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Não podia faltar… demorei pra escrever sobre esse bichinho, mas aqui está, finalmente!
Faxinalipterus minima foi encontrado na região de Faxinal do Soturno, RS, e veio ajudar a escrever um importante capítulo da história dos répteis voadores. O bichinho gaúcho, teria cerca de 220 milhões de anos (Triássico Superior) e tratar-se-ia da peça mais antiga de toda história dos Pterosauria até então.
O animal foi descrito no compendio “New Aspects of Mesozoic Biodiversity”, novo livro da série Lecture Notes in Earth Sciences, publicado pela Springer. O livro reúne uma série de sete artigos relevantes para o discernimento da evolução da vida num dos períodos mais fascinantes da história do planeta Terra, o Mesozóico, e inclui aquele que descreve os restos do que teria sido um pequenino réptil voador muito primitivo e do tamanho de um pardal: “Pterosauria from the Late Triassic of Southern Brazil” é o nome da publicação de José Bonaparte, Cesar Schultz e Marina Bento Soares. Ali se descreve o nosso pequeno Faxinalipterus …
Fragmentos do fóssil de Faxinalipterus
Porque Faxinalipterus é tão importante?
A maioria dos pterossauros triássicos – os mais antigos – foi encontrada na Europa em depósitos de idade Noriana (216 – 203 milhões de anos atrás) no norte da Itália. Lá eles são representados por espécimes quase completos que ajudaram a fornecer vislumbres muito importantes sobre história evolutiva desses fascinantes seres alados.
Entre alguns dos animais ali encontrados podemos citar Eudimorphodon, Pteinosaurus e Preondactylus. Nesses três animais, apesar de bem antigos, foram observadas algumas características anatômicas consideradas já bastante derivadas e típicas do vôo ativo, como por exemplo modificações na cintura peitoral semelhantes às dos pterossauros do período Jurássico. Foi a partir principalmente dessa observação (entre outras) que os cientistas concluíram que a principal diferenciação desses répteis de seus ancestrais essencialmente terrestres teria se dado em algum momento anterior dentro do Triássico ou mesmo bem antes, durante o final do período Permiano.
Sendo assim, parte da história evolutiva dos pterossauros, na verdade a parcela mais significativa, permanecia obscura.
Sendo assim, parte da história evolutiva dos pterossauros, na verdade a parcela mais significativa, permanecia obscura.
Fóssil de Eudimorphodon, Triássico Superior do Norte italiano
Reconstituição de Preondactylus por Mark Witton.
Pteinosaurus, ilustração de N. Tamura.
Filogenia dos Pterosauria mostrando a possível origem e diversificação das primeiras linhagens. Os nós 1 e 2 representam Ramphorhynchidae e Pterodactyloidea, respectivamente, as duas principais linhagens do grupo.
Sob esse prisma, o que torna Faxinalipterus tão interessante é que apesar de também pertencer ao Triássico tardio, ele apresenta características interpretadas como primitivas pelos autores. Isso indicaria que pterossauros primitivos e derivados teriam vivido praticamente ao mesmo tempo, porém de em diferentes cenários geográficos, e que a evolução inicial do grupo talvez tenha se dado mais rapidamente que o esperado.
O grande furor no entorno da descoberta desse bichinho também está relacionado com o fato dele ser o primeiro registro do grupo no Triássico da América do Sul. Isso modifica algumas questões biogeográficas e levanta algumas dúvidas interessantes quanto à outro aspecto… Faxinalipterus foi encontrado em rochas que refletem um ambiente continental, diferente daquele dos pterossauros europeus, tipicamente litorâneo. Isso poderia evidenciar que a evolução dos pterossauros teria ocorrido em ambientes continentais ou mediterrâneos, e a colonização de ambientes litorais marinhos teria sido um passo posterior.
O fóssil, sua história e um pouco mais …
O artigo de Bonaparte e colaboradores analisa restos fósseis bastante incompletos. O material é escasso e permitiu somente poucas conclusões com relação a história evolutiva dos Pterosauria.
Os fragmentos ósseos atribuídos ao grupo foram descobertos durante uma campanha entre 2002 e 2005 numa velha pedreira próxima à cidade de Faxinal do Soturno, RS. O material estava concentrado em um único pequeno bloco de arenito da Formação Caturrita e foi considerado como pertencente à um mesmo indivíduo por causa de seu tamanho e sua estrutura.
Foi atribuído como pertencente à Pterosauria por apresentar feições ocas, pequena proporção e a presença de outras determinadas características ósseas reconhecidas somente em pterossauros e aves. Peculiaridades de alguns elementos esqueletais como o úmero e o coracóide é que permitiram classificar o material como definitivamente de um pterossauro primitivo.
O fragmento da maxila esquerda com 3 dentes ainda inseridos.
Os materiais consistem: da cabeça de um úmero, da ulna e rádio esquerdos, de um coracóide praticamente completo, da tíbia e fíbula esquerdas, de partes da tíbia e fíbula direitas, do fêmur esquerdo, de um provável elemento metatarsal e de um fragmento da maxila esquerda com três dentes.
A análise especialmente do coracóide, da porção proximal do úmero e de caracteres da fíbula é que permitiu aos autores inferir a condição primitiva de Faxinalipterus. Ele seria o pterossauro mais primitivo conhecido.
Faxinalipterus pode ser considerado também mais antigo que os pterossauros da Itália. A idade das rochas em Faxinal do Soturno representaria a transição Carniano-Noriano (de acordo com a geocronologia européia) e não o final do estágio Noriano como as rochas do norte italiano. Ele teria convivido com animais como o procolofonídeo Soturnia calodon, o dicinodonte Jachaleria candelariensis, o tritelodontídeo Riograndia guaibensis e o Saurischia basal Guaibasaurus candelarienis.
Os pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Fundación de Historia Natural Félix de Azara, da Argentina, escolheram o nome do pequeno pterossauro em homenagem a cidade de Faxinal do Soturno e ‘minima’ em referência ao tamanho diminuto do animal, não muito maior que um camundongo.
Continuando os estudos…
O artigo de Faxinalipterus saiu somente esse ano, apesar do fóssil ter sido encontrado há 5 anos atrás. Os estudos todavia continuam, os pequenos ossos encontram-se já há cerca de um ano sob análise do Professor Alexandre Kellner no Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
Kellner parece ter alguma cautela e afirma tratar-se de uma questão em aberto. Ele tem dúvidas quanto a classificação e acredita que Faxinalipterus possa tratar-se de um animal na base da linhagem dos pterossauros e não um pterossauro verdadeiro.
Se comprovada a possibilidade, a teoria de que os pterossauros se originaram no hemisfério norte cairia por terra.
Vamos continuar acompanhando!
Nota sobre a referência
Bonaparte, J.F.; Schultz, C.L. & Soares, M.B. 2010 - Pterosauria from the Late Triassic of Southern Brazil. Lecture Notes in Earth Sciences 132:63-71.
“New Aspects on Mesozoic Biodiversity”, apesar de envolver aspectos primariamente dentro paleontologia de vertebrados – paleobiologia, paleoecologia e paleobiogeografia de alguns tetrapoda, especificamente – , ele é de interesse para qualquer pesquisador que lide com biologia evolutiva e biodiversidade. Infelizmente o acesso é pago.
Sobre o(a/s) autor(a/es):
Aline é bióloga, especialista em paleontologia de vertebrados e criadora da rede de divulgação científica "Colecionadores de Ossos". Atualmente é professora adjunta de Paleontologia do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em Natal, RN.