Um dinossauro no centro da cidade

Há algumas semanas, recebemos um e-mail por meio de nosso site (www.colecionadoresdeossos.com), de um senhor chamado Luciano Alves, de São José do Rio Preto, interior de São Paulo. Esse senhor dizia ter encontrado e resgatado materiais fósseis durante a construção de uma obra no centro da cidade. Todos os meses nós recebemos vários e-mails similares, porém, geralmente o que as pessoas encontram são rochas com formatos estranhos ou ossadas de bichos recentes. Todavia, o caso do Sr. Luciano era diferente…

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São José do Rio Preto, SP

A região de São José do Rio Preto é amplamente conhecida pela ocorrência de fósseis do final do Período Cretáceo. Esse intervalo de tempo é conhecido como o auge da “Era dos dinossauros”, entre 100 e 66 milhões de anos atrás. Nas rochas dessa região são comuns restos não somente de dinossauros, mas também de crocodilos, tartarugas, lagartos, cobras e peixes pré-históricos. Foi por isso que o e-mail do Sr. Luciano era tão especial.

Tudo confirmou-se quando vimos as primeiras fotos:

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O osso branco destacava-se da rocha rosada, típica da Formação Adamantina, unidade geológica local na qual os fósseis do Cretáceo são encontrados. O osso estava fragmentado devido às atividades da obra, porém, pelas fotos, era possível reconhecer que o material era grande, bem maior que qualquer osso de vaca. Além disso, suas características morfológicas não eram semelhantes à de nenhum organismo atual e o fato de ele estar entranhado na rocha confirmou sua natureza fóssil.

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Sr. Luciano Alves ao resgatar o material fóssil
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Local onde os ossos foram encontrados

Histórias de fósseis encontrados durante a abertura de estradas, a perfuração de poços artesianos ou construções de edifícios não são raras. É nesse momento, quando as rochas são desbastadas, que os fósseis aparecem, e diferente do que muitos podem pensar, essas atividades muitas vezes acabam ajudando os paleontólogos e podem levar à grandes descobertas. O Sr. Luciano foi um vetor positivo nessa história, que, confesso, nem sempre tem um final feliz. Ao identificar algo diferente, ele imediatamente separou o material para que não fosse mastigado pelas máquinas e fez o que é aconselhável: entrou em contato com especialistas, para identificação das peças. De acordo com ele, haviam mais ossos, porém não foi possível resgatá-los devido ao avanço rápido das atividades.

Sr. Luciano, além de trabalhar dirigindo caminhões, é operador de máquinas. É um curioso por natureza, que gosta de pesquisar e ler, e possui um enorme senso de ética e cidadania. Ao confirmarmos a identificação do material como “ossos de dinossauros” (mais precisamente um úmero de saurópode e fragmentos de costelas) ele prontamente quis que tudo fosse encaminhado para um Museu ou Centro de Pesquisa. De acordo com suas próprias palavras: “Isso não pertence à mim, pertence ao mundo todo, pertence à todos nós, e por isso deveria ser estudado e ficar em um museu”Na mesma semana fomos resgatar as peças e elas foram integradas à coleção do Laboratório de Paleoecologia e Paleoicnologia da UFSCar, aonde o material será estudado.

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O úmero de saurópode resgatado pelo Sr. Luciano, depois de reconstruído
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Em vermelho, a posição do osso em uma reconstituição de um dinossauro saurópode

DSCN0104Essa história somente reforça o importante papel da divulgação científica e também do diálogo entre o cientista/pesquisador e a população. Sr. Luciano, ao ter acesso à informação, propiciou o encaminhamento correto do material e acabou contribuindo com mais uma peça do quebra-cabeça sobre a história da vida no passado de nosso planeta. Além disso, ele acabou dando uma grande lição à todos os seus amigos e alguns familiares: ele não só estava certo sobre a natureza do material, mas também sobre como um cidadão deve agir em benefício de todos. O material em breve ficará em exposição no “Museu da Ciência Prof. Dr. Mário Tolentino” em São Carlos, junto ao nome do seu descobridor, “Luciano Alves”.

Para que mais “finais felizes” se realizem, é necessária a conscientização das pessoas envolvidas. Geralmente, quando obras são realizadas em localidades onde são comuns achados paleontológicos, um trabalho prévio de consultoria deve ser realizado. O resgate do material é fundamental, já que eles são únicos, raros e fazem parte da memória geobiológica de nosso planeta. Para o resgate, especialistas devem ser contatados. Depois de levados à instituições de pesquisa, os materiais devem ser estudados, catalogados e ter seu acesso garantido à toda população. É importante lembrar, que fósseis são bens da União, ou seja, pertencem a todos os cidadãos, e por isso sua comercialização ou escambo é considerada crime. Seu valor é científico e cultural, não podendo ser calculado em termos monetários.

Obrigada por contribuir com a ciência do seu país, Sr. Luciano Alves! Que outros sigam o seu exemplo!

Sobre o(a/s) autor(a/es):

Aline é bióloga, especialista em paleontologia de vertebrados e criadora da rede de divulgação científica "Colecionadores de Ossos". Atualmente é professora adjunta de Paleontologia do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em Natal, RN.

2 comentários em “Um dinossauro no centro da cidade”

  1. Trabalhei muito em topografia, fiscalização e projetos de eletrificação rural, talvez já estive perto de um material dessa natureza. Confesso que vou prestar mais atenção nesse assunto.
    Admiro vosso trabalho.

    Vanderlei Dias
    Ibirá

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