Ana Emilia Quezado de Figueiredo, pesquisadora brasileira focada no estudo de peixes fósseis, nos deu a honra de uma entrevista para responder algumas questões sobre o seu trabalho e o estudo de tubarões fósseis no Brasil. Conheça um pouco sobre as contribuições nacionais para o estudo desse grupo de animais, entenda porquê os tubarões são tão bem sucedidos até a atualidade e conheça algumas curiosidades sobre eles.
Esse é um dos posts especiais para comemorar a nossa “Semana do Tubarão”.
Col.: Oi Ana, primeiro nos conte um pouco sobre o estudo que você está desenvolvendo atualmente.
Ana: Meu estudo atual, que está relacionado a minha tese, é baseado na diversidade de peixes do Permiano Médio – Superior (Formação Rio do Rasto) e do Triássico (Formação Santa Maria) do Rio Grande do Sul. Trabalho com a identificação, descrição dos materiais relativos à peixes, dando também um enfoque paleoecológico e quando possível bioestratigráfico (ajudando a datar e correlacionar às rochas) e paleobiogeográfico. Também trabalho com peixes do Cretáceo Inferior das bacias do Iguatu.
Col.: E o seu trabalho com tubarões fósseis?
Ana: Quanto aos tubarões eu trabalho com materiais corporais e os coprólitos (fezes fossilizadas) que podem ter sido produzidos por eles. Todo esse material é da Formação Rio do Rasto (Permiano Médio-Superior) de vários municípios do Rio Grande do Sul. Quanto aos materiais corporais (só temos dentes preservados até o momento) eu faço um estudo descritivo, comparativo e de identificação. Até o momento foram identificados para a Fm. Rio do Rasto do RS dois grupos de tubarões fósseis: os Xenacantídeos e os Hybodontídeos (estou estudando esses materiais), mas existem também Sphenacantídeos descritos para a Fm. Rio do Rasto do Paraná. Quanto aos coprólitos, esses materiais nos revelaram um pouco sobre as cadeias tróficas existentes no Permiano, como por exemplo o que os tubarões comiam, que haviam predadores desses tubarões, além de analisar possíveis relações de parasitismo.
Além do material do Permiano, eu trabalhei com dentes do Cretáceo Inferior (Formação Malhada Vermelha, Bacia de Lima Campos) de modo que identificamos uma nova espécie de Hybodontídeo: Planohybodus marki. Atualmente estou ajudando na identificação de materiais do Cenozoico que estão depositados na FURG.
Col.: Gostaríamos de saber um pouco sobre a representatividade desses animais no Brasil. Conte-nos um pouco sobre isso. São conhecidas muitas espécies de tubarões fósseis em depósitos de nosso território? Existem muitos pesquisadores estudando esses animais por aqui?
Ana: O Brasil é bem representado quanto aos tubarões. Temos uma certa diversidade desde o Paleozóico até o Cenozóico. Porém, a grande maioria desses fósseis são incompletos, e apenas certas partes estão preservadas. Com exceção de alguns materiais preservados dentro de concreções da Formação Santana (no Ceará, como o gênero Tribodus) o que temos são dentes, espinhos, espinhos dérmicos e coprólitos. Mesmo assim são conhecidas várias espécies e algumas são importantes por questões paleogeográficas e taxonômicas.
Quanto aos pesquisadores: quando comparamos com outros grupos taxonômicos, é perceptível que o número de pessoas que trabalham com os tubarões ainda é pequeno. Salvo algumas exceções, a grande maioria dos pesquisadores dessa área aqui no Brasil estão no Mestrado e Doutorado, o que eu acho muito interessante, pois estão sendo formado novos paleoictiólogos!
Col.: Você participou de alguma descoberta surpreendente relacionada à esses animais? (descobriu algo novo, uma nova espécie nova, encontrou algum fóssil excepcional, etc.?).
Ana: Participei da descrição de um novo hybodontídeo do Ceará, o Planohybodus marki. Que foi um trabalho muito importante, pois os materiais provêm de um conjunto de bacias pouco estudadas e que começamos a trabalhar em 2007. Esse achado ajudou a entender um pouco sobre a distribuição desse gênero para o Gondwana.
Da Formação Rio do Rasto, participei de um grande estudo sobre coprólitos. Depois de analisar mais de 500 exemplares pudemos visualizar como era o ambiente em que os tubarões viviam e como era a cadeia alimentar pretérita. Em um desses coprólitos encontramos preservados ovos de um parasita do intestino do tubarão que produziu aquele coprólito!
Col.: Qual seu tubarão fóssil favorito e porquê?
Ana: Eu sempre gostei muito dos tubarões atuais, especialmente do tubarão-martelo, mas dentre os que são apenas fósseis, sem dúvida gosto muito do Carcharodon megalodon, por conta do tamanho absurdo que eles alcançaram, mas depois que iniciei meus estudos aplicados, me encantei com os Hybodontídeos. Eles são um dos grupos extremamente diversificado quanto aos nichos ecológicos, ambientes, e morfologia dentária, além de terem vivido do Devoniano ao Triássico! Então eles são meus favoritos!
Col.: O que, na sua opinião e de acordo com seus estudos, pode ter contribuído para tornar os tubarões um dos grupo de animais mais bem sucedidos evolutivamente?
Ana: Os tubarões ocuparam (e ocupam) os mais diversos nichos e ambientes, com uma enorme variação de dietas alimentares. Além disso, são organismos inteligentes e facilmente adaptáveis. A diversidade morfológica dos dentes (que é o que encontramos na maioria das vezes) nos mostra esse jogo adaptativo ocorre a milhões de anos.
Col.: Por que fósseis corporais de tubarões, com exceção dos dentes, são tão incomuns?
Ana: Os tubarões são conhecidos como peixes cartilaginosos, ou seja, seu esqueleto é de cartilagem e não osso. Com isso a mineralização do esqueleto é diferenciada e apenas algumas partes, como dentes e espinhos são normalmente preservados. Para que haja a preservação de um fóssil corporal é necessário condições muito especiais, como baixa energia e ambiente anóxico (sem oxigênio), e nem sempre essas condições ocorrem.
Col.: É verdade que existiram tubarões exclusivos de água doce?
Col.: Conte-nos alguma curiosidade sobre esses animais e o que, na sua opinião, os torna tão fascinantes.
Ana: Como trabalho com as possíveis cadeias tróficas existentes no passado e o que esses organismos comiam, muito me interessou um artigo que saiu em 2011, apresentando marcas de dentes de hibodontídeos em um amonóide (tipo de cefalópode fóssil com concha), além de alguns dentes que ficaram preservados junto ao molusco! Esse foi o primeiro registro corpóreo desse tipo de interação.
Particularmente considero os tubarões fascinantes devido à já falada capacidade de adaptação deste grupo, como são predadores ágeis, com uma história evolutiva extremamente antiga e diversa, mas com muitas perguntas ainda para serem respondidas.
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Ana Emília faz doutorado na UFRGS, no programa de pós-graduação em Geociências. Sua tese é focada no estudo de peixes (tanto ósseos quanto cartilaginosos) do Permiano e Triássico, mas ela trabalha paralelamente com icnofósseis de vertebrados (especialmente coprólitos) e peixes do Cretáceo das bacias do Iguatu.
Bibliografia:
Vullo, R. 2011. Direct evidence of hybodont shark predation on Late Jurassic ammonites. Naturwissenschaften (2011) 98:545–549
Dentzien-Dias PC, Poinar G Jr, de Figueiredo AEQ, Pacheco ACL, Horn BLD, et al. (2013) Tapeworm Eggs in a 270 Million-Year-Old Shark Coprolite. PLoS ONE 8(1): e55007. doi:10.1371/journal.pone.0055007
PINHEIRO, F.L. & DE FIGUEIREDO, A.E.Q. & DENTZIEN-DIAS, P.C. & FORTIER, D.C. …Planohybodus marki sp nov., a new fresh-water hybodontid shark from the Early Cretaceous of northeastern Brazil Cretaceous Research, 41: 210-216
Sobre o(a/s) autor(a/es):
Aline é bióloga, especialista em paleontologia de vertebrados e criadora da rede de divulgação científica "Colecionadores de Ossos". Atualmente é professora adjunta de Paleontologia do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em Natal, RN.