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Krakatoa em atividade: é o fim do mundo?

Texto de Letícia Freitas Guimarães

A erupção do Anak Krakatau na noite de 10 de abril causou alvoroço nas redes sociais. Notícias falsas, alarmistas, vídeos de erupções passadas e até apofenia astrológica inundaram as redes. Mas por que esta erupção não deveria nos espantar?

O Anak Krakatoa (Anak Krakatau, em Indonésio) localiza-se no estreito de Sunda, entre as Ilhas de Sumatra e Java, uma região com centenas de vulcões ativos relacionados à interação entre as placas tectônicas Australiana e de Sunda (Figura 1). Este sistema faz parte do chamado Círculo de Fogo do Pacífico, uma região geologicamente muito ativa, que se estende por cerca de 40.000 km e é delimitada por zonas de convergência de placas tectônicas (Figura 2). Cerca de 75% dos vulcões ativos e 90% dos terremotos do planeta estão localizados nesta área. Não é de se espantar, então, que o Anak Krakatau seja um dos vulcões mais ativos do mundo.

Figura 1 – Imagem do Google Earth mostrando a localização do vulcão Anak Krakatau (destacado no círculo rosado) e alguns outros vulcões do arco magmático de Sunda, relacionado à subducção da Placa Australiana sob a Placa de Sunda (linha dentada amarela). A velocidade do deslocamento da Placa Australiana é informada pelas setas brancas.
Figura 2 – Mapa esquemático com as principais feições geológicas relacionadas ao Círculo de Fogo do Pacífico.

As erupções mais antigas registradas em observações históricas do sistema vulcânico de Krakatau datam do ano de 250 e, desde então, este sistema apresenta-se bastante ativo, alternando fases efusivas, isto é, com derramamento de lava, e fases explosivas, com erupções freatomagmáticas, fluxos piroclásticos e queda de cinzas (veja o Glossário no final do texto para ficar por dentro dos termos da vulcanologia).

A maior erupção deste sistema ocorreu em 1883, com um índice de explosividade vulcânica (VEI) igual a 6 (de uma escala vai até 8). Para se ter uma idéia da grandiosidade deste evento de 1883 em comparação a outros importantes eventos eruptivos do mundo veja a Figura 4b. Durante o evento de 1883, o estratovulcão Krakatau chegou a ter três condutos ativos, ou seja, três aberturas na superfície durante sua fase mais violenta (chamada de fase paroxysmal) e, após três meses deste clímax, o edifício vulcânico colapsou. Este colapso gerou um enorme fluxo piroclástico que, ao atingir o oceano, gerou tsunamis nas costas de Sumatra e Java, matando mais de 36 mil pessoas. Alguns anos depois, dentro da caldeira formada pelo colapso do Krakatau, surgiu o cone vulcânico batizado de Anak Krakatau (filho de Krakatau, em indonésio), ativo desde 1927.

Figura 3 – Sequência de fotos de atividades históricas do vulcão Anak Krakatau. A) Erupção freatomagmática de 1927; B) Erupção freatomagmática de 1930; C) Atividade eruptiva de 1979,  incluiu fase explosiva (coluna eruptiva observada na foto) e fase efusiva (derrames de lava); D) Atividade fumarólica em 1979. Os derrames de lava de coloração negra no canto direito inferior na foto são de 1975. As fotos A, B e D são do Serviço Vulcanológico da Indonésia (VSI) e a foto C é de Katia e Maurice Krafft.
Figura 4 – A) Maior erupção já ocorrida no Krakatau, em 1883. Foto cortesia da família de R. Breon; B) Diagrama comparativo entre os volumes de material vulcânico ejetado pelos grandes eventos eruptivos da história da Terra. A erupção de 1883 do Krakatau corresponde ao cubo amarelo.

As imagens que circularam na internet no dia 11 de abril correspondem, em sua maioria, à erupção de dezembro de 2018. Este evento correspondeu a uma erupção do tipo Vulcaniana de VEI 3, que gerou uma coluna eruptiva de 15 km de altura e um novo colapso do edifício vulcânico que, de novo, gerou tsunamis nas ilhas de Sumatra e Java, vitimizando mais de 400 pessoas. O sistema vulcânico mantém-se ativo desde então, com intermitente atividade sísmica (terremotos), fumarólica e erupções explosivas. A figura 5 apresenta uma sequência de imagens das atividades registradas no Anak Krakatau desde o final de 2018 até o começo de 2020. Nelas é possível ver a variação no relevo causada pelo colapso do edifício vulcânico em decorrência da erupção de 22 de dezembro de 2018.

Dentre as diversas erupções do Anak Krakatau em 2020, a erupção de 10 de abril (figura 6) foi apenas mais uma dentro deste período de atividades. Ela correspondeu à uma erupção do tipo Stromboliana (tipo de erupção de explosividade moderada), com coluna eruptiva que atingiu cerca de 500 m de altura. Segundo informações de Serviço Vulcanológico da Indonésia:

“…os gases emitidos compõem-se majoritariamente de vapor d’água, os terremotos e deformação no solo são insignificantes, indicando que ainda existe suprimento de material magmático em reservatórios rasos e não há alteração (aumento) de ameaças“.

A Instituição manteve o alerta de risco no nível II de uma escala que varia de I a IV, sendo IV o nível de maior risco. O acesso em um raio de 2 km do vulcão está proibido por enquanto.

Figura 5 – A) Sequência de fotos mostrando a atividade vulcânica e a variação do relevo do Krakatau entre Dezembro de 2018 e Janeiro de 2019. B) Vista do Krakatau em Outubro de 2018. O sombreado vermelho corresponde à forma do vulcão em Novembro de 2019, após o colapso do edifício vulcânico em decorrência da erupção de 22 de dezembro de 2018. C) Imagem do GFZ Potsdam mostrando o formato do Krakatau após a erupção de 22 de dezembro de 2018. A linha tracejada preta mostra a antiga forma do edifício vulcânico enquanto a linha tracejada branca indica o plano de deslizamento do edifício durante o colapso.
Figura 6 – Imagens do Serviço Vulcanológico da Indonésia (VSI) da erupção da noite de 10 de abril de 2020.

Outros vulcões também encontram-se em atividade na região, como o Karangetang, Merapi, Kerinci, Sangeang Api, Semeru, Ibu e o Dukono. Alguns destes vulcões (como o Merapi, o Kerinci e o Sangeang Api) estão relacionados ao arco vulcânico de Sunda, o mesmo arco vulcânico onde se localiza o Anak Krakatau (representado na figura 1). Deste modo, a erupção destes vulcões está associada, uma vez que a geração do magma que os alimenta deve-se ao mesmo processo geológico ocorrendo no mesmo contexto. O magma gerado em zonas vulcânicas é armazenado em grandes reservatórios chamados de câmaras magmáticas, que podem ter tamanho e forma bastante variados. Estes grandes reservatórios são significativamente mais volumosos do que sua expressão em superfície (os vulcões). Em zonas de regime tectônico convergente (isto é, onde as placas tectônicas se chocam) com formação de arcos vulcânicos, um mesmo reservatório/uma mesma câmara magmática pode alimentar diferentes vulcões ou, ainda, diferentes reservatórios podem estar interconectados. Processos de recarga do reservatório magmático e abalos sísmicos são alguns dos fatores que atuam como gatilhos de erupções. Sendo tais processos recorrentes em regiões tectonicamente ativas, é comum que diversos sistemas vulcânicos estejam ativos simultaneamente. O vulcão Karangetang localiza-se no arco Sangihe, enquanto que os vulcões Ibu e Dukono localizam-se no arco Halmahera. Embora não estejam geneticamente vinculados aos vulcões do arco de Sunda, todos estes sistemas são gerados pelo mesmo processo geológico, apenas ocorrendo em diferentes localidades. Que tal navegar pelo Google Earth e descobrir os vários sistemas vulcânicos da região? Basta clicar AQUI.

GLOSSÁRIO GEOLÓGICO E VULCANOLÓGICO – Entenda os termos utilizados pelos vulcanólogos:

Arco vulcânico: cadeia de vulcões que pode se estender por centenas a milhares de quilômetros cuja formação está relacionada a uma zona de subducção. O arco se desenvolve acima desta zona e pode ser do tipo oceânico (onde ocorre interação entre duas placas oceânicas; ex: Ilhas Aleutas, Antilhas) ou continental (interação em margem continental onde uma placa oceânica, por ser mais densa, é empurrada por debaixo de uma placa continental menos densa; ex: Andes)

Cone vulcânico: monte cônico íngreme formado pela acumulação de material vulcânico ejetado em (sucessivas) erupções.

Depósito de queda de cinzas: depósitos formados pela queda de material vulcânico finamente particulado (cinzas vulcânicos). As cinzas são ejetadas na atmosfera e, por serem pouco densas, sobrem formando uma coluna eruptiva que se dispersa.

Erupção freatomagmática: erupção explosiva que ocorre devido a interação do magma com água.

Erupção Stromboliana: tipo eruptivo de explosividade moderada onde gases e “coágulos” de lava incandescente de baixa viscosidade são ejetados. Recebe este nome por ser a erupção típica do vulcão Stromboli, na Itália.

Erupção Vulcaniana: tipo eruptivo de explosividade moderada a alta onde gases e cinzas vulcânicas são ejetados e formam colunas eruptivas que se expandem rapidamente. Recebe este nome por ter sido primeiramente descrita na ilha de Vulcano, na Itália.

Estratovulcão: Cone vulcânico de relevo bastante íngreme formado pela alternância de, majoritariamente, depósitos piroclásticos (provenientes de erupções explosivas) e, subordinadamente, derrames de lava viscosa. A composição química destes depósitos pode variar, sendo as composições mais silícicas (mais viscosas) mais comuns. Comumente, o formato cônico torna-se mais íngreme em direção ao cume, onde encontra-se uma cratera. Correspondem ao tipo mais comum de vulcão (cerca de 60% dos vulcões terrestres) e ocorrem principalmente nos limites convergentes de placas.

Fase paroxysmal: estágio mais violento (clímax) do ciclo eruptivo, no qual toda a cavidade da cratera encontra-se aberta, proferindo uma erupção particularmente violenta.

Fluxo Piroclástico: produto mais perigoso e destrutivo do vulcanismo explosivo. Formam avalanches de gases e material vulcânico de tamanho variado (desde muito fino – cinzas – até blocos de rocha em escala métrica) que resultam em um fluxo de baixa viscosidade e altas temperaturas (podendo variar de 100°C a 700°C) que se move muito rápido

Índice de Explosividade Vulcânica (VEI): escala numérica (logarítmica) que mede a explosividade de erupções vulcânicas. Varia de 0 (eventos não explosivos, menos de 10000 m3 de material vulcânico ejetado) a 8 (eventos muito grandes ou mega-colossais, com volume de material vulcânico ejetado superior a 1000 km3 e altura da coluna eruptiva acima de 25 km.

Zona de subducção: região de tectônica convergente onde uma placa (mais densa) é empurrada por debaixo de outra.

Referências

https://volcano.si.edu/volcano.cfm?vn=262000

https://vsi.esdm.go.id/index.php/gunungapi/aktivitas-gunungapi/3038-press-release-aktivitas-gunungapi-anak-krakatau-11-april-2020

https://volcano.si.edu/gvp_currenteruptions.cfm


Letícia Freitas Guimarães é geóloga, PhD em Petrologia pela Universidade de São Paulo (USP). Desenvolveu sua pesquisa nas rochas vulcânicas silícicas da Província Magmática do Paraná, trabalhando com análises geoquímicas e texturais quantitativas. Atualmente colabora na elaboração de um ranking de risco vulcânico para os vulcões da América Latina. É co-fundadora e diretora de relações acadêmicas na Associação Brasileira de Mulheres nas Geociências (ABMGeo) e colabora na página de divulgação científica dos pós-graduandos do IGc-USP (Instagram @divulgageologia).

Gostaríamos de agradecer sinceramente a Letícia por ter disponibilizado o seu tempo e aceitado o convite de escrever para o nosso blog. Como vocês puderam ver, não é “o fim do mundo”… Pelo menos por enquanto ;).

>Paleovulcanologia

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Uma vertente da Vulcanologia, a Paleovulcanologia é a ciência que estuda vulcões extintos. Sua nomenclatura é considerada controversa por alguns vulcanólogos, que consideram inapropriado a utilização do prefixo ‘Paleo’. Independente da nomenclatura, no entanto, o estudo desses vulcões é muito importante para se elucidar como os gigantes de fogo influenciaram o ambiente no passado e até mesmo como dirigiram o curso da vida. 

 Por Juliana Freitas da Rosa

A vulcanologia é uma especialidade da Geologia altamente ligada a Geofísica. Foi criada na década 1980 para estudar os vulcões e os produtos vulcânicos. 


O nome Vulcão foi dado em homenagem ao deus do fogo da mitologia greco-romana, Vulcano. 


Até alguns anos atrás, a importância dessa ciência era voltada para reduzir os riscos das populações situadas em regiões adjacentes a estes gigantes (previsão de erupções, preparação de planos de emergência locais, etc). Hoje em dia, essa importância se estende a um nível o mundial, pois direta ou indiretamente, todos  sofremos os efeitos desastrosos desencadeados por esses “deuses de fogo”.


Apesar de erupções vulcânicas existirem desde os primórdios de nosso planeta, o primeiro registro histórico escrito que se tem notícia é de 79 d.C., quando duas cidades romanas – Pompéia e Herculano – foram devastadas por uma imensa erupção, varridas pelos produtos vulcânicos do monte Vesúvio. Essa erupção foi nomeada de Vesuviana ou Pliniana. ‘Pliniana’ em homenagem ao Plínio “o velho”. Plínio o velho foi ao encontro do Titã no meio do caos para entender melhor o que estava acontecendo. Seu sobrinho, Plínio “o jovem”, descreveu em duas cartas esse dia fatídico, sendo estas, as cartas mais importantes para a história da Vulcanologia.

Reconstituição do que teria sido a erupção vesuviana de Pompéia.
Vítimas do vulcão Vesúvio congeladas no tempo. Corpos petrificados pelas cinzas e lama mostram cenas da tragédia e a impotência da população diante da catástrofe.
 Também tem-se notícias de erupções na Grécia antiga, descritas em trechos dos contos de Homero, aonde o caos vulcânico era relacionado a brigas dos três deuses gregos irmãos: Zeus, Hades e Poseidon. Por não terem registros acurados, detalhes dessas erupções pereceram, porém, registros históricos não são o único modo de se rastrear a ocorrência de eventos vulcânicos…. Como, então, sabemos se houve uma erupção no passado? Como saber se foram suficientes para mudar o ambiente de sua época, ou até mesmo influenciar o planeta ainda hoje com seus produtos?

Ilustração por Guilherme M. Alayão – A briga dos deuses. A mitologia e os vulcões.


A Geologia, como uma ciência
que abriga a Vulcanologia, estuda – entre outras coisas – o interior do planeta (o interior da crosta, seus movimentos, etc.). Esse estudo nos ajuda a explicar a origem das atividades vulcânicas e até mesmo prever os locais preferenciais de ocorrência.
Já a Petrologia Ígnea – uma vertente específica da Geologia que estuda rochas que se originam de magma solidificado – auxilia a Vulcanologia por meio do estudo aplicado das rochas vulcânicas (Rocha extrusivas, ou seja, que se resfriaram na superfície terrestre).
Vulcões produzem dois principais tipos de produtos que originarão rochas: lavas e piroclastos (cinzas, bombas vulcânicas, etc.). A presença de rochas vulcânicas indica a existência pretérita de vulcões e derramamentos de lava fissurais (sem formação de cones vulcânicos). Mesmo sem registros da história escrita, portanto, podemos rastrear a ocorrência de atividades vulcânicas.

Lava sendo expelida e resfriando rapidamente para a formação de rocha.

Diferentes tipos de Piroclastos
O tipo de rocha produzida denuncia detalhes das erupções e acompanhando a sucessão estratigráfica podemos elucidar detalhes do ambiente antes e depois do evento vulcânico.

 Existem distintos tipos de lava, que formam diferentes tipos de rochas extrusivas, assim como existem diferentes tipos de rochas piroclásticas, que denunciam detalhes violentos de eventos vulcânicos.

Assim como a Paleontologia estuda os fósseis – Paleo=antigo; Onto=ser e Logia=estudo -, o estudo de vulcões extintos seria chamado de Paleovulcanologia. 

Vulcões extintos deixaram suas marcas em formas de rochas, camadas de cinzas, alterações no relevo e até mesmo sinais na atmosfera. Rochas vulcânicas são grandes indícios de que um ou mais vulcões estiveram ativos em uma determinada região, logo é esse o ponto de partida para obter registros de um paleovulcão.

Um paleovulcão é considerado como aquele que cessou completamente a sua atividade. Aqui portanto é necessário distinguir vulcões dormentes de extintos. O que em alguns casos nem sempre é fácil, até mesmo para especialistas. Vulcões podem permanecer inativos por longos períodos, o que nem sempre significa que ele cessou sua atividade. Alguns tem intervalos de dormência que podem durar centenas de milhares de anos… como aquele de Yellowstone por exemplo. 

E. F. Cook, em 1966, descreveu a importância da Paleovulcanologia como ciência. Ele relata o porquê de estudiosos serem tão conservadores ao adotarem o termo ‘Paleo’ para definí-la: O fazem, principalmente a fim de evitar conflitos com os estudos da própria Vulcanologia atual. 

A explicação é a seguinte: Existem vulcões extintos mais recentes do que aqueles que ainda estão ativos. Mas será que isto é motivo suficiente? Acho que independente do nome, é importante estudar vulcões que não estão mais em atividade… sejam de milhares, milhões ou centenas de milhões de anos.  

No Brasil, há evidências de muitos vulcões extintos, sendo um dos mais conhecidos, o de Poços de Caldas (MG-SP) com rochas vulcânicas que variam de 53 a 87 milhões de anos. Ele foi descrito em diversos trabalhos, estes reunidos durante um Congresso de Geologia em 1992 pelos professores Dr. Horstpeter H. Ulbrich e Dra. Mabel N. C. Ulbrich. Os estudos detalham todo o Maciço Alcalino de Poços de Caldas, desde o embasamento cristalino até os sedimentos piroclásticos. A base do vulcão adentra-se na Bacia do Paraná, o que o tornaria um dos maiores vulcões alcalinos do mundo, com pouco mais de 800km² de afloramentos. Ele possivelm
ente estava ativo quando houve a grande extinção em massa do Cretáceo-Paleógeno, há 65 milhões de anos. As manifestações mais recentes datam de 53 milhões de anos atrás. 

A paleovulcanologia estuda, neste caso, a influência deste vulcão no paleoambiente da região durante o período caótico de transição de eras. Como apararentemente há uma pausa na formação de rochas a partir de 72 Ma atrás, sendo retomada a atividade somente no limite que separa as duas eras Mesozóica e Cenozóica, talvez haja alguma pista importante para explicar a extinção local. Sinais de uma grande transformação no ambiente estão registrado em suas rochas. Se as idades calculadas com K/Ar forem reais, Poços de Caldas registraria um período de atividade vulcânica da ordem de 20 ou 30 Ma – muitas vezes superior ao que se conhece para outros vulcões em atividade e também extintos (Hosrtpeter e Mabel Ulbrich,1992).

Cratera do vulcão extinto de Poços de Caldas, MG, em imagem de satélite.

Outro paleovulcão brasileiro seria o do arquipélago de Fernando de Noronha. O arquipélago de Fernando de Noronha possui uma ilha principal de mesmo nome com 16,4 km² de área, e vinte ilhas menores. Registros revelam que o arquipélago eleva-se  sobre uma ampla plataforma de erosão, submersa atualmente. Esta plataforma está situada a 4km de profundidade em cima do assoalho oceânico. Localizado na Formação Remédios, suas rochas datam desde 8 a 12,3 milhões de anos — sendo essas as idades de resfriamento das mesmas. Considera-se esse vulcão relativamente recente e de vida curta. O seu estudo para a paleovulcanologia ajudaria a compreender a formação e declínio de um vulcão num curto período de tempo. 

Foto de Fernando de Noronha. Arquipélago formado por atividade vulcânica pretérita.

Registros de um dos mais antigos vulcões em território brasileiro seria o da região de São Félix do Xingu (PA) da Era Paleoproterozóica. Os geólogos Dr. Caetano Juliani e Dr. Carlos Marcello Dias Fernandes descreveram sua geomorfologia, tomando como base as rochas de até 2 bilhões de anos abrangendo as Formações Sobreiro e Santa Rosa. Este vulcão estaria relacionado com um grande evento magmático denominado Uatumã (Pessoa et. al., 1977), num dos maiores terrenos pré-cambriano do mundo, o Cráton Amazônico (Almeida et. al., 1981). Devido a selva amazônica ser muito fechada, os estudo desse gigante baseou-se na interpretação de imagens digitais do Projeto SIPAM (Sistema de Proteção da Amazônia) e do SRTM (Shuttle Radar Topographic Mission). O trabalho de campo foi realizado ao longo do rio Xingu por trilhas e estradas. Investigações petrológicas, texturais e mineralógicas foram analisadas por interpretação petrográfica da transmissão e reflexão de luz. Por muitas das rochas estarem em processo de metamorfismo, percebe-se que o vulcão dessa região era realmente muito antigo. A paleovulcanologia, neste caso, estuda a influência deste imenso evento vulcânico de Uatumã, que hoje abrange uma área de 1.500.000 km², no Cráton Amazônico. Na época em que este vulcão estava ativo, a atmosfera era rarefeita e o planeta muito mais quente, existiam apenas seres vivos unicelulares e raríssimos multicelulares. Esse vulcão pode ser um possível candidato que ajudou a liberar gases para a formação da atmosfera favorável para a evolução da vida terrestre além da formação de oceanos e diminuição da temperatura global. O seu volume vulcânico foi de longe o maior de todo o território brasileiro, até mesmo maior do que o derrame de lava da Formação Serra Geral da Bacia do Paraná, que cobriu os grandes paleodesertos Botucatu e Pirambóia.

A questão da paleovulcanologia como ciência pode ser desafiadora e o estudo desses vulcões, nada fácil, mas frente a influência que  tiveram no meio ambiente pretérito (com reverberações até a atualidade), considero a paleovulcanologia como uma ciência válida. Ao estudarmos as estruturas dos vulcões extintos, tentamos entender como era o ambiente durante a sua formação e as possíveis alterações no ecossistema que eles causaram – muitas vezes diferentes das que observamos hoje. Além disso, temos de nos preocupar com a previsão de novos eventos, só assim poderemos mitigar tragédias humanas e ambientais.

Não existem dois vulcões iguais, cada evento é único, mas podemos compará-los para esclarecer o passado e imaginar como poderá ser o futuro.

Juliana Freitas da Rosa é estudante de Geologia na Universidade de São Paulo (USP). Ela é apaixonada por Vulcanologia e pretende seguir seus estudos na área. Trabalha como monitora no Museu de Geociências e está disponível para discutir mais sobre o tema ou tirar dúvidas. Deixe seus comentários!