-se incomodado com a nova proposta). Mas sabemos que a evolução não trabalha como um “designer inteligente”, e sim como um sucateiro, reaproveitando peças que “já estavam lá”.

De acordo com a nova proposta, Spinosaurus era no mínimo uma criatura desengonçada (até mesmo cômica), mas não o subestime. Talvez ele fosse elegante somente dentro d’ água, mas a evolução não está nem aí para a estética. Ele era bom no seu papel: como letal predador aquático.

Será que todos os seus companheiros eram semelhantes? O gigante Oxalaia seguiria o mesmo padrão?

É possível. Porém, somente novos fósseis e estudos mais aplicados podem comprovar.

Vamos acompanhar os avanços desses estudos! Por enquanto fiquem com a nova versão de Spinosaurus:

Por Niroot Puttapipat
Por Niroot Puttapipat

Uma Descoberta Inesperada

iconUm dos artigos paleontológicos mais importantes do ano no Brasil: uma nova espécie de pterossauro encontrada no Paraná. Não somente inesperada devido ao seu contexto geológico regional, como também surpreendente, com fósseis de quase 50 indivíduos preservados.

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Reconstrução do ‘Caiuajara dobruskii’ por Maurílio Oliveira. 2014.

Já era sabido no meio científico que uma nova espécie de pterossauro havia sido descoberta no sul do país. Entretanto, apenas recentemente o artigo foi publicado na revista PlosONE. Só agora podemos ter uma ideia detalhada dessa descoberta espetacular. Quer saber o porquê que é ela tão importante? Leia à seguir.

O Grupo Caiuá, unidade geológica da chamada “Bacia Bauru”, compreendia um enorme deserto de dunas durante o final do Período Cretáceo. Até recentemente, paleontólogos nunca haviam encontrado nenhum fóssil corporal de um animal que pudesse ser identificado com acuidade nessas rochas, distribuídas principalmente pelo norte do Paraná e o leste do Mato Grosso do Sul. Os cientistas geralmente focavam suas pesquisas nos estratos do conhecido “Grupo Bauru”, localizado um pouco mais ao norte, em São Paulo e Minas Gerais, onde o clima havia sido mais ameno no passado e houve notavelmente uma preferência por parte dos dinossauros e crocodiliformes, com o conhecimento de dezenas de espécies. Mas isso mudou. O pesquisador Paulo C. Manzig e seus colegas nos presentearam não só com fósseis muito bem preservados, encontrados nas rochas do Grupo Caiuá, como também com a descrição de uma nova e surpreendente espécie de pterossauro (!).

journal.pone.0100005.g007Descrito como Caiuajara dobruskii, o pterossauro do Grupo Caiuá pertencia ao grupo dos Tapejarídeos, os bonitões com cristas de vela. Particularmente, eram os meus favoritos quando eu era criança, e, de lá para cá, diversas novas espécies vêm sido descritas. São relativamente raros no Brasil e possuem apenas duas ocorrências confirmadas fora do país (Espanha e China). Até mesmo aqui, todas as espécies estavam restritas à Bacia do Araripe, no Ceará. É espetacular que tenhamos encontrado uma espécie a mais de 5.000 km de distância, no Paraná.

Outra razão para considerarmos importante esse achado é o Tempo. Tapejarídeos são típicos do início do Período Cretáceo. Porém, Caiuajara foi encontrado na Bacia Bauru, em rochas Cretáceo Superior, ou seja, do final do Cretáceo, dezenas de milhões de anos depois! Isso nos faz entender que esses animais perduraram muito mais do que imaginávamos.

journal.pone.0100005.g010Por fim,  mas não menos importante,não podemos deixar de falar que finalmente obtivemos detalhes ontogenéticos! “Onto… quê?” Significa que foi possível possível obter detalhes da aparência dos Caiuajara em diferentes etapas de sua vida – ou seja, em diferentes idades. Foram recuperados 47 indivíduos, juvenis e adultos (envergaduras entre 0,65 a 2,35 m). Segundo os autores, a diferença básica entre eles era o formato da crista, que variava, transformando-se de pequenas em inclinadas para enormes e em meia-lua.

Essas foram as três razões para que se possa considerar essa uma das descobertas do ano no Brasil. Agora, também, os paleontólogos expandiram seus horizontes de pesquisa para o antes esquecido Grupo Caiuá e novas descobertas poderão surgir! Fique de olho!

 
Bibliografia:
Manzig PC, Kellner AWA, Weinschütz LC, Fragoso CE, Vega CS, et al. (2014) Discovery of a Rare Pterosaur Bone Bed in a Cretaceous Desert with Insights on Ontogeny and Behavior of Flying Reptiles. PLoS ONE 9(8): e100005. doi:10.1371/journal.pone.0100005