Desde o anúncio da Organização Mundial da Saúde, em 11 de março, até 16 de novembro, se completam 250 dias da pandemia.
Já podemos ir para a rua?
Temos tido essa sensação pelo excesso de pessoas que temos visto flexibilizar o isolamento social. Pessoas que antes pareciam estar firmes no propósito de isolamento, agora afrouxam as regras e frequentam eventualmente bares, restaurantes e eventos sociais familiares.
Além disso, claro, sabemos que grande parte da população tem sido pressionada a abandonar a modalidade home office cada vez mais. Além da parcela de pessoas que nunca teve essa chance – ou por serem serviço essencial, ou por serem profissionais autônomos ou prestadores de serviços cuja parada implica em não recebimento completo…
Tal característica, todos sabemos, acarreta não apenas em precarização da vida destas pessoas, mas um risco cotidiano para conseguir o mínimo de subsídios para manterem-se mensalmente. Especialmente a partir desta semana, quando o Auxílio Emergencial já contará com um novo valor, metade do que vinha sendo pago anteriormente.
As escolas também têm aberto suas portas cada vez mais. Assim, isto acontece com pressões constantes para funcionários voltarem, nem sempre nas condições sanitárias que são indicadas, segundo a OMS.
No entanto, o risco não só segue à espreita, quanto o número de internações e mortes segue nos rondando…
E nós sabemos que é difícil, tem sido difícil e continuará sendo difícil.
Os tempos árduos de isolamento (para quem se mantém em isolamento desde março) e os tempos árduos de exposição (para quem está na rua desde que tudo começou) são, sim, tempos de asperezas. No entanto, Nagamine comenta que:
“O alerta que os sucessivos marcos fúnebres – das mil, das dez mil, das cem mil mortes por Covid-19 no país – disparou não encontrou eco em nossa sensibilidade, e os descaminhos dos direitos humanos entre nós não permitem que nos surpreendamos”
A autora aponta que precisamos de mais elementos não apenas para estancar a morte, uma vez que vivemos diariamente – e não é a pandemia que inaugura isso, apenas agrava. Mas comenta como precisamos lidar com ideais de falta de empatia e insensibilidade geradas a partir de uma gestão da morte cotidiana e do negligenciamento dos direitos humanos.
Ademais, Serge Katembera ao comentar este texto em uma análise no seu perfil do Twitter, aponta para a falta de relação entre a infecção e morte pelo Coronavírus e a estética.
Como assim?
Se esse vírus fosse o Ebola, não sairíamos de casa – Serge comenta esta frase que escutou em um canal de televisão francês. Como assim? O SARs-CoV-2 não nos retira a forma, não nos causa hemorragias nem nos faz deteriorar o corpo com chagas abertas. Para grande parte da população é uma doença respiratória que afeta, sim, mas passa.
Queremos falar para além da questão estética, da não caracterização disforme do corpo no processo do adoecimento. Ou seja, temos um tempo intenso de desconexão por quem está dentro de casa há meses (o quê mesmo está ocorrendo do lado de fora das casas?). Temos um distanciamento dos corpos, a moralização do abraço, a desconfiguração da receptividade do sorriso.
Além disso, temos empregos (ou atividades profissionais) que exigiram presença das pessoas, com uma intensa condenação de alguns costumes – julgando que é parte da vida trabalhar e aglomerar nos transportes coletivos, mas um absurdo irresponsável ver pessoas para sorrir e conversar.
Há um debate acerca da moralização da noção de risco e a relação com a Covid-19. Isto é, a normalização da morte também faz parte deste processo – que culpabiliza alguns grupos, enquanto justifica outros por suas mortes e contaminações. Junto a estes processos, Segundo Moreno (2020) temos um relaxamento das medidas de proteção, diminuição de recursos para tratamento e manutenção da população e colapso dos sistemas de saúde.
A moralização do cotidiano e seus colapsos
Dessa forma, aparentemente, estes colapsos de sistemas de saúde e gestão da morte não afetam nem concepções de direitos humanos. Tampouco questões de estética que nos fazem temer um invisível vírus que nos afeta.
A moralização cotidiana proveniente do SARS-CoV-2 tem também um caráter polarizante no debate pró ou contra vacinas, pró ou contra usos de máscaras e liberdades individuais, pró ou contra debates científicos, pró ou contra a economia.
“A pandemia da COVID-19 reforça a urgência do amparo humanitário” nos diz Loiane Prado Verbicaro, em muitas dimensões de conhecimento e ação cotidianas.
A Divulgação Científica no Brasil
Parte do debate que a Divulgação Científica tem realizado no Brasil centra-se nas publicações científicas nacionais e internacionais sobre o SARS-CoV-2. Bem como, sua ação no organismo, ou resultados das vacinas em desenvolvimento. Tudo isto é fundamental para entendermos cada vez mais e melhor sobre a doença.
Também temos visto, nas últimas semanas, publicações que apontam para o aumento de casos em vários lugares do mundo. Bem como, tentativas de contenção dos contágios e resistências – ou não – das populações quanto a isso.
Talvez precisemos voltar às ênfases acerca das contaminações, auto-cuidado e, acima de tudo, compreensões acerca de como responder melhor a pergunta:
E a pandemia já acabou?
Hoje nós inauguramos a seção E a pandemia já acabou? Vamos trazer dicas mais precisas para situações específicas. Além disso, nós, do Blogs de Ciência da Unicamp, vamos reorganizar a apresentação dos dados. Ademais, criar séries que expliquem a ciência de base para entender o vírus, a doença e sua contínua expansão na população.
Não, a pandemia não acabou. Em tempo, não, reuniões com a família não são tranquilas e isentas de riscos. Assim como, não, ir a bares e restaurantes – especialmente ambientes fechados – não são atos seguros neste momento.
Chegamos aos 250 dias de pandemia. Temos 165 mil mortes no Brasil e mais do que 1 milhão e 300 mil mortes no mundo inteiro. Dessa forma, é preciso frisar, diariamente sim, que tempos de exceção precisam de ações empáticas, solidárias e científicas. Bem como, precisam compartilhar continuamente – e retomar debates “antigos” – sobre como o vírus está presente. Isto é, se espalhando e novamente ocupando leitos das UTIs – de hospitais públicos e privados.
Em suma, 250 dias pandêmicos
250 dias se passaram. Vamos encarar cada dia que acordamos. Como? Com um compromisso de seguirmos informando, conversando, debatendo. Assim como produzindo conteúdos para pensarmos esta etapa de nossas vidas com mais segurança, cientificamente embasados, socialmente engajados.
Fiquem bem, se puderem permaneçam em casa. Não, a pandemia não acabou!
Para saber mais
Katembera, Serge (2020) 1. Os ratos não temem o vírus (publicação no Twitter)
MORENO, Arlinda B. et al. (2020) A pandemia de COVID-19 e a naturalização da morte. Observatório Covid-19 Fiocruz Observatório Covid-19.
Nagamine, Renata (2020) Partilha do insensível; Quatro Cinco Um
Nagamine, Renata (2020) “Repensando a partilha do insensível: reflexões sobre direitos humanos e sensibilidades no Brasil da pandemia”; Errante
Organização Mundial de Saúde (2020) Coronavirus disease (COVID-19): Schools
Verbicaro, LP (2020) Pandemia e o colapso do neoliberalismo, Voluntas: Revista Internacional de Filosofia, v11, e3, p1-9
Reportagens recentes no jornal
Da Redação G1,(2020) Após menor média em outubro, Grande SP volta a ter mais registros de internações em novembro; erro em sistema impede dados de mortes G1, 13/11/2020
Da Redação G1 ES (2020) ES chega a 4.009 mortes e 169.928 casos confirmados de Covid-19, G1 Espírito Santo, 15/11/2020
Da O Globo (2020) Covid-19: SP tem aumento de internações em hospitais e alta de casos suspeitos; cientistas avaliam possibilidade de 2ª onda O Globo, 12/11/2020
Bergamo, Monica (2020) Prefeitura de SP deve analisar nesta semana se há crescimento de internações por Covid-19; Folha de São Paulo, 13/11/2020
Da Redação Gaúcha ZH (2020) Rio Grande do Sul registra 1.189 novos casos de coronavírus em 24 horas, Gaúcha ZH Corona Serviço, 15/11/2020.
Do Uol (2020) Caixa paga parcelas de R$ 600 e R$ 300 para novo grupo; veja todas as datas, UOL Economia, 15/11/2020
Portal A Crítica (2020) Amazonas registra 569 novos casos e mais 10 mortes por Covid-19, A Crítica, 14/11/2020
Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19
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