Isso não são ovos de dinossauros

Extra, extra! Cientistas descobrem ovos de dinossauro na Rússia!

ERRADO!!

Isso não são ovos de dinossauros!!!!!!!

Essa notícia (“Cientistas encontram ovos de dinossauros na Rússia“) se dissipou não só na internet, mas foi veiculada também noutros principais meios de comunicação do país. Os jornais da globo se deliciaram com o ‘furo jornalistico’, assim como os criacionistas, quando viram mais uma oportunidade para vangloriar sua teoria sobre “fósseis poliestrata” (WTF!).

Nós, paleontólogos, sentimos vergonha alheia pelo colega geólogo da foto quando isso se dissipou por aí. O que a foto mostra, na realidade, são concreções esferoidais. São lindas realmente. Belas amostras geológicas, mas não ovos de dinossauros!

Concreções são formadas em rochas sedimentares pela cimentação diferencial de grãos do arcabouço e matriz, que estejam agregados ao redor de um ‘núcleo precursor’, de origem orgânica ou não. Como assim?!

Bem, o núcleo precursor é que desencadeia o processo de formação  da concreção. Ele geralmente possui afinidade química que favorece a deposição de determinados tipos de cimento no seu entorno… Se o núcleo for de origem orgânica (uma folha, um peixe, um pterossauro, etc.), esse processo de acresção de minerais pode ser favorecido pela ação de bactérias, por exemplo. Sob essa perspectiva, muitas concreções podem conter fósseis… mas essas geralmente não têm formas tão regulares.

O formato das concreções depende principalmente do ambiente e das condições presentes durante a formação dessa estrutura sedimentar, assim como da natureza do núcleo que iniciou o processo.

As concreções concêntricas se formam pela deposição dos minerais de cimentação em camadas sucessivas. Os minerais são acrescidos a superfície das camadas anteriores e a concreção cresce.

Concreções variam em tamanho e forma: Podem ter tamanhos microscópicos ou chegar a escala de metros de diâmetro, pesando dezenas de quilos. Podem ser amorfas ou ter formatos discóides, tubulares, esféricos, piramidais, ou até agregados como bolhas de sabão.

Frequentemente elas têm da mesma coloração da rocha matriz, o que pode ajudar a diferenciá-las de estruturas fossilizadas – em alguns casos

São compostas por uma variedade de minerais e podem ocorrer em uma variedade de rochas sedimentares. Sendo mais comuns, no entanto, em folhelhos, siltitos e arenitos.

A história de confundir essas estruturas com ovos de dinossauros não é nova…. na verdade, esse engano já foi cometido várias vezes….

Quanto a ovos de dinossauros:

SE os elementos esferoidais encontrados na Rússia fossem ovos de dinossauros, logo de cara poderíamos dizer que se tratam de ovos de saurópodes. Não pelo seu tamanho, mas pelo formato.

Os ovos de saurópode têm essa característica esférica (Veja fotografia e imagens a seguir)… PORÉM:

Ovos de saurópode da Índia
Ovo de saurópode da Índia. O ovo está dentro da rocha e em corte lateral. Observe a casca formando um círculo entorno do embrião preservado.
Reconstituição de um saurópode e seu ninho.

Eles dificilmente têm 1 metro (!) de diâmetro, como algumas das concreções descritas.  Os maiores ovos de dinossauros saurópodes já encontrados não chegam nem perto desse tamanho, têm apenas algumas poucas dezenas de centímetros… e olha que entre os saurópodes estão os maiores dinossauros que já pisaram no Planeta Terra!!!

Uma outro aspecto que devemos atentar é para a forma como as estruturas esferoidais da Rússia foram encontradas: juntas, todas agregadas. Isso logo nos levaria a interpretá-las como produzidas “pelo mesmo animal ou pelo mesmo tipo de animal”, organizadas como em um ninho ou ninhal. TODAVIA, temos que ressaltar uma observação básica: que em uma mesma espécie, os ovos não variam muito de tamanho.. Os descritos na Rússia tinham o mesmo formato, eram encontrados agregados, porém variavam de 25 cm a 1 metro de diâmetro!

Além disso, SE fossem ovos, eles teriam sido provavelmente encontrados depositados juntos em um mesmo estrato, não espalhados pela matriz rochosa…: – Da forma como essas estruturas foram encontradas na Rússia, SE fossem ovos, a preservação só poderia ter acontecido por um retrabalhamento do material pré-depositado ou por uma deposição rápida de sedimentosum fluxo gravitacional, uma corrida de lama, etc -, que carregou os materiais rapidamente em um agregado massivo desordenado e se acomodou numa área rebaixada. Nessas duas opções, todavia, teríamos problemas: Ovos são estruturas delicadas demais para serem preservadas assim. Mesmo assim, a hipótese não pode ser descartada….

Por fim, SE fossem ovos de dinossauro, provavelmente eles teriam uma textura diferente da rocha matriz e isso não é observado no material da Rússia.

Diferentes texturas

Diferentes texturas

Geralmente a casca dos ovos fica preservada e esta possui caracteres bem diferenciados, facilmente observados a olho nu, como poros, perfuraçãoes, rugosidades e ornamentações. Todas essas características são inclusive utilizadas na classificação dos ovos.

Estruturas da casca: a morfologia externa

Quando sobra uma dúvida, todavia (uma má preservação geralmente leva a isso), um corte petrográfico pode rapidamente resolver a questão. A casca do ovo apresenta um padrão característico quando observada ao microscópio (Veja imagem abaixo).

Um corte de uma casca e um casca de ovo de dinossauro observadas no microscópio eletrônico.
Esquema da estrutura interna da casca

O estudo de ovos fósseis é conhecido como Paleo-oologia e sua importância gira em torno de entender processos paleobiológicos, paleoecológicos, paleogeográficos, estratigráficos, paleoambientais e paleoclimáticos. Os ovos guardam mais segredos do que você pode imaginar…

Isso são ovos:


Isso NÃO:

Isso são concreções esferoidais….

Quando o seu entorno é erodido, restam cenários quase extra-terrestres… Essa foto é do Vale da Lua na Argentina.

Sobre o(a/s) autor(a/es):

Aline é bióloga, especialista em paleontologia de vertebrados e criadora da rede de divulgação científica "Colecionadores de Ossos". Atualmente é professora adjunta de Paleontologia do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em Natal, RN.

6 comentários em “Isso não são ovos de dinossauros”

  1. O artigo está muito bom, Aline. Mas acebolamento é um processo de intemperismo (o nome certo é esfoliação esferoidal) e nada tem a ver com formação de concreções.

  2. Obrigada pelo toque Henrique. Limeira atentou-me para isso na revisão, mas deixei passar a falha por descuido na edição. Já corrigi.
    Todavia, atento que acebolamento não é o nome *errado* para o processo que destacou, Henrique. É apenas o nome informal dado a 'descamação' em lâminas curvas de algumas rochas, incluindo concreções. Como este blog dialoga com o público geral, melhor colocar dessa forma do que apregoar nomes difíceis em sequência.
    Saudações aos colegas da UnB!

  3. Excelente postagem! já tinha ouvido falar nessas concreções esferoidais, mas não percebi que eram concreções na imagem!

  4. Muito boa reportagem, achei várias concreções em minha região, Gostaria que uma melhor explicação sobre as condições ambientais para a a formação da tal concretagem. Achei concreções de arenito bem circulares, outras mais alongadas em um ambiente de antigos lagos de origem glacial.

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