A descoberta de um titã

Um novo titã recém integrou a lista de dinossauros do Brasil: Brasilotitan nemophagus.

Descrito na revista Zootaxa, a nova espécie de dinossauro brasileiro foi definida com base em um peculiar fragmento de mandíbula (imagem abaixo), além de vértebras, um elemento ungueal e fragmentos do quadril. O animal pertence ao grupo dos saurópodes titanossaurídeos, dinos herbívoros de pescoço longo, abundantes na América do Sul e demais continentes do Gondwana durante o final do Cretáceo (~100-66 milhões de anos atrás).

Segundo os autores, o novo animal pode ser considerado proximamente relacionado à Bonitasaura e Antarctosaurus, dois gêneros de dinossauros saurópodes da Argentina. Brasilotitan foi encontrado na região de Presidente Prudente, interior de São Paulo, no contexto geológico da Bacia Bauru, e, além de acrescentar à diversidade de dinossauros do Brasil, vem enriquecer o conhecimento sobre a anatomia do aparato mastigatório dos saurópodes, esses grandes animais herbívoros.

Dentário (parte da mandíbula) em formato de L de Brasilotitan nemophagus
Dentário (parte da mandíbula) em formato de L de Brasilotitan nemophagus

Etimologia do nome: Brasilotitan = Titã brasileiro / nemophagus = comedor de plantas.

A equipe dos Colecionadores teve a oportunidade de conversar com os colegas William Nava (Museu de Paleontologia de Marília) e Elaine Machado (UFRJ, Museu Nacional, Rio de Janeiro), alguns dos autores do artigo de Brasilotitan

Acompanhe hoje e nos próximos dias as suas entrevistas.

Hoje William Nava nos revela alguns detalhes sobre a descoberta do novo titã brasileiro:

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Col.: Como e quando foi feita a descoberta, William?

William: O achado dos fósseis se deu por volta de janeiro do ano 2000, quando precisei ir a P. Prudente para resolver algumas questões pessoais. Na ocasião observei centenas de blocos e pedaços de rochas depositados às margens de um terreno próximo à rodovia SP-270, a Raposo Tavares, perto da cidade de P. Prudente. Estavam alargando a rodovia e muitas rochas foram então retiradas. Ninguém notou, mas no meio delas havia muitos e muitos fósseis, entre os quais esses do Brasilotitan. 

Voltei algumas vezes ao local durante o ano 2000 para resgatar esses e outros materiais, senão acabariam se perdendo. Aliás, muitos já estavam se deteriorando pela ação do tempo e não tive como recuperá-los. Podemos dizer que foi um verdadeiro resgate paleontológico!

Me lembro que um dos fósseis os quais mais me chamou a atenção foi uma grande vértebra caudal (que media cerca de 40 cm de altura!) num arenito fino, mas muito duro. A posição do bloco onde ela estava dificultava bastante sua remoção. Não consegui retirar e ela se perdeu!  Um dos materiais que consegui recuperar foi um pequeno bloco contendo em vista lateral esse fragmento de dentário (foto acima), que na época imaginava pertencer a um crocodilo…

Col.: Como se estabeleceu o convênio de estudo com os pesquisadores do Rio de Janeiro?

William: Os materiais fósseis permaneceram comigo até agosto de 2004, quando vieram a Marília alguns pesquisadores da Universidade Federal Rio de Janeiro e diversos alunos para realização de um trabalho de campo. Mostrei a eles os fósseis do agora Brasilotitan e lhes chamou atenção justamente o ramo mandibular. Eles me pediram emprestado o material para que fosse melhor preparado no Rio de Janeiro e foi o que fiz. Cedi também, por empréstimo, os outros fósseis que aparecem no artigo. Ficaram aqui em Marília apenas alguns fragmentos de costelas (foto), um fragmento de tíbia, uma falange e um possível tarsal, todos coletados juntos com o material levado. Os materiais ficaram um bom tempo aguardando preparação e depois seguiram para estudo.

Costela encontrada junto aos materiais de Brasilotitan.
Costela encontrada junto aos materiais de Brasilotitan. Foto de William R. Nava.

Col.: Outros materiais foram encontrados no mesmo sítio de onde saiu Brasilotitan?

William: Além dos restos do Brasilotitan, no mesmo local haviam dentes de saurópode, terópodes (dinossauros carnívoros) e de crocodilomorfos,além de muitos coprólitos, pedaços de carapaças e plastrão de tartarugas e escamas de peixes. Não tive tempo suficiente para examinar cuidadosamente todas as rochas depositadas, porque “um belo dia”, no fim do ano 2000, não mais as encontrei. Procurei saber o que tinha acontecido e me disseram que foram utilizadas para preencher focos de erosão no próprio leito da rodovia. Lamento por que tirei só uma foto, a da costela (acima). 

Col.: Quais são as perspectivas de estudos na região?

William: Quando vou a Prudente, vez ou outra passo por esse local. Hoje é um terreno vazio e cheio de mato. Nunca mais encontrei nada. A área de onde as rochas possivelmente saíram também está soterrada: é o atual pavimento e acostamento da rodovia. Seria possível encontrar algo nos barrancos dos 2 lados da estrada, mas não encontrei nada significativo até agora, talvez porque ainda não realizei nenhuma escavação no local, apenas faço algumas varreduras superficiais.

A região de Presidente Prudente é uma área rica em fósseis, sempre há novas perspectivas. Há muitos locais promissores nos arredores. Estou trabalhando em um afloramento no qual encontrei pequenos ossinhos de aves enantiornithes, é um local excepcional! Mas isso é outra história…

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319072_439128632790487_1161231198_nWilliam Roberto Nava é coordenador do Museu de Paleontologia de Marília e foi responsável não só pela descoberta de Brasilotitan, como de muitos outros animais pré-históricos brasileiros. Alguns até mesmo levam o nome dele como Adamantinasuchus navae, um crocodyliforme do Cretáceo do Brasil. William convida a todos para visitarem o Museu de Paleontologia em Marília e conhecerem mais sobre o passado brasileiro.

Acompanhe notícias sobre o Museu de Paleontologia de Marília no Facebook: https://www.facebook.com/museudepaleontologia.marilia?fref=ts

Referência:

MACHADO, E.B.; AVILLA, L.S.; NAVA, W.R.; CAMPOS, D.A.; KELLNER, A.W.A.. (2013). “A new titanosaur sauropod from the Late Cretaceous of Brazil”. Zootaxa 3701 (3): 301–321. DOI:10.11646/zootaxa.3701.3.1.

 

Sobre o(a/s) autor(a/es):

Aline é bióloga, especialista em paleontologia de vertebrados e criadora da rede de divulgação científica "Colecionadores de Ossos". Atualmente é professora adjunta de Paleontologia do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em Natal, RN.

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